EN | ES

Papo de Teatro com Nilton Bicudo

Publicado em: 19/11/2012 |

Nilton Bicudo é ator, diretor e administrador de teatro 

Como surgiu o seu amor pelo teatro?
No colégio, dirigido por padres Franciscanos. Havia um teatro, todo de madeira, palco italiano. Lá eu me iniciei e descobri minha forma de interagir com o mundo.

Lembra da primeira peça a que assistiu? 
A primeira exatamente, não. Mas me lembro de muitas outras. Eu era fissurado em teatro, e todo fim de semana minha avó me levava para peças infantis. Frequentei muitos teatros naquela época, em que os “tijolinhos de jornal” eram todos do mesmo tamanho, uma página para peças para adultos e outra para o público infantil. Não tinha esse negócio de fotos, programação gráfica etc. Aos 12 anos, cansei dos infantis e a minha avó passou a me levar pros adultos, como “A Carta”, “Aí Vem o Dilúvio”, “Dercy de Cabo a Rabo”, “O Homem Elefante”, “Bella Ciao”. De infância, minha paixão por Paulo Autran e Dercy Gonçalves.

Um espetáculo que mudou a sua vida foi…
Vários espetáculos mexem com a gente. O Cacá Carvalho fazendo Pirandello, em “A Poltrona Escura”, me fez voltar a fumar, mas  já parei de novo. “Vau da Sarapalha”, com o Grupo Piollin, e “Adorável Desgraçada”, com a adorável Cláudia Mello. Também citaria o prólogo de “Ricardo III”, com Glória Menezes, na direção de Jô Soares, e a cena final de “Morte de Um Caixeiro Viajante”, com Juliana Carneiro da Cunha.

Um espetáculo que mudou o seu modo de ver teatro foi…
O da Cida Moreira cantando Kurt Weill, na Funarte, em 1988. “Lago 21”, do Jorge Takla, com  Elias Andreato, Walderez de Barros e Mariana Muniz, no horário alternativo do Teatro Procópio Ferreira. E “Carmen com Filtro”, estreia do Gerald Thomaz pelas mãos do Antônio Fagundes, com Clarisse Abujamra e Bete Coelho. Ah, e “Max”, direção do Val Folly, pra uma peça alemã, com a Walderez (de Barros), no Bixiga.

Você teve algum padrinho no teatro? 

O Fauzi Arap, mestre, foi a confirmação de vocação que eu precisava, logo no início. O Elias Andreato foi meu professor e me empurrou para Direção, abrindo muito o leque de meu aprendizado. E o Jorge Takla me apresentou a Célia Helena, na Escola dela, onde comecei minha profissionalização, conhecendo gente do ramo… e boa. Esses são meus Reis Magos, e claro, as atrizes todas que passaram pela vida, como a Célia (Helena), estupenda.

Já saiu no meio de um espetáculo? 
Nunca. Não cometeria tamanha falta de respeito. Amo teatro e sei de todas as dificuldades.

Teatro ou cinema? 
Teatro. Do ponto de vista profissional, cinema é mais difícil de fazer. Quando filmei com o Ruy Guerra (“O Veneno da Madrugada”), a cada fim de diária, sentia como se tivesse feito três espetáculos, tamanho o cansaço.

Cite um espetáculo do qual você gostaria de ter participado. E por quê? 
Eu queria participar de “Amigas, Pero No Mucho”, da Célia Forte, com direção do craque José Possi Neto, porque vi duas vezes e senti como os atores se divertiam fazendo. Já estou participando!

Já assistiu mais de uma vez a um mesmo espetáculo? E por quê? 
Assisti, claro. Porque gostei. “As Boas”, com Raul Cortez fazendo a Madame e dirigido por José Celso Martinez Corrêa, vi três vezes.

Qual dramaturgo brasileiro você mais admira? E estrangeiro?
Fauzi Arap é o dramaturgo que mais me emociona, pela pureza de suas ideias, por encarar teatro como antigamente, engajado, apaixonado. Fiz duas peças dele, “Chega de História”, com a Tônia Carrero, e agora o monólogo que ele escreveu pra mim, “Coisa De Louco”. Foi uma honra. Dos estrangeiros, meu preferido imperfeito é  Tennessee Williams, pela loucura e poesia. E meu preferido perfeito é Anton Tchecov. Suas peças são universos inteiros.

Qual companhia brasileira você mais admira?
O Grupo Piollin,com o qual tive o prazer de trabalhar em “Woyzek”, em 2002, ao lado de Matheus Nachtergaele, ambos dirigidos por Cibele Forjaz.

Existe um artista ou grupo de teatro que você acompanhe todos os trabalhos?
Elias Andreato e Mariana Lima.

Qual gênero teatral você mais aprecia? 

Todos. Recentemente, tive a oportunidade  de fazer uma tragédia, “Édipo”. E adorei. Mas acredito no supra-sumo da comédia. O drama, como Tchecov, acho o mais difícil. Apesar de que o Tchecov escreveu comédias tão geniais, que permitem as nuances.

Em qual lugar da plateia você gosta de sentar? Qual o pior lugar em que você já se sentou em um teatro?
Aprendi a me sentar no fundo e perto do corredor. Sei lá, é uma mania, tanto para teatro quanto para avião.O pior lugar foi com um ingresso barato em Nova York, para ver “A Delicate Balance”, do Edward Albee. Faltaram binóculos.

Existe peça ruim ou o encenador é que se equivocou? 
Existem peças ruins, claro,mas raramente são montadas. Elas não resistem a uma segunda leitura.

Como seria, onde se passaria e com quem seria o espetáculo dos seus sonhos? 
Seria algo pessoal e engraçado.Uma biografia teatralizada,com textos meus e do Felipe Sant’Ângelo, dirigido por Jô Soares,com um bailarino pra me acompanhar nos boleros, e aqui do lado de casa, no Teatro Eva Herz.

Cite um cenário surpreendente.
“A Gaivota”, de 1993, cenário de J. C. Serroni e direção de Francisco Medeiros, do qual participei.



Cite uma Iluminação surpreendente. 
Surpreendentes no sentido de impecáveis são as criadas pelo Jorge Takla, por exemplo, “Vermelho”, com os Fagundes (Antonio e Bruno).

Cite um ator que surpreendeu suas expectativas.
Bruno Fagundes.

O que não é teatro? 

Punheta. Mas se for em grupo…



A ideia de que tudo é válido na arte cabe no teatro? 
Tudo vale a pena se alma não é pequena e a pica é dura.

Na era da tecnologia, qual é o futuro do teatro? 
As pessoas pensam que participam, participam nada.O teatro voltará como na Grécia.Quando o mundo virtual saturar a humanidade, precisaremos das arenas.

Em sua biblioteca, não podem faltar quais peças de teatro?
Nelson Rodrigues e  Tchecov.

Cite um diretor (a), um autor (a) e um ator/atriz que você admira.
Denise Fraga, Irene Ravache, Maria Manoella, Juca de Oliveira e Norival Rizzo me inspiram pelo enorme talento e compromisso com o teatro; a diretora Regina Galdino e o autor Sérgio Roveri.

Qual o papel da sua vida?
O Vânia do “Tio Vânia”; o  Gali Gay, de “Um Homem é um Homem”, e “Myrna”, do Nelson Rodrigues. Mas sempre rezo pra que um physique du rôle não me encurrale em papéis neuróticos.

Uma pergunta para William Shakespeare, Nelson Rodrigues, Bertold Brecht ou algum outro autor ou personalidade teatral que você admire.
Para Shakespeare: “Ricardo III era gay,né?”; Para Nelson: “Myrna sou eu?”; Para Brecht:  “Por que suas peças, quando lidas, parecem difíceis, mas montadas são tão humanas, poéticas e deliciosas?”.



O teatro está vivo?
Vivo! Morrendo está a TV, entubada em merchandising, nostálgica de suas Gabrielas, com os mesmos Astros em repetidas Saramandaias. Uma droga que vicia como toda droga.