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Papo de Teatro com Dib Carneiro Neto

Publicado em: 03/12/2012 |

Dib Carneiro Neto é jornalista, dramaturgo e crítico de teatro

Como surgiu o seu amor pelo teatro?
Surgiu como surgiu meu amor pelas artes em geral – por um bom livro, uma pintura tocante, uma música marcante, um filme arrebatador e assim por diante. Mas especificamente o teatro, desde sempre, me faz pisar nas nuvens. E, não importa qual a montagem, adulta ou infantil, escrita por mim ou não, com elenco de amigos ou com desconhecidos, não importa – sempre ao som do terceiro sinal, me dá um frio na barriga, porque me sinto mergulhando no desconhecido, participando de um risco sem rede de proteção, um momento que é sempre único, porque é “ao vivo”.

Lembra da primeira peça a que assistiu? 
Claro que me lembro. E como! Eu era um pré-adolescente, na minha cidade, São José do Rio Preto, na metade dos anos 1970. Fui ver, no Theatro Municipal de lá, a Regina Duarte, a Yara Amaral e o Sérgio Mamberti fazendo “Réveillon”, do Flávio Márcio, dirigidos por Paulo José. Foi um choque maravilhoso! Um texto forte, um final impactante, os cenários ousados de Flávio Império e, o que me deixou fascinado, aqueles atores de televisão em registros de interpretação totalmente diferentes dos que eu costumava ver nas novelas. A Regina Duarte, namoradinha do Brasil, fazendo aquela suicida maluquinha, num tom de voz nada naturalista… Eu pensei, entre aflito e apaixonado: “Meu Deus, como o teatro faz isso com os atores? Se teatro é isso, eu quero isso pra sempre!”

Um espetáculo que mudou a sua vida foi… 

“Salmo 91”, escrito por mim, a partir do magnífico livro de Drauzio Varella, “Estação Carandiru”. Foi o espetáculo que me deu o Prêmio Shell de melhor autor em 2008. Ganhei o respeito e a admiração de grandes talentos que eu admiro e respeito. Além disso, pude ver o quanto o diretor Gabriel Villela e um grande elenco puderam fazer pelo meu texto, em termos de encenação brechtiana, baseada em simbologias e na força das palavras. Fiquei impressionadíssimo desde o primeiro ensaio.

Um espetáculo que mudou o seu modo de ver teatro foi…
Além do impacto de ver “Réveillon”, houve antes um infantil que me arrebatou pela descoberta. Também na minha cidade, São José do Rio Preto, no Teatro Municipal. Não me lembro do nome da peça, mas algo aconteceu relacionado à iluminação que causou em mim uma total epifania. A cidade estava sem luz, sem energia elétrica. Os atores anunciaram que fariam a peça mesmo assim. Eu estava adorando, adorando tudo. De repente, no meio da peça, fez-se a luz na cidade. Aí o iluminador entrou em ação. Quanta diferença! Eu fiquei maluco ao notar a diferença brutal que fazia ter a iluminação no palco, com nuances, tonalidades, sombras, tudo ajudando na dramaturgia, dialogando com os personagens. Foi um êxtase. Se eu tivesse visto toda a peça sem iluminação, eu já teria gostado. Mas, com luz, foi uma descoberta importante.

Cite um espetáculo do qual você gostaria de ter participado. E por quê? 
Adoraria ter escrito “Querida Mamãe”, de Maria Adelaide Amaral. Saí do teatro sem fala, pois tudo me tocou naquele embate afiadíssimo entre mãe e filha, naquele acerto de contas que me fez ficar dias com um bolo na boca do estômago. Forte em sua simplicidade e magnificamente bem escrito.

Qual dramaturgo brasileiro você mais admira? E estrangeiro?
Nelson Rodrigues e Anton Chekhov. Por motivos similares. Ambos dominam como poucos a difícil arte de rechear a mesma peça com muitos personagens, todos eles absolutamente indispensáveis, numa carpintaria de conflitos e ações construída com incrível habilidade. A voz plural de suas galerias de personagens faz toda a diferença nesses dois gênios da dramaturgia. Fico perplexo pela predominância no teatro contemporâneo de peças com, no máximo, dois atores no palco. Eu mesmo já escrevi peças para dois personagens apenas, por isso admiro Nelson e Chekhov, que retratam famílias inteiras, com vizinhos e agregados, e tudo funciona esplendorosamente bem.

Qual companhia brasileira você mais admira?
O mineiríssimo Grupo Galpão, que há 30 anos leva o nome do teatro brasileiro a todos os cantos do mundo. E, puxa, como sabem escolher textos e diretores… Tiro o chapéu sempre para essa companhia.

Qual gênero teatral você mais aprecia? 
O teatro para crianças exerce um forte magnetismo sobre mim. É um gênero dificílimo, que exige a prática de inteligências, o cultivo de sutilezas e, sobretudo, mergulhos de cabeça no reino da fantasia. Tenho orgulho de acompanhar esse gênero teatral na cidade de São Paulo desde a década de 1990 e constatar o quanto a qualidade dessas encenações atingiu picos de excelência inimagináveis.

Fale sobre o melhor e o pior espaço teatral que você já foi ou já trabalhou.
Não acho que espetáculos teatrais devam ser montados em casas de shows. Já vi alguns e considero uma opção inapropriada. Sentar em mesinhas, com garçons servindo bebidas, é um desrespeito ao público que ama teatro bem feito. Quanto a um espaço de que gosto muito, cito o teatro do Sesc Consolação, também chamado de Teatro Anchieta, em São Paulo. A plateia é compacta na medida certa, a disposição do palco faz com que todos os lugares sejam de ótima visibilidade e o foyer é muito simpático.

Existe peça ruim ou o encenador é que se equivocou?
Existem as duas coisas. Infelizmente. Já vi dramaturgias tão pífias e o diretor fazendo de tudo para tentar salvar o que não tem salvação. E já vi grandes textos virarem pó nas mãos de encenadores sem um pingo de talento e criatividade.

Já assistiu a alguma peça documentada em vídeo? O que acha do formato?
Sou a favor de se documentarem em forma de vídeo todas as peças de teatro. É claro que tudo se perde, nada fica com o real valor de uma peça que a gente vê acontecer à nossa frente, encenada cada dia de um jeito. Esse é o verdadeiro valor do teatro. Mas defendo as gravações/filmagens apenas como um jeito de proporcionar registros para as futuras gerações e como mecanismo possível para se manter uma memória do teatro brasileiro.

Cite um figurino surpreendente.
Todos os de Gabriel Villela. As tampinhas de refrigerante em “A Vida É Sonho”, os guarda-chuvas de “Romeu e Julieta”, os plásticos-bolha de “Vestido de Noiva”, as colchas de retalhos de “Crônica da Casa Assassinada”, as saias peruanas de “Hécuba”, o couro retrabalhado em “Macbeth”, enfim, inúmeros exemplos da criatividade sem limites deste explosivo artista mineiro.

Cite um cenário surpreendente.
Vários da Sutil Companhia de Teatro, de Felipe Hirsch. São sempre muito impactantes e quase todos de Daniela Thomas. Eu me lembro de “Avenida Dropsie”, “Temporada de Gripe”, “Os Solitários”, “A Vida é Cheia de Som e Fúria”, “O Avarento”, “Cinema”, “Não Sobre o Amor”…

Cite uma Iluminação surpreendente. 
Todas as do Teatro da Vertigem. Por realizar encenações em locais improváveis, como em hospitais desativados, igreja, prisão, na rua e até no leito de um rio, a iluminação desses espetáculos exige cuidados muito especiais e doses extras de inventividade. Fico sempre muito surpreso com o que esse grupo consegue “iluminar”.

Cite um ator que surpreendeu suas expectativas.
Thiago Lacerda
, em “Calígula”. Ele se entregava com tanta força e vigor, tanta vontade de acertar, tanto cuidado com as palavras, que eu me emocionei ao vê-lo conseguir tapar a boca dos preconceituosos, que pensam nele apenas como um galã de televisão.

O que não é teatro? 
Tentativas de pregar e ensinar didaticamente no palco, descuidando da qualidade artística e do poder de imaginação sem limites da arte. Teatro é teatro, sala de aula é sala de aula, palanque é palanque, tribuna é tribuna.

Que texto você foi ler depois de ter assistido à sua encenação? 
“Budro”, “O Acidente” e “Novas Diretrizes em Tempos de Paz”, as três de Bosco Brasil. Que autor é esse?!! Tenho muito o que aprender com ele.

Na era da tecnologia, qual é o futuro do teatro? 
Não descuidar da palavra. Não pensar que ‘efeitos especiais’ substituem um bom texto. Se autores, atores e encenadores sempre pensarem assim, então não haverá telão, projeção, fumacinha e explosão que não se harmonize com a dramaturgia. Tecnologia a favor, não contra o teatro.

Cite um diretor (a), um autor (a) e um ator/atriz que você admira.
Como todos já sabem, Gabriel Villela. Ele é um contador de “causos” como nenhum que conheço, no palco ou fora dele. Apaixonante. Sua imaginação não tem limites. Melhora tanto os fatos, ao reproduzi-los, que nos deixa rendidos à sua fantasia. Para ele, teatro é uma palavra plural por definição e uma arte que não admite outra forma que não a de se fazer em conjunto – mais do que isso: de se fazer em comunhão, em cumplicidade. Por isso, vê-lo criar em sintonia com os atores é um deslumbramento. Para mim, um aprendizado.

Cite um ator que você admira:
Denise Weinberg
. É uma camaleoa. Uma força da natureza. Já a vi fazendo santas, putas, mães, mulheres solitárias, dominadoras, doces, fracas e fortes, mulheres reais e mulheres idealizadas. Ela é sempre boa, sempre. Um nome do nosso panteão de grandes intérpretes brasileiros. 

Qual o papel da sua vida?
Talvez a personagem tio Vânia, de Chekhov. Sua melancolia, seu amor platônico, seu desencanto, seu vazio existencial, suas perdas, suas frustrações me comovem de forma irreversível e arrebatadora sempre, a cada nova montagem.

Uma pergunta para William Shakespeare, Nelson Rodrigues, Bertolt Brecht ou algum outro autor ou personalidade teatral que você admire.
Para Nelson Rodrigues, Shakespeare, Brecht, Chekhov e tantos outros geniais dramaturgos: “Ei, seu tipinho à toa, como é que você conseguiu captar tanto assim da alma humana?” (risos).

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