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Papo de Teatro com Annamaria Dias

Publicado em: 21/02/2011 |

Annamaria Dias é atriz, diretora e jornalista.

 

Como surgiu o seu amor pelo teatro?
Na família de minha mãe, Clorinda, existiam três atores profissionais: Olindo Dias, Dalva Dias e Olga Dias, de quem adotei o sobrenome artístico. E, desde criança, já participava como figurante de peças épicas que eles encenavam em pavilhões e teatros da época (década de 50):  “Sansão e Dalila”, “Sodoma e Gomorra”, “A Paixão de Cristo”. Com isso, desenvolvi interesse pela profissão, mas me formei em Química. Só depois de formada é que escolhi seguir a carreira artística. Em 1965, assinei meu primeiro contrato profissional com Nydia Licia, para fazer “O Outro André”. Eu era bem jovenzinha. 
 
 

Lembra da primeira peça que assistiu? Como foi?
Além das peças que eu assistia com meus tios, que depois passaram a atuar no TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), lembro-me que fiquei deslumbrada quando entrei pela primeira vez no Teatro Maria Della Costa. Meus pais me levaram para assistir a “Depois da Queda”, de Arthur Miller, em 1964, com Maria Della Costa e grande elenco. Fiquei maravilhada com o cenário, montado com praticáveis em vários níveis, onde se desenrolava a história de Marilyn Monroe.
Eu ainda era estudante e não havia ingressado na carreira artística.

 

Qual foi a última montagem que você viu?
Vou muito ao teatro. Hoje (19/09/2010), respondo que a peça mais recente que vi foi “Adorável Desgraçada”, de Leilah Assumpção, com a grande atriz e amiga Débora Duarte, no Teatro São Luiz, em São Paulo. Mais uma atuação excepcional de Débora. 
 
Um espetáculo que mudou o seu modo de ver o teatro.
Na verdade, nenhum especialmente. Vejo toda peça de teatro sempre de um modo bem parecido. Observando tudo, sentindo o texto, vendo todos os detalhes de produção, encenação, iluminação, figurinos, trilha sonora, direção e, principalmente, de interpretação. 
 
Um espetáculo que mudou a sua vida.
Fiquei muito sensibilizada com o espetáculo “Galileu, Galilei”, de Bertolt Brecht, montagem do Grupo Oficina, em 1968, protagonizada por Cláudio Corrêa Castro. Até hoje me lembro da frase que Galileu dizia, através da grande interpretação de Claudio Corrêa: “Deus está dentro de nós, ou em lugar algum”.                                                         
 

Você teve algum padrinho no teatro? Se sim, quem?
Tive grandes profissionais que me deram oportunidade de realizar bons trabalhos. Os melhores padrinhos que você pode ter na carreira chamam-se: disciplina, determinação, estudo, conhecimento e aprimoramento constantes. 
 
Já saiu no meio de um espetáculo? Por quê?
Jamais fiz ou farei isso. Mesmo que não goste, assisto até o fim, porque respeito e dou valor ao empenho com que se realiza um espetáculo. Sou conhecedora de todas as dificuldades de se montar uma peça teatral num País como o nosso, onde poucos recursos são destinados à Cultura, especialmente às produções teatrais.

 

Teatro ou cinema? Por quê?
Os dois, e além deles, também televisão, principalmente as produções realizadas na área de teledramaturgia, porque atuo, escrevo e dirijo para todos os três veículos de comunicação. 
 
Cite um espetáculo do qual você gostaria de ter participado. E por quê?
De “Hair”, de James Rado e Gerome Ragni, que foi encenado em 1969, em São Paulo, com a direção de Ademar Guerra e as atuações de Armando Bogus, Sônia Braga, Aracy Balabanian e grande elenco. “Hair” foi um musical marcante em minha vida e muito expressivo e significativo para a minha geração. Aliás, foi remontado recentemente por Charles Möeller e Claudio Botelho.

 

Já assistiu mais de uma vez a um mesmo espetáculo? E por quê?
Em geral, assisto a um espetáculo uma vez só.  Agora, quando tenho fazer alguma substituição como atriz em alguma peça que já esteja em cartaz, assisto algumas vezes e também gravo em vídeo, para ver e estudar mais detalhadamente.

 
Qual dramaturgo brasileiro você mais admira? E estrangeiro? Explique.
Existem vários e bons dramaturgos nacionais, mas reverencio particularmente a esses dois:  Nelson Rodrigues e Plínio Marcos, porque são dramaturgos que mergulham fundo no comportamento humano e, além disso, dão margem a grandes interpretações por meio dos extraordinários personagens que criaram. E suas peças são também obras instigantes e estimulantes para dirigir.
Dos estrangeiros, o que mais gosto, realmente é Tennessee Williams.

 

Qual companhia brasileira você mais admira?
Continuo admirando as montagens do Grupo Oficina. E também gosto bastante do trabalho dos Parlapatões, do Grupo Fofos em Cena, do Grupo Tapa e, mais recentemente, fiquei muito interessada nas realizações da BR116, Companhia Teatral de Bete Coelho, depois que assisti à peça “O Terceiro Sinal”, no Teatro Eva Herz.

 

Existe um grupo ou companhia de teatro que você acompanhe todos os trabalhos?
Não. Não consigo acompanhar todos os trabalhos de uma companhia, mas procuro ver suas principais realizações.

 

Qual gênero teatral você mais aprecia?
Sendo um bom espetáculo, não tenho gênero preferido. Até de besteirol eu gosto, se é bem feito.

 

Qual lugar da plateia você costuma sentar? Por quê? Qual o pior lugar em que você já se sentou em um teatro?
Gosto de sentar na quinta fileira, no meio da plateia. Lá, tenho uma visão melhor, de tudo. Não gosto de sentar nas poltronas das últimas fileiras,  nem  nas laterais ou balcão, acima da plateia.

 
Fale sobre o melhor e o pior espaço teatral que você já foi ou já trabalhou?
O melhor espaço teatral em que trabalhei foi no Teatro São Pedro, em Porto Alegre. O pior, foi no Teatro Augusta, em São Paulo, na época em que ainda não existia saída de emergência no fundo do palco, na área das coxias e dos camarins.

 

Já assistiu a alguma peça documentada em vídeo? O que acha do formato?
Só assisti em vídeo peças e musicais internacionais. Acho bem interessante o formato e uma maneira de divulgar mais o teatro. Aqui no Brasil já se tentou fazer isso sem muito sucesso. E seria preciso uma legislação rígida sobre direitos autorais. Mas, claro, ver em vídeo não se compara a assistir uma encenação ao vivo. 
 

Existe peça ruim ou o encenador é que se equivocou?
Às vezes uma peça é boa e o encenador é ruim, e o contrário também é verdadeiro, Agora, quando a peça e o encenador são ruins, não se salva nada! 
 
Como seria, onde se passaria e com quem seria o espetáculo dos seus sonhos?
Não tenho esse sonho em relação ao teatro. Sempre estou disposta a realizar um bom trabalho. Gosto, claro, de estar numa produção de qualidade em todos os sentidos. Agora, o meu sonho é trabalhar nos Estúdios da DreamWorks, com o Steven Spielberg.

 

Cite um cenário  surpreendente.
O cenário da peça “O Balcão”, de Jean Genet, sob a direção de Victor Garcia, no Teatro Ruth Escobar, na década de 60.

 

Cite uma iluminação surpreendente.
Gostei muito da iluminação de Luiz Päetow, para o espetáculo “Music Hall”, produção  da Companhia da Mentira, que  assisti no  Teatro Imprensa. 
 
Cite um ator que surpreendeu suas expectativas.
A atuação do ator Marcos Oliveira, no personagem do Caipira, na peça “O Colecionador de Crepúsculos”, de Wladimir Capella, no Teatro Frei Caneca. 
 
O que não é teatro? 
O que não se encena com paixão e com entrega!

 

Que texto você foi ler depois de ter assistido a sua encenação?
Nenhum. Em geral, quando há oportunidade, eu leio primeiro o texto e depois vou ver a encenação. Até para comparar a minha visão de espetáculo com a que foi montada.

 

A ideia de que tudo é válido na arte cabe no teatro?
Tudo é válido na arte desde que tenha conteúdo! Isso também se aplica ao teatro.

 

Na era da tecnologia, qual é o futuro do teatro?
Uma coisa nada tem a ver com a outra. O teatro sempre irá sobreviver porque é uma arte independente, forte e poderosa, mesmo sendo feito de forma artesanal.
Quanto à tecnologia, pode até valorizar ainda mais o teatro.  Operação de luz computadorizada, procedimentos tecnológicos para mutação de cenários, projeções de vídeos, computação gráfica, efeitos especiais, tudo pode enriquecer ainda mais uma montagem teatral. Tecnologia não ameaça a arte teatral, pelo contrário, pode somar e agregar benefícios.   
 
O teatro é uma ação política? Por quê?
O teatro deve ser uma arte livre de tendências sectárias, mas pode servir a várias causas, sem perder sua essência. 
 
Quando a estética se destaca mais do que o texto e os atores?
Quando o encenador é narcisista e egocêntrico e quer que seu trabalho esteja em primeiríssimo plano, em detrimento do trabalho dos outros profissionais, principalmente do dramaturgo e dos atores. A estética deve estar sempre presente, mas integrada ao fazer teatral, em seu todo.

 

Qual encenação lhe vem à memória agora? Alguma cena específica?
A encenação de “O Quarto de Giovanni” de Roberto Cordovani, que foi encenada no Teatro Brigadeiro. Muito bonita e estética, com pouquíssimos recursos, porém mágica e tocante.

 

Em sua biblioteca não podem faltar quais peças de teatro?
Todas as peças de Nelson Rodrigues. E as de Shakespeare, evidentemente.

 

Cite um diretor (a), um autor (a) e um ator/atriz que você admira.
Diretor: Iacov Hillel.
Autor: Bosco Brasil.
Ator: Wagner Moura
Atriz: Cláudia Abreu. 
 
Qual o papel da sua vida?
O que eu estiver fazendo no momento. 
 
Uma pergunta para William Shakespeare, Nelson Rodrigues, Bertold Brecht ou algum outro autor ou personalidade teatral que você admire.
Para Shakespeare: Tem idéia de quantas peças mais você teria escrito, se pudesse fazer uso de um computador em sua época?

 

O teatro está vivo?
Vivíssimo, e jamais morrerá! O teatro é uma arte imortal!