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Notas graves e ruídos agudos. Um texto de Dias Filho.

Publicado em: 27/09/2010 |

A ideia do Território Cultural é que ele propicie encontros com a comunidade do teatro expandida até a outra ponta, a do espectador crítico e cidadão. Assim, convidamos os aprendizes para transmitir e reproduzir seus sentimentos e pensamentos acerca do que estudam e realizam na Escola.

 

Afinal, nada melhor que conhecer a visão de quem está dentro dessa esfera e renova-se de forma cíclica com ela. Para inaugurar esse novo espaço, convidamos Dias Filho, aprendiz do Curso de Dramaturgia da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, para escrever sua impressão como artista e testemunha, durante sua participação no último Território Cultural, realizado no sábado (24).  As fotos são de Adalberto Lima, aprendiz de Direção. Agora, vamos trabalhar.

 
Por Dias Filho.
 
 
Notas graves, ruídos agudos, o instrumento utilizado além da sua função tonal e a coragem humilde de se admitir o inacabado e as dificuldades. Todas essas características permearam as criações dos artistas aprendizes do curso de Sonoplastia, realizadas com base no romance “Os Ratos”, de Dyonélio Machado, escrito em 1935.
 
 
Um fio de cheiro conduzido pelas notas que laçava, na fome do corruptor, o corrompido. A loucura: tudo lembra o leiteiro e a ofensa da cobrança “sou honesto, ora”; e uma infinitude de orações reversas de quem trabalha porque é digno de manter as posses do patronato.
 
 
Uma poesia concreta de sons que se levanta da poesia ríspida da prosa agonizada que, marchando em direção à vítima, o inspira para a queda. Toda delicada instância da matriarca em ininterruptas marchas da cruel leveza irônica de sua cobrança: “a criança precisa tomar leite todo dia” e o tumor tomando de assalto a inquietação do pai: “[…] pensa que é barato comprar leite todo dia?” A sobrecarga do polivalente inábil e a agonia do hip-hop em narrativa de um fôlego. A tensão da única nota contínua como a presença da neurose dos dias.
 
 
Toda essa carga contínua de informações ampliaram o conteúdo do texto em prosa elevando-o ao patamar das impregnações no público como uma “uma peste a ser curada por quem toma consciência de que existe algo a ser tratado”.
 
 
Mas essas palavras de Roberto Alvim em sua – muito bem feita – função de “disparador psíquico” de artistas trazem também uma inquietude: precisaremos mesmo tratar o público como pessoas incapazes de compreender e, melhor, apreender os elementos que lhes oferecemos em explicações e re-explicações? Não será esse público capaz?
 
 
Nas encenações dos textos de Pirandello e Buchner, realizadas por diversos aprendizes de vários cursos da SP Escola de Teatro, houve uma apropriação narrativa do espaço que muito somou nas pesquisas do elemento espacial no épico.
 
 
Contudo, questões surgiram-me quando da relação texto/encenação, especialmente em Buchner, pela dificultosa sucessão de imagens que ele oferece aos encenadores e atores. Perguntas tais como: para quem faço teatro? O que tem de haver no corpo do ator que o texto não consegue dizer? O que a escolha estética elege cuja voz do nosso tempo só ruída?
 
 
De qualquer maneira, o empreendimento de se assumir a responsabilidade daquilo de que se acredita, já é em si mesmo um fator de respeito.