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Naum Alves de Sousa fala sobre Alberto Guzik

Publicado em: 09/06/2011 |

No final de maio de 2008, Naum escreveu ao Alberto:

 

“66, meu querido Alberto! 66! E eu achava que não chegaria ao ano 2000! Como todo mundo, tinha certeza de que o mundo ia se acabar, como cantava Carmen Miranda. Depois de muita luta com o passado e a desordem de minha entrevista, tão cheia de “a gente”, “coisa” e outros vícios de linguagem, enfrentei o texto, fiz cortes nas minhas repetições, absolvi um pouco meu pobre pai e dei um pouco de ordem na desordem.
Para atualizarmos, você gostaria de perguntar ou sugerir mais alguma coisa? Só não me pergunte sobre Cláudia Jimenez!
Você sabia que Carlinhos Moreno está organizando uma grande e bela exposição sobre o Pod Minoga que vai ser aberta no final de junho no Sesc Pompeia? Há anos ele batalha por isso. Hoje vi uma parte do material. Eu tinha longos cabelos negros!”

 

Em 2 de junho de 2008, Alberto Guzik escreveu:

 

“Naum, amado, desculpe-me por pressioná-lo, mas escrevo para lembrar que combinei com o povo da Imprensa Oficial entregar o texto até o próximo dia 15.
Queria de coração te desejar feliz aniversário, que recém-passou. Estou ficando gagá. A cada ano, consigo esquecer mais coisas.
Mas meu amor por você continua intacto e forte como sempre foi.
Grande beijo,
Alberto”

 

Saudade do Alberto, muita saudade. Não entendo até hoje por que foi embora tão cedo. Nos falamos por telefone uns quinze dias antes e fiquei espantado com a vitalidade de sua voz. Eu estava muito gripado e evitei ir ao hospital. Uma coisa me deixou preocupado – quando perguntei se ele estava cercado de livros e acompanhado do computador, ele respondeu: “Aqui não é lugar para isso, estou aproveitando o tempo para pensar.” Não sei se falou o mesmo a outros amigos.
Ele foi um dos meus primeiros amigos de São Paulo, no começo da década de 60.
Vi Alberto no palco dirigido por Celso Nunes. Era “O Processo” ou “A Metamorfose”?
 

A partir dali, ficamos amigos e, em muitos períodos, inseparáveis. Me levou ao teatro, ao bom cinema, às atividades artísticas paulistanas. Alberto, culto, muito me ensinou sem perceber. Por intermédio dele vim a conhecer Celso Curi, Leda Senise, João Cândido Galvão, Isaac Farc e tanta gente mais.
Brigamos uma única vez – eu briguei com ele – por causa da crítica que escreveu no Jornal da Tarde sobre minha peça “Nijinsky”. Algum tempo depois, voltamos nossa amizade, mas eu, orgulhoso ou envergonhado, nunca pedi desculpas. Ele estava coberto de razão, mas, na época e no calor incômodo de uma estreia, eu não engoli a verdade do pensamento dele.
 

Acho que foi nos anos 70 que ele foi para São Francisco passar uma temporada com o Galizia e se encantou com a cidade e o movimento que por lá ocorria, tão diferente do nosso tímido Brasil. E olhe que nos considerávamos avançados, vanguardistas. Eu também fui para lá logo depois, mas me assustei, pois minha caipirice pirajuiense e presbiteriana não conseguiram acompanhar aquilo que me pareceu tão louco. Alberto, superior, sempre aberto para o mundo, não queria mais voltar. Sua família ficou desesperada e procurou os amigos para convencê-lo. Cartas, telefonemas, súplicas. Ele voltou, mas hoje acho que só conseguimos contrariar, encher o saco e dobrar o Alberto. Se arrependimento matasse…
 

Ano passado, recebi uma espécie de carta aberta escrita por Sérgio Zlotnic, um de seus sobrinhos. Um texto bonito, triste, humano e familiar. Uma visão de quem contemplou a vida do Alberto de outro jeito.
 

Fui um dos privilegiados a ler os originais de seu primeiro e belo romance. Como gostei daquelas páginas tão bem escritas, como me senti importante com a solicitação de um escritor “de verdade”! Havíamos, nós, seus amigos, acompanhado a verdadeira história romanceada no livro e eu pensava: “Como deve ter sido duro escrever sobre assunto tão doloroso.” Deve ter havido dor e prazer, pois Alberto tinha enfrentado os fatos reais com uma dignidade e um amor que só as grandes almas possuem.
 

Certas palavras andam tão gastas que até dá medo de usá-las. Paixão é uma delas, mas não consigo encontrar outra para explicar o que sempre existiu dentro dele. Eufórico ou vivenciando momentos difíceis, nunca o vi abatido.
 

Alberto trabalhava com fúria. Amou o teatro – amou mesmo –, as artes, as pessoas e os seus gatos. Com ele aprendi a gostar dos felinos que sempre me lembrarão do Alberto, do querido Alberto.
Passamos quase quatro anos dedicados ao livro da Coleção Aplauso e foram tantas idas e vindas que pensamos que nunca seria publicado. Tive momentos de desânimo, mas ele não deu o braço a torcer. Um dia saiu, junto com um volume de peças dele.
 

A ele, pedi para escrever o prefácio da importante edição de minhas peças em Coimbra, em 2005; a ele pedi que cuidasse da longa entrevista para a Coleção Aplauso; a ele ainda pediria muitas coisas.
Acho que Alberto conseguiu ter prazer em quase tudo que fez. Quando me contou que estava voltando aos palcos como ator, com os Satyros, senti imensa felicidade. Muitos que o acompanharam nesse período devem sentir o mesmo que eu.
 

Sinto um enorme conforto por ter sido acompanhado por alguém como Alberto.