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Mistério Engraçado

Publicado em: 17/04/2012 |

Contos bíblicos, humor e música. A princípio, esses três elementos não possuem nada em comum. No entanto, todos eles se juntam no palco para dar vida à peça “Mistero Buffo”, de Dario Fo, com direção de Neyde Veneziano. Os atores que formam o elenco são Domingos Montagner e Fernando Sampaio, do grupo LaMínima.

 

Ao lado de Montagner e Sampaio, que dividem o palco há 15 anos, o ator e multi-instrumentista Fernando Paz passa o espetáculo inteiro portando um trompete, uma viola caipira, um cavaquinho e um serrote.

 

Em português, o título do espetáculo significa “mistério engraçado”, e, fazendo jus ao nome, reúne quatro histórias inspiradas em passagens bíbilicas, contadas com gírias, dialetos e linguagem circense, uma crítica à espetacularização da fé. São elas: “A Ressureição de Lázaro”, “O Cego e o Paralítico”, “O Louco e a Morte” e “O Louco aos Pés da Cruz”.

 

A ideia desta montagem surgiu de uma conversa entre Neyde e Montagner. “Conheci Domingos em 2009, quando eu dirigia ‘Um Dia (Quase) Igual aos Outros’, com Débora Duboc. Na ocasião, ele fazia a preparação circense dos atores. Durante nossas conversas, ele expressou sua profunda admiração por Dario Fo e eu lhe mostrei o meu livro. Foi ali que nasceu a ideia de fazermos um trabalho juntos”, e completa: “Também com a proximidade do Momento Itália/Brasil (MIB), o que era sonho foi tomando forma”.

 

A montagem, que ficará em cartaz até 3 de junho, no Teatro do Sesi, em São Paulo, faz parte das comemorações do Momento Itália-Brasil (MIB), um projeto idealizado pela Embaixada da Itália em Brasília, em parceria com os Institutos Italianos de Cultura do Rio de Janeiro e São Paulo, bem como os consulados italianos no território brasileiro, para celebrar a história e a boa relação entre os dois povos.

 

Neyde comenta, ainda, quais pontos lhe chamam a atenção na dramaturgia de Dario Fo. O primeiro deles é o fato de que suas comédias não existem simplesmente para divertir. “Elas têm uma tragédia por trás, um discurso social extremamente importante e uma grande valorização dos indivíduos excluídos: desde os atores populares até loucos, bêbados, deficientes, miseráveis e desempregados. Dario não trata de heróis nem de encontros e desencontros de casais burgueses. Ele trata de temas atuais e conflitantes.”

 

A diretora também admira o lado pesquisador do dramaturgo. “‘Mistero Buffo’ trás uma pesquisa – que no Brasil era quase desconhecida – sobre os jograis da Idade Média. Em geral, estuda-se o teatro grego, passa-se ligeiramente pelo período medieval com seus gêneros sacro-profanos e saltamos para a commedia dell´arte. Além do mais, as estruturas dramatúrgicas de Dario são perfeitas.”

 

Sobre o fato de a peça utilizar o cômico para falar de passagens bíblicas, Neyde diz que não acredita que haja resistência do público brasileiro. “A Itália é um país muito mais católico do que o nosso, pois o Vaticano está lá, próximo a eles. Mesmo assim, Dario, lá, é idolatrado. No Brasil, há uma pluralidade de religiões. Não tivemos problemas até agora.” 

 

Para reforçar seu argumento ela ainda cita um escrito do historiador francês Georges Minois: “Praticar uma leitura irônica da Bíblia é provocar o texto, questioná-lo, confrontá-lo com as interrogações atuais –é fazê-lo viver. Cada vez mais os crentes têm consciência disso: tomar liberdades humorísticas com a Escritura é uma maneira moderna de viver a existência de um Deus ao mesmo tempo presente e ausente. A fé, atualmente, deve ser humorística, com toda a leveza que isso implica, ou tornar-se sectária. O riso transformou-se, no domínio religioso, em fogo purificador. Em contato com ele, a fé insegura morre; a fé sem inteligência torna-se seriedade sectária e fanática”.

 

 

Serviço

“Mistero Buffo”

Quando: Quintas, sextas e sábados, às 20h30, aos domingos, às 20h. Até 3/6

Onde: Teatro do Sesi

Av. Paulista, 1.313 – Cerqueira César

Tel.: (11) 3146-7405 / 7406 ou (11) 4003-5588

Ingressos: Entrada franca (às quintas e sextas-feiras); R$10 (aos sábados); R$5 (aos domingos)

 

 

Texto: Jéssika Lopes