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Maria Alice Vergueiro por Danilo Grangheia

Publicado em: 29/03/2012 |

Não diria que Maria são muitas. Maria é única. Maria Alice Vergueiro, a musa dos calabouços teatrais, a dama do underground, a velha dama indigna ou qualquer outro nome que tente mensurar o talento dessa grande mulher do teatro. E, se me pedem um depoimento sobre tamanha grandeza, eu paraliso perante o divino, mas, insistente, formulo e (re)formulo, ensaio mil palavras para me aproximar de algo que só a experiência pode revelar.

 

Talvez, diria o que vi ou inventaria o que não vi. Afinal, são tantas histórias. 

 

Inventaria sobre a Maria acadêmica e sua pedagogia, inventaria a atriz que inicia numa mandrágora de noite fria, inventaria peripécias e criações no Teatro Oficina e suas deliciosas parcerias, de Zé Celso, Luís Antonio e depois Galízia, e ai de quem ousar conspurcar o ritual e o sentido da antropofagia. Inventaria a mulher e mãe, Ave Maria! Inventaria uma mãe “Maria” coragem e seus filhos, inventaria a boca de uma Maria que vomita palavras ao vento, inventaria uma Maria que ri pelos cotovelos. Poderia, até, inventar um casamento de Maria com Beckett, de Maria com Lorca, de Maria com Brecht, e dançar até rasgar a alma e a pele com a sua Canção do Lírio do Inferno. 

 

Maria vai bem com tudo, mas Maria não vai com as outras. Maria respeita as suas vísceras e não violenta a sua natureza, faz o que lhe dá na telha com propriedade e clareza como quem faz da arte sua única certeza. 

 

E não para por aqui. A prospecção de Maria, hoje, torna o seu passado vivo e o futuro a questão, o bônus e a utopia. Eu inventaria algumas mais de Maria ou diria da experiência de se estar em cena com essa força da natureza, mas, agora, que me resta findar o depoimento, eu, simplesmente, diria, num breve episódio, o que também me cheira a Maria.

 

Durante a temporada das “Três Velhas”, e juntamente com a nossa velha Melissa, o querido Luciano Chirolli, parceiro de alma de Maria, testemunhou o que poucos acreditariam. Maria é levada em sua cadeira de rodas em direção ao palco e, para a nossa imensa surpresa, não havia acesso para cadeirantes, e sim um lance de escadas, que só de olhar cansava o espírito. Maria mira a escada e, como num milagre, levanta de sua cadeira de rodas, aos 78 anos de idade, e senta de bunda no chão subindo a escada, degrau por degrau. De quinta a domingo, e sem espaço para fadiga ou auto-piedade. Existe, aí, uma convicção, uma verdade inspiradora.

 

Digo isso, e não mais invento, porque acho importante dizer. Maria também é resistência. É re-existência.

 

 

Danilo Grangheia é ator

 

Veja o verbete de Maria Alice Vergueiro na Teatropédia.

 

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