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Maria Adelaide Amaral
por Tuna Dwek

Publicado em: 31/05/2012 |

Se parece algo fácil escrever sobre uma pessoa tão próxima e tão querida amiga quanto Maria Adelaide Amaral, que se dissipe a certeza. Selecionar o que dizer, não ceder à subjetividade mais imediata e tentar manter o coração quase que isento para redigir o texto foi tarefa árdua e, por isso, tomou-me longo tempo para finalizar a escrita, como se jamais tivesse redigido sua inspiradora biografia. Uma mulher que não dissocia a arte da práxis, para quem a obra dramatúrgica é o testemunho de uma época.

Amor, política, coragem, encontros, separações, desagregação familiar, ditadura militar, reencontros, exílio, paixão, religiosidade, repressão, resistência, relações entre pais e filhos, mãe e filha, conflitos e pacificações, relações amorosas e suas mais diversas manifestações, amizade, em suma, vida: matéria-prima de sua obra, tão fértil quanto o seu desejo de ir adiante, levando a seus leitores e espectadores o binômio reflexão/emoção, jamais excludentes na obra dessa autora de generosas proporções, com quem me comove conviver, há mais de três décadas, e vestir personagens de suas obras no palco e na TV.

Generosa e íntegra é, pois, essa mulher, nascida em Portugal, menina ainda, conquistando corações brasileiros, com sua inteligência, sensibilidade e graça. A menina, que lia os livros emprestados dos vizinhos e que superou as dificuldades, foi adolescente rebelde. Desistiu de ser atriz, era maníaca por cinema e entrou no curso de Ciências Sociais da emblemática Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP – a Maria Antônia, durante o período político mais feroz do País –; ela amava mesmo a literatura e o teatro.

Dedicou muitos anos ao jornalismo e à pesquisa em História e Teatro na Editora Abril, onde criou sólidos elos de amizade, preciosidade máxima em sua vida, assim como os filhos e os netos, a quem  transmite os pilares de sua essência: lealdade, ética e transparência.

A sinceridade de Maria Adelaide é exemplar; diz o que sente, escreve sobre o que acredita, une pensamento e ação. Seja em teatro, televisão, literatura ou cinema, sua linguagem, ao mesmo tempo concisa, certeira e poética, tem inspirado atores de todas as gerações, diretores, jovens autores, roteiristas, espectadores e leitores.

Vigorosa, não se esquiva quando tem de marcar sua posição, seja em conversas informais, como em questões profissionais. Com Maria Adelaide, sabe-se sempre onde se pisa, sua clareza de propósitos se mescla à sua sensível flexibilidade e à lealdade com os amigos. Não por acaso, sua obra, seja o tema que abordar, é permeada pelo sentimento sólido da amizade.

Boa ouvinte, apreende o material humano com delicadeza para o envolvente amálgama de sua dramaturgia. Aprecia quem não tem medo do trabalho e não nutre paciência com quem acha que sabe muito, pois a vida é para ela constante aprendizado e busca, um exercício de amor e gratidão, sem se amargurar com o tanto de dureza que se vive nesse mundo. Ao abrir a janela todas as manhãs, agradece por mais um dia. Assim como nós, seus amigos, agradecemos por tê-la em nossa existência.

Pouco afeita a salamaleques e ao deslumbramento de fama e poder, como tanto atualmente se observa, é a autora, desde 1975, de textos como “A Resistência”, que disseca os efeitos da demissão em massa de jornalistas de uma redação; “Bodas de Papel”, sobre o desemprego entre executivos; “De Braços Abertos”, arrebatadora história de amor que atravessa décadas; “Ossos d´Ofício”, sobre personagens reunidas num arquivo morto; “Chiquinha Gonzaga”, biografia da extraordinária compositora e musicista brasileira; “Seja o que Deus Quiser”, “Para Tão Longo Amor”, “Querida Mamãe”, “Intensa Magia”, “Para Sempre”, “Inseparáveis”, “Tarsila”, “Mademoiselle Chanel”, entre várias adaptações, como “As Meninas”, de Lygia Fagundes Telles, da qual tive a alegria de participar.

Além disso, fez traduções, como “Seis Graus de Separação”, de John Guare, em que também tive a honra de atuar; “A Última Gravação de Krapp”, de Beckett, “Kean”; de Jean-Paul-Sartre, entre outras, e a biografia “Dercy de Cabo a Rabo”. Foi coautora de novelas como “Meu Bem, Meu Mal”, “Deus nos Acuda”, “O Mapa da Mina”, “Sonho Meu”, “A Próxima Vítima”, e autora de “Anjo Mau” e “Ti Ti Ti”, do seriado “Mulher”, das minisséries “A Muralha”, “Os Maias”, “A Casa das Sete Mulheres” (com Walther Negrão), “Um Só Coração” e “JK” (ambas com Alcides Nogueira), “Queridos Amigos”, “Dalva e Herivelto” e “Dercy de Verdade”.

Maria Adelaide respeita e ama os seus atores. O cuidado que tem ao escrever para a embocadura do ator, tornando crível um vocabulário muitas vezes poético, clássico ou distante do cotidiano, é a maior prova de sua atenção milimétrica com o que compõe e sem concessões. Posso dizer que, tendo atuado em três minisséries, duas peças e uma novela de sua autoria, comprovei seu compromisso com a verdade da expressão humana e as matizes de sua grandeza e sua mesquinharia, unindo o que se vive ao que se vê. Para ela, há sempre a esperança de uma redenção.

Centenas de atores, diretores e técnicos de várias gerações têm se dedicado às obras de uma de nossas grandes dramaturgas. Maria Adelaide aprecia a dedicação, a perseverança e a compreensão profunda da seriedade de nosso ofício. O sucesso imediato, desejado por alguns, é algo a que a autora não cede um minuto sequer; ela já aconselha a estudar, trabalhar, se aprimorar e adquirir uma história de vida a ser contada, porque o que mais apreciam seus ouvidos são as histórias que se pode compartilhar, o que foi sentido e o que foi e é vivido.

Entre muitas homenagens, ganhou mais de duas dezenas de prêmios, entre vários Molière, Shell, APCA, Mambembe, Sharp, o reconhecimento da União Brasileira dos Escritores (UBE) e Troféu Jabuti, mas jamais repousou sobre os louros, como se diz.

Incansável, Maria Adelaide Amaral segue criando suas personagens para deleite de sua plateia, fazendo jus ao título de sua biografia, “A Emoção Libertária” (título da Coleção Aplauso, escrito pela própria Tuna Dwek).

 

 

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