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Marcelo Marchioro por Celina Alvetti

Publicado em: 30/03/2012 |

Um depoimento é sempre um retrato em fragmentos visto pelo olhar de quem busca reconstruir a memória de alguém. Como uma construção, é feito de retalhos de imagens e não diz, necessariamente, a verdade, mas faz um mergulho carinhoso no universo criativo de alguém. Dar um depoimento sobre Marcelo Marchioro implica pensar outros tempos e muitos nomes. Significa também ele, o texto, uma encenação, porque é feita de lembranças. Matéria de memória, o tempo, esquecimento. Mas, se não há tempo, que tempo não há, vamos a cinco constatações breves e inventadas:

 

1. Todo teatro é revelador e algumas experiências são mais apaixonantes do que outras.  O Projeto Shakespeare, no inicio dos anos 1990, começou com uma oficina com mais de 100 jovens e gerou três montagens: “Hamlet” e “Sonho de uma Noite de Verão”, esta com duas versões, sendo uma para crianças. “Sonho” é, de certo modo, um espetáculo não peculiar à carreira de Marcelo – assume tons mais suaves, coloridos, busca maior agilidade e leveza na dinâmica das personagens em cena.  Em “Hamlet” (1992), se vê o diretor que já aparecera em “As Bruxas de Salém”, de Arthur Miller, em 1990, e, antes, em “Eu, Feuerbach” (1988), de Tankred Dorst, por exemplo. 

 

 

2. A lama é líquida, mas não evapora no ar. Em “Hamlet”, os cenários de Tony Silveira eram feitos de sucata e lama. A partir da concepção de Marcelo, chegou-se a esses materiais, que tornariam mais palpável a ideia de mostrar a podridão nos reinos, a começar pelos do nosso tempo. Aí, não interessava isentar, inclusive, as relações humanas, frágeis. É o mal estar da modernidade,  que aparece no homem em dúvida, porém, consciente na própria covardia. 

 

 

3. O medo é líquido, mas a intolerância não é. Com “As Bruxas de Salém”, é possível pensar um diretor que expõe sua visão de mundo de modo mais claro e contundente. Pensar o passado para falar do presente, entendendo o homem como um ser político e o palco uma caixa de Pandora.

 

 

4. Todo encenador tem um processo doloroso de prazer ao enfrentar os seus sonhos: “Do Outro Lado da Paixão”, a partir de Lewis Carroll, em 1987, e “Nenúfar”, de Boris Vian, em 1989. Ou, parte 2: todo encenador tem um processo prazeroso de sofrer por conta dos pesadelos que escolhe.

 

 

5. O percurso do encenador não é solitário, e sim repleto de encontros e passagens. Como apagar os inesquecíveis encontros entre Marcelo e Zé Maria Santos (“Allegro Desbum”, em 1985, de Oduvaldo Vianna Filho), Marcelo e Raul Cruz (“O Fazedor de Teatro”, em 1992, de Thomas Bernhard), Marcelo e Mario Schoemberger (“Lulu”, uma dupla tragédia de 1996, de Frank Wedekind), parceria constante de tantas noites de tanto riso?  Diante da ausência definitiva deles, entre as perdas faz-se a história de Marcelo. É por ela que acontecem encontros em lugares mágicos, como os teatros. E como os restaurantes e bares da vida, entre suspiros, gargalhadas e vinhos. 

 

 

Celina Alvetti é jornalista e professora.

 

Veja o verbete de Marcelo Marchioro na Teatropédia.

 

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