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Lilia Cabral por Analu Ribeiro

Publicado em: 11/07/2013 |

*Apresentação do livro “Lilia Cabral – descobrindo Lilia Cabral”, de Analu Ribeiro, para a Coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, lançado em 2007 (leia aqui a obra, na íntegra)

De olhos bem vermelhos

Lilia Cabral entrou na minha vida com a peça “Feliz Ano Velho”, que virou uma obsessão maluca que durou praticamente toda a (longa e incrível) carreira do espetáculo. Eu e meus grandes amigos daquela época (1983 em diante), a Paula e o Dênis, além da minha irmã, Teté, transformamos o “Feliz Ano Velho”, seus atores e os teatros em que eles se apresentavam (primeiro o Centro Cultural São Paulo, depois o Auditório Augusta, hoje Teatro Augusta, o João Caetano e o Sérgio Cardoso, só para citar alguns), no nosso ponto de encontro. Tanto a gente vivia por ali que até uma banquinha que vendia os produtos da peça (programa, camiseta, o livro do Marcelo Paiva) eu toquei. Logo eu, que sou absolutamente analfabeta em matemática!
 
Mas é que, contanto que estivéssemos por perto, valia tudo. Foi uma loucura adolescente que nos divertiu, nos ensinou, gerou várias brigas familiares, mas não causou nenhum dano permanente.  Muito pelo contrário. Foi um prazer gigante acompanhar aqueles jovens atores em seu primeiro grande sucesso e vê-los se transformar em nomes importantes da dramaturgia nacional.

A Lilia foi um dos que nunca mais voltaram da temporada da peça no Rio de Janeiro. Ali mesmo a Globo a capturou para sempre. Logo ela que era a mais divertida, carinhosa e generosa no trato com os cativas, como a gente era chamado – porque tínhamos cadeira cativa na plateia. Ela nos levava pra lá e pra cá, nos apresentava a seus amigos, nos incentivava a ir ao teatro e nos deu passe-livre também para o infantil que ela fazia, “O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá”, que era uma fofura de espetáculo. Depois do Rio, tivemos de nos contentar em acompanhar a carreira dela pela televisão. E em tocar a nossa vida.

Nunca deixamos de ser amigos e as lembranças do “Feliz Ano Velho” até hoje fazem parte das nossas conversas. Então, no dia 22 de setembro de 2005 – mais de 20 anos depois, porém – a Lilia nos deu de presente a noite mais emocionante da nossa vida de tietes.
 
Era a estreia em São Paulo do espetáculo “Divã”, no Teatro Faap. Alguém fez chegar a mim quatro ingressos para a primeira fila e, é claro que nós comparecemos excitadíssimos. A peça correu bem, já indicando o sucesso da temporada paulistana do “Divã”, até o final. Na hora dos aplausos, Lilia começou a chorar compulsivamente. Às vezes parecia que ia parar, ela tentava dizer alguma coisa e abria o buê de novo. A plateia aplaudia mais. Nós quatro, que não a víamos há muitos e muitos anos, tentávamos encontrar explicação:

“Acho que ela está chorando porque a mãe dela morreu”, eu pensei, lembrando de ter lido essa notícia em algum lugar. “Acho que está emocionada por estar de volta a São Paulo”, apostou a Teté. O impasse durou longos minutos até que ela finalmente fechou a torneira e veio com essa:

“Me desculpem, eu quase não consegui fazer o espetáculo esta noite. É que quando eu fazia ‘Feliz Ano Velho’, lá no começo da minha carreira, tinha quatro adolescentes que iam ao teatro todas as noites. Hoje eu quase tive um treco quando vi as carinhas deles aqui na primeira fila”.

Bem, é claro que aí foi a nossa vez de abrir o berreiro. Quando nos encontramos no coquetel, depois, estávamos todos de olhos bem vermelhos. Temos essa foto para lembrar para sempre daquela noite. Não que fosse possível esquecê-la.

Obrigada, Lilia.