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João Fonseca por Rodrigo Nogueira

Publicado em: 30/03/2012 |

Eu me lembro quando era criança que, nos fins de semana, via minha mãe se empanturrar de doce (tá bom, mãe, empanturrar é exagero) e depois, um pouco incomodada com a comilança, dizia prolongando as vogais: “nossa, agora eu vou tomar um chá…”. Eu ria daquilo. E detestava chá. O tempo passou, eu aprendi francês, operei a miopia, deixei de ser virgem, passei a comer peixe e há uns dois meses eu me empaturrei de doce num fim de semana e depois, um pouco incomodado com a comilança eu disse: “nossa, agora eu vou tomar um chá”. Tudo bem que eu não prolonguei as vogais, mas naquele momento eu percebi que eu me tornei um pouquinho da minha mãe. Não só no chá, mas na maneira de ver o mundo. E fui invadido por uma espécie de felicidade física. Sentindo no corpo que eu ainda era eu mesmo, mas esse mesmo eu se construiu em cima de uma pessoa que eu acho bonita pro mundo. 

 

Eu estou escrevendo esse texto depois de ter voltado do ensaio da peça que estou dirigindo. É minha terceira direção. Sou muito garoto nisso, tenho um catatau de coisa pra aprender. Mas hoje à noite, agorinha há pouco, eu senti uma coisa muito parecida com aquela felicidade física da história da minha mãe enjoada. Foi quando, no meio do olho do furacão, depois de uma sessão de fotos caótica por conta de uma chuva, antes de começar um ensaio pedreira, baixou em mim uma paz palpável. 

 

Eu fiquei tranquilo, sereno e muito calmo. (Qualquer um que passa 10 minutos com esse hiperativo que vos escreve percebe que eu não sou tranquilo, nem sereno, nem calmo.) O fato é que a minha velocidade típica desacelerou. E eu me vi, calmamente, perguntando aos atores reunidos em círculo: “alguém tá precisando de alguma coisa? como estão as coisas pra vocês? tá tudo bem com todo mundo?”. Era uma paz palpável. Mas uma paz que não era minha. Ela tem dono. E ele é o João Fonseca.

 

Eu me vi fazendo exatamente o que o João faz com os atores dele. E nesse momento, a exemplo do que aconteceu com a minha mãe, eu vi que o meu eu se construiu, mais uma vez, em cima de uma pessoa que eu acho bonita pro mundo. E bonita pra Arte. Porque é isso que o João é. Uma pessoa bonita pro mundo e pra arte. Alguém que não só te ensina a fazer teatro, mas a viver. Seja na forma de dirigir um ator ou na maneira de conversar com um amigo. Ou num dos espetáculos cheios de verdade que ele monta sobre os palcos. Ainda bem que eu consegui ser um pouquinho disso tudo. Por causa dele e dessa paz palpável que é só dele, eu e milhares de espectadores que assistiram às suas peças puderam ser tornar pessoas melhores.

 

 

Veja os verbetes de João Fonseca e Rodrigo Nogueira na Teatropédia.

 

 

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