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Infância Revisitada

Publicado em: 14/10/2010 |

“Cheiro de mato, fruto do jardim, pôr do Sol na roça, rir como criança (…)”, esses pequenos trechos do poema “Desejos”, de Carlos Drummond de Andrade, lembram os elementos da infância de Marisa Pereira da Silva, aprendiz do Curso de Humor da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco.

 

Essa aprendiz, assim como todos os outros de sua turma, enfrentou o desafio proposto pela formadora Bete Dorgam e mergulhou em suas mais profundas memórias da infância para fazer uma instalação  com esse tema em uma sala de aula da Escola. Valia tudo, mas o que importava era a imaginação e o improvisação.

 

“Eu não tive muitos brinquedos e todas as fotografias que existiam na minha casa se deterioraram com o tempo e a umidade do local, por isso resolvi trazer meu quintal até aqui”, explica Marisa. Para isso, ela recorreu a folhas secas, pouca iluminação, cortinas repletas de nomes de famosas brincadeiras infantis, como pega-pega, elefante colorido, cada macaco no seu galho e mamãe polenta.

 

Marisa, que nasceu na cidade de Santos, mudou-se, aos cinco anos de idade, para Ribeirão Pires, município do Estado de São Paulo, que integra a região do Grande ABC. A cidade, que antes se chamava Caaguaçu (“mata grande” ou “mata virgem” em tupi), foi usada como passagem obrigatória àqueles que vinham da região portuária de Santos e pretendiam chegar aos campos de Piratininga (em tupi, “peixe seco”). A partir de 1558, o território do atual município de Ribeirão Pires foi incorporado a São Paulo de Piratininga, formando uma vasta área territorial.

 

Para fazer a cenografia, a aprendiz emprestou alguns arbustos e pendentes utilizados para o espetáculo “Sonho de uma Noite de Verão”, encenado no Teatro Municipal da pequena cidade, onde realizou seu primeiro trabalho, cresceu e até se tornou professora. “Eu também trouxe folhas frescas, mamona e chuchu. Eu adorava brincar de guerra de mamona e colher chuchu no mato. Fiquei muito feliz quando meus colegas entraram na brincadeira e começaram a jogar as mamonas, uns nos outros”, revela a aprendiz.

 

A atividade, inicialmente individual, abriu espaço para o trabalho em equipe, no caso da montagem de Marisa, quando agregou ao processo aprendizes do curso de Sonoplastia e Iluminação.

 

Foi mais de um mês de trabalho e estudo com Janis Narevicius dos Santos, que compilou sons da natureza, como chuva, cavalgadas, latidos e ventania, e os mixou com cantigas de roda, como “Ciranda Cirandinha” e “Escravos de Jó”. E também com o aprendiz do curso de Iluminação, David Felipe da Silva, que fez todo o mapa de luz e instalação de holofotes com gelatinas verdes. A ideia era levar um pouco dos sons que Marisa ouvia quando pequena e que foram trilha sonora da sua infância e atribuir à instalação uma iluminação que se assemelhasse ao pôr do Sol entre as árvores.

 

Segundo Marisa, a atividade a fez relembrar de muitas personagens de sua infância, como o cheiro do mato, os animais, as frutas que comia, os legumes que iam florescer, as flores, os brinquedos, a umidade e a sombra das árvores do quintal em que passou as tardes na pequena cidade do interior paulista. “Foi um momento de nostalgia”, confidencia.

 

Como interpretar e representar uma fase da sua infância? Entre assovios de pássaros, barulho de chuva, sons da mata, cheiros de jardim, mamonas e chuchus, Marisa Pereira, desvendou esse segredo com sucesso.