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Ewerton de Castro por Reni Chaves Cardoso

Publicado em: 09/05/2013 |

*Introdução do livro “Minha Vida na Arte: Memória e Poética”, lançado em 2009 pela Coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (para ler a obra, na íntegra, clique aqui)



Uma Nota Introdutória a Meia Voz

Quando conheci Ewerton de Castro em São José do Rio Preto, há muitos e muitos anos, éramos adolescentes e tínhamos uma paixão comum: o teatro.

Mas não era só o teatro: era o cinema, a música, a literatura… Foi daí que nasceu nossa amizade, que é grande e bonita até hoje.

Para tudo que fazíamos (ele, minha irmã Ruth e eu) tínhamos o apoio de meus pais, portanto para mim era fácil. Para o Ewerton, nem tanto, pois ele tinha que viver se escondendo em pseudônimos e a maioria das vezes se esconder mesmo das inúmeras buscas do pai e da mãe pela cidade. A minha casa era sempre o primeiro lugar aonde iam procurá-lo. Quando ele não queria ser encontrado, minha mãe e meu pai davam um jeito.

Ao propor ao Ewerton que narrasse suas memórias, ele aceitou com muita alegria.

Ei-las, pois.

Ator, diretor, pedagogo, cenógrafo, figurinista, iluminador, dramaturgo, roteirista, produtor, administrador, júri, dublador e sabe-se lá o que mais! Ewerton sempre trabalhou intensamente.

O teatro é sua paixão maior e sua carreira foi marcada por espetáculos como Equus, O Poeta da Vila e Seus Amores, Patética, O Homem Elefante, só para citar alguns grandes sucessos. Um fato que não pode deixar de ser notado é seu trabalho com o teatro infantil, seja como ator, seja como dramaturgo, seja como diretor. Isto é muito importante, pois a criança é o futuro espectador e todos nós agradecemos, quando um artista não o trata com desdém e nem como inferior.

Na Televisão criou papéis como Alexandre, em A Viagem, na extinta TV Tupi, e, recentemente, Belchior, em A Escrava Isaura, na TV Record, e tantos outros que estão aqui narrados.

No cinema dos anos 70 seu trabalho passou pelas pornochanchadas, antes trabalhou com Mazzaropi. Bem, a sua trajetória no cinema foi marcada por estatutos os mais ecléticos possíveis. Mas ele afirma que todo o cinema que fez lhe garantiu imenso aprendizado.

Apegadíssimo aos quatro filhos e agora também às duas netas, vamos percebendo, ao longo de sua narrativa, como seu trabalho, em muitos momentos, vai se ligando a este amor incondicional pelos filhos: é o caso de seu trabalho no Colégio Sion, no Rio de Janeiro, onde Rafael e Daniel estudaram nos anos 90.

Um ponto nesta narrativa é marcante: o seu apego às teorias stanislavskianas. Tentei, muitas vezes, mostrar a ele que, em muitos de seus trabalhos, quer como ator, quer como diretor, a teatralidade é muito mais forte do que os pressupostos de Stanislavski. Em vão!!! Ele rebatia meus argumentos com tal veemência, desvendando sua poética, mostrando como nos espetáculos onde havia teatralidade sim, era uma teatralidade que se ligava desde o nascimento às bases de Stanislavski e Eugênio Kusnet.

É talvez esta a maior força do trabalho de Ewerton de Castro: a sua convicção no seu método de trabalho.

Outro aspecto importante do trabalho deste artista é o de pedagogo: ele gosta de ensinar. E fez isto especificamente e quase que, com exclusividade, do final de 1996 até meados de 2004, quando trabalhou intensamente com os alunos de sua escola.

Para seus alunos escreveu O Pequeno Organon, mas não se enganem: se o título destes ensinamentos sobre teatro nos remete a Bertolt Brecht, o desenvolvimento de sua teoria é totalmente ligado a Stanislavski e Kusnet.

Tão ligado a Stanislavski que me perguntou se seria possível, sem ser considerado prepotente, nomear estas narrativas de Minha Vida na Arte: Memória e Poética, numa claríssima citação ao primeiro livro publicado por Constantin Serguiêievitch Stanislavski. Por que não? Afinal, é apenas mais uma homenagem a Stanislavski, já que, em tudo o que Ewerton de Castro fez, Stanislavski esteve presente…

Mas ao falar da importância de Stanislavski e Kusnet para Ewerton de Castro, seria injusto não citar também a importância de dois diretores de teatro na sua carreira: Antunes Filho e Celso Nunes. Isto sem falar em Anatol Rosenfeld, que tinha um carinho todo especial pelo Ewerton. Quantas vezes eu o vi sentar-se em um degrau da escada do teatro e conversar, conversar sobre o espetáculo que o jovem Ewerton havia acabado de fazer. Ele me dizia que gostava de conversar com o Ewerton, porque era um dos poucos atores que aceitavam discutir o próprio trabalho, sem a vaidade de esperar apenas elogios; com atenção às críticas, para aprimorar-se e ir em frente.

Duas palavrinhas a respeito de como este trabalho foi realizado. Para começar houve muitos e muitos encontros. Conversávamos com o gravador ligado. Depois de dezenas de encontros, quando os depoimentos já estavam escritos, percebemos que trechos imensos não haviam sido gravados: falhas em fitas, falhas no gravador.

Pacientemente, ele gravou tudo de novo. Claro que as falas foram outras. As primeiras haviam sido irremediavelmente perdidas. É o problema da oralidade.

Mas quando já estava tudo escrito, ele quis rever e, ao rever, ele reescreveu, cortou, acrescentou, virou do avesso! E virou do avesso com um pedido expresso: Sou um homem da prática artística, muito mais do que teórico. Prefiro ser conhecido como eu sou, inclusive com a simplicidade das minhas palavras.

Assim seja: que a simplicidade da sua narrativa esteja intacta.

Foi, portanto, um longo processo finalizar este trabalho, pois ele fazia esta virada do avesso nas pouquíssimas horas vagas de que dispunha.

As fotos são todas de seu arquivo particular e aqui também ele teve participação ativa na escolha delas: embora eu tenha digitalizado centenas de fotos, ele selecionou apenas as que estão publicadas aqui.

Em todo este percurso dei a ele total liberdade, obviamente, pois não seria justo de outra forma, afinal são memórias dele.

Como se pode observar, ele faz uma narrativa mais ou menos cronológica, também por opção dele. Isto, contudo, não quebra o encanto da narrativa.

Vez ou outra um desafeto vem à tona. Isto também foi registrado segundo a vontade expressa dele.

Confesso que demos boas gargalhadas ao longo destes meses em que trabalhamos juntos. É outra qualidade do Ewerton: rir. Rir de situações em que esteve, rir de si mesmo.

É difícil codificar Dionysos! Às vezes a memória falha, as narrativas se embolam, afinal os espetáculos são efêmeros, efêmera a maravilhosa arte do ator.

Mas ficam as narrativas, as narrativas das narrativas, nossas invenções para, principalmente, o teatro – a mais efêmera das artes – não morrer.