EN | ES

Eugenio Barba por Patrícia Leonardelli

Publicado em: 28/03/2012 |

Conheci Eugenio Barba e o Odin Teatret em 1998, como parte do meu Mestrado em treinamento na ECA/USP. Fui à Holstebro para participar de um curso, mas, acima de tudo, tomar contato que esses pesquisadores, que eram, e continuam sendo, para mim, referência absoluta em trabalho de ator na contemporaneidade. 

 

Parti com aquela síndrome de boa discípula que se constrói, mesmo involuntariamente, quando se vai ao encontro de quem se admira muito, mesmo que a relação mestre-discípulo seja tolamente inconcebível para nossa cultura brasileira (e não há nenhuma crítica nesse último comentário). Fato é que desembarquei na gelada planície das terras do príncipe com enormes expectativas. 

 

O Odin era, para mim, junto com o Living Theater, o mais belo exemplo de teatro engajado pós-vanguardas históricas, em que rigor técnico e estético e discurso se construíam e sustentavam mutuamente, criando uma poética de potência e alcance dos mais contundentes e transformadores. 

 

Era urgente conhecer a usina e o cotidiano de processamento dessa arte, a casa e oficina desses trabalhadores, para mim, exemplares sob todos os aspectos. E foi isso que encontrei em Barba e seu coletivo: simplicidade e rigor. Um rigor tão grande que permite o total despojamento do que não significa nada para a arte. Não é necessário reproduzir, aqui, a história de Eugenio Barba, ela já é praticamente de domínio público para a maior parte dos atores. 

 

É uma trajetória de exílio e exclusão, e de como transformar esses elementos em potência de vida. Nas conversas diárias que tinha com a turma, Barba sempre falava que, quando pensava na dramaturgia de um espetáculo, desejava construir a narrativa pela perspectiva de quem não foi avalizado pela história, dos esquecidos, daqueles que ficaram, de fato, na coxia dos acontecimentos, mas que foram fundamentais para seu desenvolvimento (na época, pretendia fazer um trabalho sobre o Teatro de Arte de Moscou tendo Leopold Sulerjítzki como protagonista). 

 

E me parece que, ao assumir esse lugar da “exclusão da exclusão”, do terceiro teatro, às suas palavras, do teatro que reverte a morte, inventando seus próprios meios de existência e afirmação sem autorização, Barba determinou o encaminhamento ético que funda todo um projeto de arte e vida, que culminaria na antropologia teatral. Antropologia, esta, que, hoje, tem seus pilares metodológicos, assumidamente e sem medo, questionados pelo próprio diretor e pelo grupo, como sucede com todo pesquisador que recusa a apropriação fetichista de sua arte. 

 

De tudo que li e vivenciei, dentre os inúmeros aprendizados que esse diretor me proporcionou, pela leitura de suas obras, ou pelo contato direto, talvez, eu só tenha conseguido, aqui, falar de um deles, certamente por ser o mais significativo para mim. A oportunidade de conhecer um artista comprometido, integralmente, com a máxima do velho mestre das vivências (que soa, hoje, tão ingênua aos vaidosos ouvidos da nossa sociedade das mercadorias): amar a arte em si, e não a si mesmo na arte. E, para mestres dessa natureza, não há vergonha no esforço de parecer uma tola discípula tropical.

 

 

 

Eugenio Barba é diretor de teatro italiano e um dos fundadores do Odin Teatret.

 

Veja o verbete de Patrícia Leonardelli na Teatropédia.

 

 

Para ver os outros depoimentos que compõem a semana em homenagem ao Dia Mundial do Teatro, clique aqui.