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Etty Fraser por Vilmar Ledesma*

Publicado em: 25/04/2013 |

*Introdução do livro Etty Fraser – Virada pra Lua”, escrito por Vilmar Ledesma para a Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, lançado em maio de 2004. Para ler o livro na íntegra clique aqui

Estive pela primeira vez com Etty Fraser em julho de 1990, quando escrevi uma matéria sobre “Os Pequenos Burgueses” para o jornal Shopping News. “Fazer teatro para nós é uma postura devocional, um ato de amor. Não é ponte para nada, é nossa vida”, ela disse na reportagem. Esse foi o primeiro encontro real, a primeira conversa, e em torno da peça da qual ela participou de três montagens e guarda um carinho todo especial. A figura de Etty Fraser, no entanto, já me era conhecida desde algum dia lá no finalzinho dos anos 60, quando, bem garoto, assistia “Nino, o Italianinho” na TV. Lembro de minha mãe comentando que D. Adelaide, a personagem de Etty, era a cara de uma tia nossa. A cada nova novela que ela fazia, a comparação se repetia. Resultado: sempre que ouvia falar na atriz pensava em alguém da família.

No dia 19 de janeiro desse ano, lá pelas onze da manhã, liguei para Etty Fraser para convidá-la a participar da Coleção Aplauso. Falei com Dora, a empregada que há cinco anos trabalha na casa da atriz, e soube que Etty estava no supermercado. Fiquei de ligar mais tarde e, umas duas horas depois, a própria atendeu ao telefone.

Etty é daquelas pessoas que logo te deixam à vontade e em poucos minutos combinávamos um encontro para dali a dois dias para ver se nossos santos batiam. E não é que bateram?

Conversamos bastante, Etty aceitou ser biografada e foi me mostrar sua casa, peça por peça. No escritório-sala de TV, tem uma parede cheia de fotos das peças que ela fez, a maioria com o marido, Chico Martins. Ali tem uma estante, que ocupa uma parede toda e abriga seus prêmios – Molière, Saci, Governador do Estado, Mambembe, Etty é premiadíssima –, e os maravilhosos álbuns de recortes e fotos que documentam toda a sua carreira. Tem os álbuns da Etty e os do Chico, vários volumes caprichosamente organizados pelos dois. Nos outros cômodos, fotos, quadros e coleções variadas, como imagens de São Francisco de Assis, a maioria presenteada pelos amigos.

Etty e Chico Martins começaram a namorar nos bastidores do Teatro Oficina e foram casados por 41 anos maravilhosos, como ela faz questão de dizer. No meio artístico os dois se transformaram em exemplo de companheirismo e harmonia conjugal. Chico faleceu há um ano e Etty fala dele com um brilho lindo nos olhos.

“Vamos começar logo, enquanto eu estou de molho”, ela me disse. É que final do ano passado, Etty Fraser caiu, deslocou o ombro e teve de abandonar “A Importância de Ser Fiel”, seu espetáculo mais recente. Etty estava se recuperando do acidente, fazendo fisioterapia e impedida de dirigir seu Gol vermelho. Aviso: se você cruzar pelas ruas de São Paulo com um Gol vermelho, com plástico de Durval Discos, preste atenção na senhora simpática ao volante. É Etty Fraser! E pode acenar que ela vai adorar. Ah, a cor do carro não é por acaso, vermelho é sua cor de predileção.

A primeira conversa foi marcada para dali a poucos dias e a partir de então elas se sucederam mais ou menos duas vezes por semana, em seu apartamento, na Rua D. Veridiana, em São Paulo. Começavam pelo meio da tarde e iam até o anoitecer, ou melhor, até depois da chuva. Explico: quase todo dia tinha aquelas famosas chuvas de fim de tarde, típicas do verão paulistano. Era ligar o gravador e ir ouvindo as histórias deliciosas de Etty, que adora falar e não é de recusar assunto. Ela sentava num sofá, eu em outro de frente para ela e as horas voavam. Quando as sessões acabavam, chegava a hora de ela me oferecer Coca-Cola light com algum biscoito ou docinho, sempre na cozinha, onde o bate-papo continuava, nessas horas sem a presença do gravador.

Sempre que comento com alguém que estou escrevendo um livro sobre Etty Fraser, vem a pergunta: “Ela é mesmo aquela simpatia?” Sim, Etty Fraser é toda aquela simpatia e um pouco mais. Tem um astral contagiante e cultiva aquela sabedoria de só guardar da vida as coisas boas. É mais fácil achar uma agulha num palheiro que encontrar quem faça qualquer restrição a Etty quando se trata de talento, caráter, alto astral e ao seu estilo de levar a vida. E tem aquela gargalhada que virou cartão de apresentação.

Uma das fundadoras do Teatro Oficina, junto com Zé Celso Martinez Corrêa e Renato Borghi, Etty não é de ficar teorizando a respeito da profissão e construir suas personagens nunca foi uma dificuldade. Aliás, dificuldade é uma palavra que não consta do dicionário de Etty Fraser. “Se não me apaixono pela personagem, não aceito fazer mesmo que esteja morrendo de fome”, é assim seu método de seleção dos papéis.

Ela adora falar das peças em que trabalhou – são 25 nesses 45 anos de carreira – e de algumas lembra inclusive de certos diálogos. Etty não tem personagem e nem peça predileta, embora guarde carinho especial pela Akoulina de “Os Pequenos Burgueses”, que representou mais de mil vezes e a tresloucada dona Cesarina, de “O Rei da Vela”, montagens históricas do Teatro Oficina.

Das novelas da TV, ela relembra os tempos da TV Tupi e a convivência com pessoas como o diretor Geraldo Vietri, com quem trabalhou em “Nino, o Italianinho” e Vitória Bonelli, entre outras. Do programa de culinária, que apresentou por oito anos e que, apesar de ter acabado há mais de vinte anos, ainda é lembrado, fala com contenção. E não economiza palavras para  Durval Discos, o filme que selou seu encontro com o cinema nesses 45 anos de carreira.

Quando o mês de março começou, Etty foi ao Rio gravar sua participação na minissérie “Um Só Coração”. Ficou em sua cidade natal – sim, ela é carioca e veio para São Paulo bem menina – mais de um mês e voltou na metade de abril, quando nos encontramos para uma entrevista final.

Quando o livro ficou pronto, levei para ela no dia seguinte, dessa vez no final da manhã de uma sexta. E tive o prazer de assistir a um monólogo com Etty Fraser. É que ela leu mais ou menos um terço do livro em voz alta e só parou porque tinha compromisso. Na manhã da segunda, Etty me ligou para dizer que tinha gostado muito e combinamos um encontro no dia seguinte para alguns pequenos acertos. Foi assim que nasceu esse “Virada pra Lua”.