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Estudo radiofônico e Muitas Atividades no Território Cultural

Publicado em: 24/09/2010 |

 “O seu ouvido pega mil ruidozinhos de novo, capta outra vez aquele chiado, o tinir do malho na bigorna… Tudo vai agora se confundindo nos seus ouvidos. Só  individualizado, independente, o roer, o roer da tábua do assoalho… Quem sabe se será mesmo do soalho, do soalho da varanda!… Talvez não seja. Deitado, àquela hora, no meio daquele chiado, o ouvido confunde as distâncias… Quer “localizar”   exatamente. É a sua tarefa, a grande questão desse instante. Procura afastar o chiado   incômodo. Mas ele se avolumou, tomou conta outra vez do quarto, e novamente     aquela esfera, aquela bola… Está tão perto dos seus ouvidos, que ele quase que o sente como o tato. Entretanto, precisa eliminá-lo, precisa isolar apenas o roer do rato na madeira…”
O módulo amarelo, deste segundo semestre do curso de Sonoplastia, foi dedicado ao estudo do elemento épico no teatro e, mais especificamente, os modos pelos quais um narrador atua sobre uma obra. Para isso, escolhemos como ponto de partida o romance “Os Ratos”, de Dyonélio Machado, com o propósito de adaptá-lo para a linguagem radiofônica.
Publicado em 1935, “Os Ratos” conta a história de um trabalhador endividado com o leiteiro do bairro. Envergonhado com sua situação perante a família, os vizinhos e os credores, ele passa o dia buscando alternativas para revertê-la. O adiantamento frustrado de seu salário, agiotagem e jogos de azar compõe sua odisséia pela cidade e, quando finalmente consegue o dinheiro para sanar suas dívidas e o caso parece encerrado, ele é surpreendido pela profunda angústia que não o abandona.
Na medida em que resgata as suas lembranças, projeta situações absurdas envolvendo o dinheiro deixado em cima da mesa de sua cozinha, Dyonélio compõe um cenário a partir da experiência sonora de seu personagem. Deitado na cama, ele interpreta os sons de sua casa, que filtrados por sua angústia e mediados pelas lembranças, são amplificados e distorcidos.
Em “Os Ratos”, o narrador atua sobre a obra e nos oferece o privilégio de conhecer os pensamentos de seu personagem principal, subjetivos e objetivos. Passamos a ouvir junto com a personagem as mandíbulas e os passos de ratos roedores que rondam e ameaçam sua conquista.   
Ao mesmo tempo em que nos aproxima de suas angústias e nos distancia do drama, o autor convida a pensar sobre o papel dominante do dinheiro nas relações sociais. O dinheiro como o elemento que determina os critérios pelos quais um indivíduo é julgado e considerado pelos demais. Também nos deparamos com o erro ideológico de Naziazeno, personagem principal da história, e sua dificuldade em considerar a possibilidade de modificar concretamente sua situação. Sua ação é toda concentrada em resolver o problema imediato, portanto a conseqüência e não a causa. “Enche-o de uma emoção triste qualquer mudança, qualquer nova situação. Quer as coisas contínuas, imutáveis.”
O tema da solidariedade é colocado de forma crítica. Dyonélio nos mostra, tal como Bertold Brecht o fez, que um mundo no qual os indivíduos ainda precisam da solidariedade dos outros é um mundo que precisa ser transformado. Em um mundo ideal e justo. Portanto, a solidariedade poderia ser algo dispensável. “Miserável país aquele que precisa de heróis.”  
Entendemos que a adaptação deste romance para a linguagem radiofônica ofereceu ao aprendiz o desafio de alcançar por meio da linguagem sonora, uma experiência narrativa com a mesma força e contundência do texto original.
Diante desta difícil tarefa, os aprendizes arquitetaram, utilizando o som, a música e a voz, os caminhos que o narrador encontrou para se movimentar entre o drama e a história, entre a ação, a razão e o recuo crítico diante dos temas levantados pelo livro. A atitude do narrador com o recurso da palavra teve de ser reinventada a partir de um intenso debate sobre apropriação do assunto e as possibilidades, bem como os limites dramatúrgicos do discurso sonoro.
O resultado deste trabalho será apresentado no Território Cultural deste sábado (25), às 14h. Os aprendizes, formadores e coordenadores esperam por você! Para participar, basta se inscrever pessoalmente na secretaria da SP Escola de Teatro com, no mínimo, uma hora de antecedência. 
Confira a programação disponível na lateral direita do site e aproveite, esse é o último Território deste ano que será aberto ao público. Nos próximos, os aprendizes concentraram seus esforços para a apresentação dos espetáculos para o Experimento. 
 
Serviço:
Território Cultural
Local: Av. Rangel Pestana, 2.401 – Brás
Horário: das 14 às 17h
Tel: 2292-7988
Entrada franca

 Texto: Martin Eikmeier e Renata Forato