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Douglas Lima, estudante egresso da SP, vence Prêmio Shell de 2023 com o Coletivo 302; confira a entrevista!

Publicado em: 31/03/2023 |

Douglas Lima, estudante egresso da SP Escola de Teatro, em foto preto e branco

Douglas Lima, estudante egresso da SP, vence Prêmio Shell de 2023 com o Coletivo 302 na categoria Energia que Vem da Gente | Foto: Divulgação

Pela primeira vez, o Coletivo 302, da Baixada Santista, venceu o 33º Prêmio Shell de Teatro na categoria “Energia que vem da gente”. De acordo com a comissão, a menção ao grupo foi pela valorização da ancestralidade em Cubatão, dentro de uma reflexão sobre a herança socioambiental da época em que a cidade era a mais poluída do mundo. A temática é expressa de maneira contundente no espetáculo Vila Parisi, idealizado pelo grupo e dirigido por Douglas Lima, estudante egresso do curso de Direção da SP Escola de Teatro.

O Coletivo 302 é um grupo artístico e de pesquisa que tem como foco o território, as memórias e a ancestralidade do seu local de atuação. O espetáculo Vila Parisi faz parte de um projeto de trilogia, que o grupo pretende dar continuidade contando as histórias da Vila Socó, bairro de Cubatão que em 2024 completará 40 anos de uma das principais tragédias industriais do Brasil, e da Vila Fabril, uma centenária vila operária que encontra-se inativa e em estado de deterioração.

Douglas Lima concedeu uma entrevista exclusiva à SP Escola de Teatro relatando um pouco sobre seu processo de criação e a relevância de ter ganhado o prêmio com o Coletivo 302.

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Confira a entrevista na íntegra:

Como você recebeu a notícia de que o Coletivo 302 ganhou o Prêmio Shell 2023 na categoria Energia que Vem da Gente?
Ser indicado foi uma surpresa, não imaginávamos que isso pudesse acontecer. Somos um Coletivo de Cubatão, litoral de São Paulo, nunca na história do prêmio um grupo ou trabalho daqui havia sido indicado em nenhuma das categorias. De repente seu WhatsApp toca e te dizem que o grupo está indicado ao Prêmio Shell. Eu não acreditei até ver a lista de indicados. Na sequência pensei que esse era o presente, a indicação, o reconhecimento, a valorização da nossa pesquisa, o que na minha cabeça parava por aí. Afinal de contas, estávamos indicados com a Cia. Mungunzá de Teatro, pelas ações artísticas e sociais na Cracolândia, e com Os Satyros, em um projeto histórico que reunia artistas de cinco continentes fomentando a experimentação de formatos digitais durante a pandemia, que para mim eram os favoritos. Estar presente na cerimônia e ouvir que o Coletivo ganhou o prêmio foi surreal. Até a ficha cair demorou um pouco. Estamos muito felizes com essa conquista. Preciso dizer também do trabalho importantíssimo da Éssa Companhia de Teatro, que também estava indicada nessa categoria, nosso trabalho é bastante parecido e tão potente quanto o deles, e citar também o CATS – Coletivo de Artistas Transmasculines, também indicado nessa categoria, essa pesquisa e ações são de maior relevância.

Qual o impacto dessa premiação para você?
Não sei dimensionar o impacto da premiação. O Shell é tido como um dos principais e mais importantes prêmios do teatro brasileiro. É impossível não ficar feliz e vibrar quando a crítica especializada te coloca numa lista seleta de trabalhos e artistas. Essa é a primeira vez que fomos indicados e fomos premiados. Faz muito sentido que seja uma premiação coletiva, como é o nosso trabalho. Entendo como reconhecimento e valorização da relevância da pesquisa que vem sendo feita há alguns anos e isso nos enche de orgulho e nos dá força para continuar nossa trajetória de grupo que vislumbra uma trilogia. A gente quer muito apresentar a peça, entrar em temporada, para que as pessoas possam ver. O desejo é também de circular com o espetáculo e dialogar com outros lugares e outras pessoas, que passaram ou passam pelos mesmos problemas.

Conte-nos um pouco mais sobre seu trabalho como diretor no espetáculo “Vila Parisi”.
No início do processo eu era mais um organizador do tempo e das etapas. A primeira etapa é radicalmente mais coletiva. Envolve pesquisas de jornais da época, acervo histórico, entrevistas com ex-moradores, materiais teóricos que dialogam com o tema, discussões acerca dessas materialidades, etc. É uma escavação. Nesse momento tivemos uma forte participação do Marcelo Ariel (dramaturgista) e da Lili Monteiro (orientadora), que contribuíram com materiais, procedimentos e discussões.

No segundo momento foram lançadas perguntas e os atores e atrizes respondiam individualmente em formato de cena/performance (workshop). Nessa etapa a gente vai percebendo a reverberação de algo específico da pesquisa ou de uma entrevista ou de algum material teórico que o ator/atriz está implicado e engajado artisticamente. Eles e elas vão respondendo de alguma maneira o que saltou do momento anterior e estão numa tentativa de elaborar essas questões naquela cena/performance. Algumas cenas vêm um pouco mais prontas, outras não.

Depois de levantar inúmeras cenas, organizei um roteiro que continha alguma ideia do que poderia ser a peça. Reapresentamos o roteiro inteiro para a equipe, que nesse momento recebia Cícero Gilmar Lopes (dramaturgo). Foram dois dias para conseguir refazer todas as cenas. Nesse momento eu sabia que a sonoridade/musicalidade seria essencial para a narrativa da peça. A peça teria algumas camadas na sonoplastia e nós precisaríamos de músicos para compor o elenco. Enquanto o texto era escrito, a gente tinha o desafio de entender lugares possíveis na cidade para a peça acontecer, uma vez que não temos teatro público/municipal.

O lugar e o texto chegam meio que juntos. A gente discute bastante na sala de ensaio sobre o texto, que passa por alguns tratamentos. Como diretor, precisei mexer na sequência das cenas e mudar um pouco a estrutura inicial do texto. Uma tentativa de fazer com que o texto chegasse melhor para o público que não é tão habituado com uma peça de teatro, principalmente nesses moldes. O desejo era de ter uma linha do tempo um pouco mais nítida, sem idas e vindas, pensar um teatro que desse conta de ser popular e assim dialogar com as pessoas da cidade.

Na última etapa as equipes de cenário, figurinos, luz e som, que estavam na sala de ensaio desde o início do processo, apresentaram os projetos de cada área. Como direção tenho algumas ideias, mas as áreas são livres para apresentar seus projetos como quiserem. Depois da apresentação das áreas técnicas alguns apontamentos/ajustes são feitos e as áreas começam a desenvolver o que foi definido junto com a direção. A atuação nesse momento fica um pouco mais focada nas personagens, narrativas, performances e na interpretação.

O próprio espaço escolhido escancara o conceito da peça. Não precisei ficar elaborando um conceito que desse conta de traduzir a obra, o conceito apareceu por si só. Estávamos num Cruzeiro Quinhentista, com azulejos portugueses que no nosso olhar denunciava a invasão portuguesa, a colonização, o extermínio dos povos indígenas e a escravização dos povos africanos. Na segunda camada a Petrobrás soltando fumaça e fogo. E na terceira, o verde da Serra do Mar e o céu. O conceito estava ali, o conceito morava ali.

Tínhamos algumas cenas problemas, que não se resolviam dramaturgicamente e fomos tentando resolvê-las na cena/encenação, conforme as temporadas.

O trabalho da direção é contínuo e nunca acaba. Estou sempre revendo e mudando cenas, tonalidades e entendimentos.

Quais são as reflexões que o grupo quer alcançar com esse espetáculo?
São várias. Mas a maior reflexão, o grande mote inicial da pesquisa sempre foi a cidade. Refletir sobre a cidade. Mais especificamente o passado da cidade, e talvez, partindo desse passado, chegar a algum entendimento sobre o momento em que estamos vivendo agora e pensar nos futuros que queremos, juntos. A gente quer refletir os problemas que vieram a partir do processo de industrialização e consecutivamente da migração e como isso afetou a vida e a saúde das pessoas e do meio ambiente. A gente queria ir na raiz do problema, refletir o título da cidade, que em algum momento foi “A cidade mais poluída do mundo”. Os jovens não sabiam da história da cidade e nós queríamos que eles soubessem. Os mais velhos se sentiam de alguma maneira satisfeitos com o pouco que receberam com a extinção do bairro, a gente queria trazer outras perspectivas sobre isso. A gente queria problematizar essa experiência/laboratório que essas pessoas viveram. É uma denúncia. A gente queria olhar novamente para o processo de fundação desse bairro e repensar a postura e as resoluções que a prefeitura, junto com as indústrias e o governo estadual da época tiveram ao longo do tempo com esse bairro e consecutivamente com essas pessoas.

Através dessa produção que o coletivo recebeu o prêmio. Como foi essa trajetória?
O Coletivo foi fundado em 2014 e hoje é composto por 8 artistas da cidade. Surgiu da necessidade de cantar sua aldeia, de mergulhar em suas memórias ancestrais e ressignificar a construção do imaginário sobre seu povo e território de atuação. Somos um grupo de processos colaborativos e de intervenções em espaços públicos, desenvolvemos espetáculos teatrais, exposições em artes visuais, música, dança, performance, eventos culturais e ações sociais, ambientais e educativas. Temos três trabalhos no teatro: Onde está o guará? (Infantil – 2016), #republica (Juvenil – ProAC/2016) e Vila Parisi (Adulto – ProAC/2018), que faz parte de um projeto de trilogia teatral chamado Zanzalá. Desenvolvemos o projeto Ciclos de Estudos, que acontece há 5 anos. O Coletivo fundou o Galpão Cultural, espaço destinado para experimentações, eventos, formações e demais atividades culturais, que há alguns anos é compartilhado com outros coletivos. Em 2018 foi um dos coletivos responsáveis pela retomada do FESTAC – Festival de Teatro de Cubatão. Em 2020, sob efeitos da pandemia, criou o Vídeo-Retratos: Vila Parisi, uma série de quatro vídeo performances para o projeto Performando: Entrelaces de Arte-Educação veiculados originalmente nas plataformas do Sesc Santos. Também criou e produziu o documentário cênico Diário de Bordo: Vila Fabril que compôs a programação do Ocupação Mirada – Festival Ibero Americano de Artes Cênicas do Sesc. Ano passado estivemos novamente no Festival Mirada, com o espetáculo Vila Parisi.

O Coletivo começa a dar os primeiros passos para montagem do próximo espetáculo, “Vila Socó” – incêndio sem precedentes na história – que matou centenas de pessoas, após 700 mil litros de gasolina vazar de um duto de uma refinaria da Petrobras. O espetáculo faz parte da Trilogia Industrial que reconta as “tragédias” de Cubatão.

Por ser estudante egresso do curso de Direção da SP Escola de Teatro, como você está levando esses aprendizados para sua carreira profissional?
Estudar na SP foi fundamental na minha formação de diretor. Eu era um diretor bastante intuitivo, o que é bom em algum lugar. Mas na SP pude me desenvolver teórica e tecnicamente. Me instrumentalizar, potencializar meu trabalho. Estar em relação com outros aprendizes, de vários cursos, trocar com diretores e diretoras que já tinham uma trajetória razoável foi importantíssimo. Depois de um experimento você aprende muita coisa. Mesmo que seja o que não fazer, e a partir disso a gente vai tendo alguma ideia do que a gente quer fazer profissionalmente. Tenho feito teatro de grupo, coletivo, que pesquisa a cidade de Cubatão, o trampo é colaborativo, em lugares específicos, que bebe um tanto do teatro documentário, com alta dose de teatro performativo e sobretudo, popular. E tudo o que escrevi aqui sobre o processo no Coletivo 302 e nossas escolhas, tive contato na escola. O Vila Parisi é de alguma maneira o resultado estético-político das minhas inquietações durante e depois da escola.

Obrigado SP. Obrigado aos professores, professoras, funcionários, colegas de classe e dos outros cursos. Vida longa! Viva o Teatro!!!




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