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Elementos Teatrais e Família

Publicado em: 13/08/2010 |

Pense em todas as histórias que, repetidas vezes, seus familiares contaram durante reuniões em volta da mesa da cozinha e em confraternizações de fim de ano; relembre os contos clássicos dos seus familiares como aquela velha tia que nunca casou, o filho bastardo, o namoro de seus pais, a vida de um professor querido ou até a sua trajetória. Agora se pergunte: essas histórias valem ou não uma peça?

Essa questão inquietou a diretora argentina Vivi Tellas e, com esse material, ela decidou fazer uma experiência teatral envolvendo sua mãe e sua tia.”A história da minha família era um ‘dramão’”, conta Vivi. “O que me ajudou é que eu já tinha em mãos personagens, tempo e atuação. Minha mãe, por exemplo, sempre que escuta música, se levanta e dança. Isso já fazia dela uma atriz.”

O projeto demorou cerca de oito meses para se concretizar. Primeiro, a diretora começou a escrever o enredo baseado nos casos da sua família, histórias que escutou repetidas vezes contadas sempre da mesma maneira. Depois, criou uma lista, como uma sequência, para servir de guia para os atores. “A intimidade é o foco do meu trabalho. Procuro a teatralidade em regiões instáveis, como o espaço íntimo, onde a inocência pode aparecer. A situação de trabalho é muito frágil e a intimidade é um presente contínuo”, explica a diretora.

A produção deu tão certo que Vivi Tellas conseguiu estender o projeto e, assim, formulou quatro obras que receberam o nome de “Arquivos”. O primeiro deles, “Mi Mamá y Mi Tía” (2003-2004), foi uma espécie de “retrato vivo” que tinha como intérpretes, a mãe e a tia verdadeiras da diretora que exibiam em público sua história familiar. Seguiram-se mais três obras: “Três Filósofos Com Bigodes”, “Cozarinsky e Seu Médico” e “Auto-Escola”. Baseando-se nessas obras, Tellas desenvolveu um workshop que recebeu o nome de “Teatro de Família” e decidiu compartilhar essas experiências na SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco.

Vivi Tellas é uma das diretoras de teatro experimental mais reconhecida da Argentina. Trabalha colocando o teatro em contato com outros mundos, rastreando elementos teatrais em vidas, como a repetição, a presença, a situação, o olhar dos outros e o texto. Situações ou disciplinas exteriores ao teatro. Parente do gênero documentário, o seu teatro não repousa na representação, mas na apresentação de “casos”. Em todas suas obras está presente o que ela denomina Umbral Mínimo de Ficção que existe, por exemplo, na tendência natural à repetição que há no comportamento humano. Seu trabalho gira em torno dessa ideia: buscar teatralidade fora do teatro.

A primeira aula foi aberta ao público e contou com a presença de Alice K., diretora, atriz, pesquisadora, fundadora e coordenadora artística do Núcleo Hana e, também, Luiz Fernando  Ramos, professor do Departamento de Artes Cênicas da Universidade de São Paulo (USP) como mediador. Agora, do dia 12 até 20 de agosto, a diretora ministra o Curso, de segunda a sexta-feira, das 14h às 17h, somente para aqueles que passaram pelo processo seletivo dos Cursos de Difusão Cultural.

Marcelo Soler, ator e aprendiz do Curso de Difusão “Teatro de Família”, diz que ficou muito contente com a vinda desse curso para São Paulo. “Eu faço mestrado nessa área e tive muitos problemas com a falta de publicações brasileiras sobre esse gênero. Atualmente, tenho um projeto que necessita dessa prática e dessa teoria, meu grupo, o ‘Teatro Documentário’ está com um projeto que traz a entrevista como produto cênico onde atores se relacionam com não-atores”, explica.

O dramaturgo Luis Fernando Ramos disse que ficou surpreso com o trabalho da diretora. “Esse tipo de dramaturgia explora uma fronteira tensa entre o teatro e a realidade, sem pretensão de grandes performances, assumindo uma representação natural com a apresentação de ‘casos’”, afirma.