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Crítica: peça “Anónimo não é nome de mulher”

Publicado em: 15/02/2023 |

Crítica: “Anónimo não é nome de mulher” . Foto: André Stefano

Eduardo Santos, especial para o site da SP Escola de Teatro

A peça “Anónimo não é nome de mulher” aborda o tema de mulheres presas em hospícios e resulta em um impacto suficiente para inflamar a catarse do público, sendo uma experiência emocionante e angustiante para os espectadores. É uma obra que explora questões profundas sobre a opressão feminina, a marginalização das mulheres na sociedade e a luta por liberdade e independência.

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O espetáculo mostra as histórias de mulheres que foram internadas em hospícios devido a condições médicas questionáveis, ou simplesmente por serem consideradas “problemáticas” pela sociedade patriarcal. Elas são submetidas a tratamentos cruéis e desumanos, incluindo eletrochoques, lobotomias e outras formas de tortura psicológica.

A representação dessas narrativas é intensa e visceral, e a atuação do elenco é impressionante. Luisa Pinto e Maria Quintelas alternam-se em vários papéis. Quando interpretam as pacientes do hospício, transmitem com realismo a dor, a confusão e o desespero que essas mulheres sentiam ao serem privadas de sua liberdade e dignidade – isso sem qualquer justificativa racional, uma vez que as internações vinham por motivos oriundos de preconceitos sociais e culturais, tal qual a falta de vontade de ter filhos ou a simples autonomia de ter ideais progressistas. Nesse particular, tece uma crítica contundente à maneira como a sociedade trata suas cidadãs e revela o quanto ainda precisamos progredir na luta pelos direitos femininos.

Se a tonicidade marca o tom das atrizes como internas, ao encarnarem o regime médico e administrativo que vigia, oprime e aprisiona, as duas intérpretes alcançam os registros mais sutis. Mesmo nessa escala de autoridade, as relações hierárquicas e verticais estão presentes: a residente é oprimida pela médica-chefe, que é subjugada pela presidente da câmara municipal, que, por sua vez, é serva de todo o sistema misógino a serviço do status quo patriarcal.

Crítica: “Anónimo não é nome de mulher” . Foto: André Stefano

A dramaturgia oferece uma visão crua e autêntica sobre a vida das mulheres internadas em manicômios, expondo as condições precárias e as práticas médicas desumanas. Faz uma crítica contundente ao sistema de saúde mental da época, que negligenciava a saúde e o bem-estar em favor de uma abordagem de controle e repressão. As cenas de abuso e violência são retratadas de forma realista e perturbadora, transmitindo a sensação de claustrofobia e desespero que as internadas em manicômios sentiam. A composição e interpretação musical ao vivo de Cristina Bacelar acentua essa atmosfera tirânica.

Especialmente em países onde as desigualdades de gênero são abissais, os índices de feminicídio são catastróficos e a repressão por condutas que fujam ao ‘bela, recatada e do lar’ são o parâmetro catequizado por boa parte da sociedade civil (famílias, igrejas, escolas), a encenação caracteriza-se como um lembrete poderoso da importância da luta pelos direitos das mulheres (no geral) e das pessoas com transtornos mentais (no microcosmo particular da peça). Nos faz refletir sobre a forma como esses grupos são tratados e nos encoraja a buscar uma mudança para garantir que todos possam ter acesso a tratamentos humanitários e justos.

A encenação de António Durães extraiu ao máximo os elementos dramáticos do texto de Mariana Correia Pinto, deixando patente, aos que ainda não entenderam, uma compreensão mais profunda dos desafios enfrentados pelas mulheres na luta por seus direitos e liberdade.
A montagem é uma coprodução do grupo Narrativensaio-AC e da Casa das Artes de Famalicão, ambos de Portugal e em residência artística na SP Escola de Teatro, onde as sessões apresentadas na sala Alberto Guzik tiveram lotação máxima. O projeto agora volta à Europa, onde excursionará por diversas cidades.

Crítica: “Anónimo não é nome de mulher” . Foto: André Stefano




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