EN | ES

Cacilda Becker por Aguinaldo Cunha

Publicado em: 30/03/2012 |

Cacilda Becker morreu há quase 43 anos, em junho de 1969, e deixou uma lacuna irreparável no teatro brasileiro – como atriz e como personalidade. Lacuna que nunca foi preenchida, pois Cacilda, como atriz, tinha uma luz própria, uma energia vital única, e como personalidade, era uma líder da classe teatral reverenciada e respeitada por seus pares.

 

Nesse tempo decorrido desde seu desaparecimento precoce, aos 48 anos de idade (teria 91 anos agora!), Cacilda conseguiu manter-se como mito do teatro (ela foi mito em vida, coisa rara de acontecer), como referência de grande atriz e de grande mulher do teatro – a exemplo das divas do passado, Dulcina de Moraes, Itália Fausta, Sarah Bernhardt, Eleonora Duse.

 

Firmou-se como primeira atriz brasileira, unanimemente considerada, no final dos anos 1940, no TBC, e, assim, prosseguiu até sua morte, reconhecida pelo público, pela crítica e pelos colegas. 

 

Eu a vi muito pouco, infelizmente, mas me recordo do entusiasmo com que meus pais comentavam suas interpretações no Teatro Brasileiro de Comédia e no Teatro Cacilda Becker, sua companhia de teatro, fundada em 1958 com o marido Walmor Chagas.

 

Lembro-me dela numa remontagem de “Pega Fogo”, de Jules Renard : seu antológico desempenho nessa peça marcou época, é uma bela página da história do teatro brasileiro. 

 

Eu tinha dez anos, minha mãe levou-me numa matinê de domingo para ver Cacilda, no antigo e hoje, infelizmente, demolido Teatro Leopoldo Fróes, na Praça General Jardim, ao lado da Biblioteca Municipal Infantil.  Não me lembro do texto, era muito criança, mas me recordo nitidamente de Cacilda, muito magra, com o cabelo vermelho, a voz inconfundível, charmosa.

 

Depois, a via na televisão, nos teleteatros que ela e seu grupo montavam semanalmente, na TV Cultura, na Record, depois na Bandeirantes. Peças clássicas, dramas, comédias, grandes autores. Desses registros, parece-me, restam, atualmente, os teleteatros da Bandeirantes, encenados pouco antes de sua morte, Cacilda fazendo “Inês de Castro”, “Casa de Bonecas”, “Noel Coward”… Além, é claro, do filme que Luciano Salce dirigiu para a Cia Cinematográfica Vera Cruz, o belo e inspirado “Floradas na Serra”, onde Cacilda fazia par romântico com Jardel Filho.

 

Aos dezesseis anos, tive o privilégio de vê-la pessoalmente, em seu apartamento na Avenida Paulista, levado por minha prima Myriam Muniz. Myriam, que era do teatro de Arena na época, fora convidada para participar da leitura dramática de “Os Carecentes”, de Eudynir Fraga, direção de Augusto Boal. Resolveu levar-me junto, nessa iniciativa do Centro de Estudos Teatrais, fundado por Cacilda, Walmor e Maria Thereza Vargas, e que funcionava no apartamento do casal, um duplex, sendo que, no andar de cima, havia um pequeno teatro.

 

Lembro-me de Cacilda participando da leitura e de uma cena divertida entre Myriam Muniz e Yara Amaral. Depois, ganhei um autógrafo de Cacilda, no coquetel que se seguiu à leitura.

 

Tornei a assisti-la uma única vez, no teatro, em “Isso Devia Ser Proibido”, de Bráulio Pedroso. Tinha dezessete ou dezoito anos, fui vê-la com meus colegas do Ensino Médio do Colégio São Luís, onde eu estudava. Cacilda dividia o palco com Walmor, o Teatro Cacilda Becker da Avenida Brigadeiro Luís Antonio (hoje, infelizmente, também desaparecido) completamente lotado, pois o casal tinha público certo, numeroso.

 

Ela, na época, era o primeiro nome do teatro nacional, lugar indisputado, que Cacilda ocupava com talento e dignidade. Quando morreu, a sensação de orfandade tomou conta do teatro brasileiro, numa época de regime autoritário e censura plena à liberdade de expressão.

 

Seu lugar na história do teatro brasileiro está definitivamente bem registrado. Os livros biográficos e artísticos sobre Cacilda, principalmente os de Maria Thereza Vargas, Nancy Fernandes, Renata Pallottini e Luís André do Prado, são ótimas fontes para as novas gerações conhecerem melhor essa mulher tão especial, uma atriz extraordinária.

 

 

Aguinaldo Cunha é crítico teatral.

 

Veja o verbete de Cacilda Becker na Teatropédia.

 

Para ver os outros depoimentos que compõem a semana em homenagem ao Dia Mundial do Teatro, clique aqui.