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Bete Coelho por Marcelo Ariel

Publicado em: 27/03/2012 |

É uma busca para sair das trevas do amor

E lixo dourado, quieta na madrugada.

Um suave pássaro de fogo

Espera dentro das camadas:

“Quando se é feliz, não é difícil morrer”

Para ser um riso do ar no inominável.

 

 

O Sentido do Poema

Este poema, escrito em 1998, após uma apresentação da peça “Cacilda”, no Teatro Oficina, será completado por este pequeno ensaio. O teatro opera o silencioso milagre da transfiguração da melancolia em intensidade, silenciosa intensidade. Em Bete Coelho, os movimentos interiores estão profundamente ligados ao que Walter Benjamin chamou de “relampeio” e que podemos evocar, aqui, como fragmentos da luz da vida do espírito.

 

O Poema da Voz

Como em Ingrid Caven, como em Cacilda Becker, a voz em Bete Coelho materializa o relampeio de uma intensidade, recobre essa intensidade com uma finíssima camada de energia do silêncio. Os mestres do teatro russo, principalmente Tchecov, nos ensinam que a força do teatro nasce quando a energia do silêncio encontra a energia inominável que move a vida.

 

A Fonte da Luz dos Olhos

Os olhos de Bete Coelho em cena procuram materializar a energia do silêncio, que é como um véu oceânico em volta de uma interioridade que ecoa o jardim fechado da infância, essencialmente da infância da menina Elizabeth, em Minas. Há algo de Diadorim em Bete Coelho.

 

No Final do Último Canto do Paraíso

É nítido que o que move Bete Coelho é o amor e sua poética de recolhimentos e rastros harmônicos de trevas, que chamam pequenas luzes para dentro do coração. Bete Coelho não faz teatro por dinheiro, faz teatro por amor. Há um preço a pagar por isso e ela, desde sua primeira peça, “Maldição”, não fez nenhuma conciliação com o opaciamento. Mesmo na televisão, um meio opaciante, podemos dizer que ela atravessa as cenas das novelas e sai mais intensa do que antes; que vê-la em uma novela é como ver uma leoa caminhando em uma avenida movimentada. Somos tocados por um pedaço do tempo-eternidade dos deuses quando a vemos em cena; no teatro esse tempo-eternidade se mantém intacto. Bete Coelho não atua dentro do tempo cronológico, no qual jamais temos tempo. Seus gestos respiram o tempo-eternidade, no qual ser e tempo se tocam para sempre.

 

Um Relâmpago Dentro do Oceano

Pergunto-me se o Brasil está à altura de suas intensas atrizes, se merecemos uma Cacilda Becker, uma Glauce Rocha; se merecemos Bete Coelho. A resposta surge como um calmo relâmpago dentro da minha memória e é algo maior, mais denso, mais delicado e mais sutil do que um simples “sim”. A resposta é um sorriso dentro da dor. Existem longas paisagens interiores onde projetos e sonhos, livros e quietudes esperam por Elizabeth, imagino que a luz de um duplo sol noturno a ilumine nestas horas.

 

E O Silêncio Será A Força do Anjo

Bete Coelho, às vezes, me lembra um anjo de Wim Wenders, que, em sua queda para o humano, no sentido mais alto e mais gracioso dessa palavra, se converteu em mãe de outro anjo. Não podemos negar que havia uma doçura secreta quando ela estava em cena em “Esperando Godot”, e posso, ainda, imaginar que essa doçura secreta é o nome de uma delicada força que, agora que ela é mãe, pode ser vista a olho nu. Atriz e mãe são os dois nomes da graça dentro da natureza humana. Bete Coelho, atriz, mãe e pequeno ponto luminoso dentro desse maravilhoso caos.

 

O Reflexo da Luz na Água

Realmente não é difícil saber que o brilho de um olhar como o seu, quando refletido no olhar de qualquer pessoa sentada na plateia, ilumina uma dor e, dentro dela, amorosas asas esperam dentro das camadas. 

 

 

Marcelo Ariel é escritor e poeta.

 

Veja o verbete de Bete Coelho na Teatropédia.

 

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