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Beleza do Cotidiano: Uma Possível Cartografia dos Lugares Teatrais no Brás

Publicado em: 30/07/2010 |

Localizada na Zona Leste de São Paulo, em uma região que vem sofrendo processo de degradação, o Brás, a SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, a partir do desenvolvimento do experimento no Módulo Amarelo, busca avançar na discussão das relações entre o teatro e a cidade, explorando o conceito de lugar teatral e propondo uma busca por espaços no bairro para a apresentação de espetáculos durante a realização do 2º experimento.

 

O Brás teve seu desenvolvimento lento, até que veio a cultura do café e com ela, chegaram os imigrantes italianos que desembarcavam em Santos para trabalhar nas lavouras de café no interior do Estado. Antes, porém, eles eram levados a uma hospedaria, onde atualmente, funciona o Memorial do Imigrante.

 

Muitos imigrantes, no entanto, optaram por se instalar na capital paulista. Depois disso, o Brás passou a receber milhares de migrantes nordestinos que chegavam à cidade de São Paulo. Em 1970, com a construção das estações Brás, Pedro 2º e Bresser do Metrô, centenas de casas foram desapropriadas e milhares de pessoas perderam suas moradias.

 

Hoje, o Largo da Concórdia e as ruas do bairro são sinônimo de comércio popular, porém, o Brás também já teve seus tempos áureos e abrigou muitos cinemas, entre eles o Cinema Popular, Piratininga, Amerikan Cinema, Brás-Cinema, Ideal, Isis-Theatre, Pavilhão Oriente, Avenida, Eros, Salão Cinema, Savoy, São Sebastião, São José, Celso Garcia, Mafalda, Roxy, Universo, Piratininga, Fontana e até um cinema nos fundos de uma confeitaria de nome Guarani. Também teatros, como o Eden-Theatre, Teatro Colombo, Politeama, Olimpia, Babilônia, Oberdã. O Largo da Concórdia era praça de fotógrafos lambe-lambe, daqueles que emprestavam paletó e gravata para tirar fotos 3×4 da carteira de trabalho.

 

O teatro Brás Politeama, por exemplo, se transformou em uma loja que vende artigos de mesa e banho mas que ainda preserva sua arquitetura original. Já no lugar de lojas tradicionais como Móveis Paschoal Bianco, Pirani, Gigante do Braz, Eletroradiobras, Século XX, surgiram clínicas que fabricam dentaduras em seis horas e hotéis sem estrelas.

 

Simbolicamente, esta localização geográfica propicia aos aprendizes uma oportunidade ímpar de reflexão e posicionamento perante a diversidade social, econômica e cultural do bairro. “Existe muita beleza no cotidiano, a melhor possibilidade é sempre não descartar nada, e apesar de estarmos provisoriamente no bairro do Brás, acho que nós e, toda a escola, temos a obrigação de interferir positivamente nesse entorno. Devemos habitar esse espaço efetivamente e buscar trazer vida e revitalização onde estivermos. Essa prática é social, não é função só de artistas, mas de toda a comunidade”, explica Ivam Cabral, diretor artístico da SP Escola de Teatro.

 

Para José Simões, coordenador pedagógico da SP Escola de Teatro, a cidade de São Paulo é permeada de lugares e histórias. Espaços que com o passar do tempo perderam a sua função e foram sobrepostos como que por camadas.  “Esse conjunto dos lugares teatrais edificados ou não existentes em uma dada cidade é o resultado da acumulação, e eles se sobrepõem uns aos outros formando um imenso palimpsesto, no qual atua o complexo movimento cultural teatral. Os arranjos espaciais existentes na paisagem das cidades constituem os indicadores da territorialidade do teatro, organizados ora por meio de continuidades, ora por descontinuidades”, afirma.

 

A ideia é imaginar que o Brás possa se constituir em um território teatral composto por ruínas e marcos como fachadas, placas etc. Tais ruínas constituem a memória do teatro. Para os aprendizes cabe descobrir estes indícios e revelar o teatro que existe nesse bairro, um teatro que talvez não seja tão representativo ou desempenhe o mesmo papel social do teatro contemporâneo, mas que também revela histórias e sonhos. “Os tempos são outros, o teatro é outro. Mas é importante vivenciar e conhecer este outro tempo que esta cartografia ou mapa que propomos deseja nos mostrar”, explica José Simões.

 

 Texto e Foto: Renata Forato