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Antunes Filho por Cássia Navas

Publicado em: 29/03/2012 |

Temos gênios entre nós, é um dos privilégios da espécie reconhecê-los, testemunhar seu trabalho em períodos de convivência mútua. Em silêncio ou com alarido, reconhecer-lhes a condição humana como artífices do que nos escapa, construtores do que ainda não sabemos, do que ainda está por aí – caminhando pelo ar – para ser amalgamado em arte.

 

Temos Antunes entre nós, uma dádiva-seca, séria, cortante, de inteligência, corruscantemente, bela, conduzida pela crença no trabalho a inventar o espaço do ainda não realizado. 

 

Entre tantas de suas criações, “Macunaíma” (1978) era uma aparição, uma epifania de gente da cena. Assisti várias vezes da plateia e depois pendurada no balcão (acho que uma frisa do Theatro São Pedro/SP), prestando atenção no desenho que restava do conjunto, impresso no branco, na retina e no palco. Já tinha olhos para analisar a dança que resta em e de cada corpo.

 

O rastro era reto e barroco, mistura de moderno com um Brasil tropical de São Paulo. Depois, muitas cenas que nos apresentaram, todas de um apuro e profissionalismo sem par, até o presente, que foi o seu “Romeu e Julieta” (1984).

 

Na roda-que-roda conduzida por Julieta, havia uma parada para suspensão de um momento de arte, arena de dança (e de teatro). 

 

Coloquei uma série de fotos desta peça no livro “Imagens da Dança em São Paulo” (IDART/IMESP, 1987). Pouca gente entendeu e perguntavam: “O que fazem fotos de teatro em um álbum de dança?”. 

 

Para mim, era (e é) dança. Quem concordava com a inserção, só acenava a cabeça – sem palavras –, gesto de silêncio sonoro, como em apoio tácito ao registro de um momento inaugural: dança feita por atores, linda, fluída, gigante.

 

Pina Bausch (1940-2009), perguntada sobre “o que, de fato, fazia”, um dia, respondeu que fazia teatro dançado por bailarinos. 

 

Antunes continua a fazer dança feita por atores, como em “Paraíso Zona Norte”, “Nova Velha Estória”, “Macbeth – Trono de Sangue”, “Vereda da Salvação”, “Fragmentos Troianos” e “Antígona”.

 

Para nós, da dança, para além de sua genialidade de diretor, professor e homem de teatro, a fecundidade de sua obra aí também reside, e sobre o tema, talvez tenhamos poucas palavras a dizer.

 

Talvez devêssemos correr com a sua Julieta, em dança de roda-vida, corrupio de juventude e esperança.

 

Seria todo um debate-em-ação – texto, ensaio, verbete, tese, considerações de verbo incrustado em carne –, sobre um genial diretor que transforma atores que, em cena, são representantes das muitas artes do espetáculo.

 

 

Veja os verbetes de Cássia Navas e Antunes Filho na Teatropédia.

 

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