EN | ES

Alcides Nogueira por Tuna Dwek

Publicado em: 22/11/2012 |

Na noite da última segunda-feira (19), a produção “O Astro”, da Rede Globo, conquistou o Emmy Internacional, na categoria Novela.  O prêmio, considerado o Oscar da TV mundial, foi entregue durante uma luxuosa cerimônia, em Nova York.

A novela, de 2011, exibida na faixa das 23h, foi escrita por Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro, baseada no folhetim homônimo, de 1978, assinado por Janete Clair. Em seu elenco, Rodrigo Lombardi como o personagem principal, o vidente Herculano Quintanilha, além de Carolina Ferraz, Alinne Moraes, Daniel Filho, Regina Duarte e outros.

Para homenagear a conquista, a seção Bravíssimo desta semana traz uma homenagem de Tuna Dwek ao autor Alcides Nogueira, feita em forma de livro, a biografia “Alcides Nogueira – Lua de Cetim”, publicada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, na Coleção Aplauso (para ler a obra completa, clique aqui). A seguir, reproduzimos o prefácio:

“1981. A democracia brasileira engatinhava. Desde 1979 ensaiava passos de adulto. Alcides Nogueira descortinava, destemido, sua ‘Lua de Cetim’, espetáculo premiado com o Molière, no qual mergulhava no período compreendido entre o governo de Jânio Quadros e a promulgação da Lei da Anistia, em 1979. Levaria tempo ainda até que as vozes, antes caladas, retomassem a plenitude de sua expressão.

Em 1983, comemorava-se um certo ‘Feliz Ano Velho’, com texto baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, emblemático espetáculo de Alcides Nogueira, com direção do ator Paulo Betti. Um sucesso contundente, mais uma vez coroado com o prêmio Molière, traduzia a irreversibilidade do movimento democrático na sociedade e nas artes cênicas do País.

O autor, perplexo em sua sedutora timidez, esse mesmo homem que leva a paixão no sangue, desejava se ocultar da multidão, ainda sedenta de liberdade, que parecia gritar: ‘Queremos saber de Rubens Paiva!’, deputado federal declarado desaparecido político, indubitavelmente morto pela Ditadura Militar na década de 70.

Numa noite daquele mesmo ano – em que eu fazia parte da equipe de programadores da Divisão de Artes Cênicas e Música, coordenada pelo crítico de teatro Jefferson Del Rios – o público, em inconformada gritaria diante do cartaz de lotação esgotada, colocava abaixo uma porta de vidro do Centro Cultural São Paulo, onde se dava a estreia nacional da peça. Definitivamente, eram mordaças puindo de modo irreversível. Assim, nascia entre nós uma amizade com contornos de eternidade, que conta hoje com o privilegiado Aplauso desta coleção. Quando convidada pelos editores a compor esse perfil a quatro mãos, refiz um percurso que conta a história de minha geração, o traçado indelével da memória resgatada por essa partitura editorial.

Nossas conversas-entrevistas, não raro, se davam ao pé de um telefone até a alta madrugada, em que surgiam perguntas e lembranças que notívagos se permitem compartilhar. A influência da memória e do cinema na criação literária e dramatúrgica do autor se manifesta sem cessar, e se a realidade deu origem à ficção no teatro, o universo ilusório e mágico do cinema, do mesmo modo, não se dissociava da produção intelectual.

A televisão também é para Alcides um universo onde encontrou pessoas inesquecíveis, o espaço estimulante em que o trabalho árduo e disciplinado é recompensado a cada página, a cada capítulo, por uma abundância de prazer e energia vital. A cada fato relatado, uma série de digressões atravessava sua mente, e como em seus textos, ele conhece o caminho de volta e sabe retomar a reflexão no ponto em que parou. Assim, à riqueza de detalhes de sua trajetória se alia uma memória prodigiosa, na vontade de apresentar aos leitores a relação profunda e inegável entre a experiência de vida e a criação de uma obra.

Durante a execução do livro, foi possível sentir concretamente por que seu livro predileto é ‘Em Busca do Tempo Perdido’, de Marcel Proust. Seus mergulhos no tempo e na memória, a busca interior do que gera a paixão, que por sua vez gera a escrita.

Cada parto, como diz o autor referindo-se à criação dramatúrgica, era precedido de uma profunda gestação e algumas vezes seguido de um período de recolhimento. Lembranças vinham à tona, fatos e peculiaridades úteis ao livro, outras perguntas, curiosidades e um telefonava para o outro ou nos mandávamos e-mails para conversarmos a respeito e marcarmos mais uma entrevista ao vivo e em cores. Assim como as madeleines servidas por sua tia, e que Proust mergulhava no chá despertando lembranças, as reminiscências de Alcides não escolhiam hora para fazer surgir seu cheiro e sabor.

Assim, a cada encontro, a cada entrevista para a elaboração deste livro, voltava-me uma frase inesquecível do escritor francês Roland Barthes: ‘Lembrar-se apaixonadamente não é relembrar uma sucessão de acontecimentos, é rememorar inflexões… E não existe escrever sem uma decisão de generosidade em relação ao mundo… A escrita é um pouco, a cada vez, uma crise de bondade’.

Muitas das pessoas que permeiam a existência de Alcides Nogueira fundem-se na história da criação artística contemporânea e permitem reconstruir uma trajetória de resistência da cultura nacional. Encontrar o Tide – seu apelido desde adolescente – é sempre, e em particular no decorrer das entrevistas que deram vida a este livro, percorrer o escritor, cidadão, dramaturgo, irmão e pesquisador da história deste País de lutas e lirismo, nas conversas em que a emoção cunha as filigranas de uma alma”.