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A Prestação de Contas na Lei Rouanet

Publicado em: 23/04/2014 |

* Por Evaristo Martins de Azevedo, especial para o portal da SP Escola de Teatro

 

 

“Tá legal, eu aceito o argumento

Mas não me altere o samba tanto assim

Olha que a rapaziada está sentindo a falta

De um cavaco, de um pandeiro ou de um tamborim…”

(Paulinho da Viola)

 

 

Ao contrário do que muitos pensam, na Lei Rouanet, a etapa de prestação de contas de um projeto não fica apenas concentrada na conferência de notas fiscais e de custos, ou em comparações entre planilha orçamentárias e preços, ou somente em contabilidades financeiras.

 

Na Lei Rouanet, em sede de prestações de contas, deve o proponente comprovar também que cumpriu tudo aquilo que prometeu em seu projeto, além dos custos e despesas em si.

 

Será na prestação de contas que o proponente deverá, por exemplo, comprovar que vendeu os ingressos de seu espetáculo pelo preço prometido no projeto; e, também, que distribuiu gratuitamente a mesma quantidade de ingressos a qual se comprometera expressamente no “plano de distribuição” do Salic (Sistema de Apoio às Leis de Incentivo).

 

Assim, por exemplo, se um proponente diz que venderá os ingressos do espetáculo por R$ 10,00, não poderá, depois, a seu bel prazer (ou por sua conveniência!), vender os ingressos por R$ 50,00. Porque quando o projeto foi examinado pelo parecerista e pela CNIC, o valor do ingresso foi levado em consideração para sua aprovação. Ao contrário do que muitos pensam, não é apenas o valor total do projeto que define a aprovação do mesmo. A compatibilidade dos custos é confrontada aos valores previstos para os ingressos, que são comparados ao número estimado de público, que é comparado à quantidade de apresentações previstas, formando, assim, uma espécie de equação que resulta na aprovação do projeto. Ora, se, depois, em sede de prestação de contas, sabe-se que o ingresso foi vendido por preço maior do que aquele proposto verifica-se que aquela equação foi comprometida. Talvez o projeto não tivesse sido aprovado se, no momento correto, a proposta revelasse que os ingressos seriam, na realidade, cinco vezes mais caros…

 

Da mesma forma, também serão conferidos na prestação de contas de um projeto, se ele atendeu às obrigações de divulgar e publicar as informações sobre os preços promocionais dos ingressos ou das apresentações abertas ou, ainda, acerca dos ingressos gratuitos para as populações de baixa renda. Já sabemos que o proponente deve divulgar nas mesmas mídias em que divulgará seu espetáculo, as datas e outras informações relativas aos ingressos promocionais e aos gratuitos; assim, da mesma maneira, as peças publicitárias e de divulgação serão conferidas para saber se as tais informações foram, de fato, prestadas. E essas conferências também são feitas em sede de prestação de contas.

 

Outro exemplo daquilo que também é observado nas prestações de contas é o cumprimento das promessas de acessibilidade feitas no projeto. Se um projeto propõe a realização de um espetáculo em um teatro dotado de rampas, elevadores, banheiros adaptados e interprete em libras, não poderá, depois, mudar de idéia e alugar um teatro sem tais facilidades ou sem o referido profissional. A Lei não exige que um projeto tenha necessariamente um intérprete em libras, mas se o proponente espontaneamente promete essa vantagem, deverá, depois, cumprir o comprometimento feito.

 

Além desses exemplos, ainda compete ao proponente prestar as contas convencionais, de natureza financeira, na qual deverá comprovar os pagamentos corretos de todos os custos previstos na planilha orçamentária, por meio das notas fiscais respectivas, dos contratos com os fornecedores e dos devidos recolhimentos institucionais, administrativos, previdenciários e tributários.

 

Por outro lado, muitas vezes, dificuldades, casos fortuitos ou de força maior, ou outros imprevistos acabam acontecendo ao longo da execução de um projeto e que tornam necessárias algumas mudanças de planos inevitáveis ou de última hora. Nestas hipóteses poderá o proponente solicitar ao MinC as eventuais alterações e informar os motivos pelos quais teve que tomar providências extemporâneas ou diferentes das originalmente previstas. Caberá, então, ao Ministério da Cultura chancelar as alterações supervenientes para que sejam evitados problemas na prestação de contas.

 

Mas é impressionante o quanto os proponentes não têm se preocupado muito com essa etapa de seu projeto, como se o mesmo terminasse no dia da última apresentação do espetáculo. Não termina! Depois de encerradas as apresentações prometidas (e, sim, também deverá o proponente demonstrar na prestação de contas que fez, no mínimo, a mesma quantidade de apresentações que prometera no projeto originário!), ainda há um longo e burocrático percurso a trilhar para que seja, de fato, finalizado o projeto: a prestação de contas.

 

Até pouco tempo, as prestações de contas da Lei Rouanet eram pouco rigorosas em relação àquilo que não dizia respeito às contas em si. Hoje, contudo, o Ministério da Cultura tem entendido que também é dever de ofício seu, não só a análise dessas contas e dos documentos a elas relacionados, mas também a fiscalização e a conferência de todas as demais exigências da Lei e de seu sistema normativo. Porém, a obrigação de cumprir o que é prometido em um projeto sempre existiu. Mas, agora, o cumprimento dessas promessas e de cada comprometimento firmado está sendo atentamente observado e as explicações estão sendo solicitadas. Não basta mais, então, ao proponente, apenas dizer que vai cumprir a Lei. Ele deverá prestar contas com o MInC de forma muito mais minuciosa e detalhada, dentro de uma abrangência muito maior… E quando forem solicitadas as informações e as respectivas comprovações, ou quando chegarem as exigências e os questionamentos e (e eles certamente virão!), tudo o que foi prometido pelo proponente deverá ser comprovado… e se a “rapaziada” estiver sentindo falta de “um cavaco, de um pandeiro ou de um tamborim”, não poderão faltar os argumentos…