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A maior oportunidade da face da tela: crítica da peça “Mulher, Imagina!”

Publicado em: 02/11/2023 | por: Lena Giuliano

Crítica teatral: curso de extensão na SP Escola de Teatro. | Foto: Reprodução

Crítica da peça “Mulher, Imagina!”, texto produzido durante a oficina “Olhares: Poéticas e Possibilidades da Crítica Teatral”, curso gratuito de extensão cultural da SP Escola de Teatro, ministrado por Amilton de Azevedo. A peça foi assistida durante o Festival Satyrianas 2023, em outubro de 2023.

“Ninguém aqui é de Minas Gerais, você nasceu em Higienópolis!”, relembra uma das artistas de “Mulher, Imagina!” do grupo As Olívias, quando, em busca de ideias de argumentos para uma série, com prazo apertado, sua colega começa a cantar Para Lennon e McCartney, de Milton Nascimento, como ideia de abertura. Através do humor que fundamenta o grupo, o espetáculo traz uma sala de roteiro em que As Olívias – que na verdade se chamam Marianna Armellini, Renata Augusto e Sheila Friedhofer – foram convidadas para escrever uma comédia para a Netflix sobre o “universo feminino” – termo que vira alvo de críticas cômicas e bem-feitas, inclusive pelo público. Ao pedir sugestões para essa oportunidade que é como ganhar na loteria, as atrizes receberam respostas como “calcinha”, “treta” e “sofrimento”.

Logo nos primeiros minutos percebe-se que a peça, escrita e dirigida por Michelle Ferreira, seguirá aprofundando a crítica feminista sobre a produção audiovisual, seja pela falta de mulheres nas salas de roteiros mais caras da indústria, seja pela forma como as personagens mulheres são escritas por esses homens. Mas não para por aí: As Olívias também ironizam a classe média prepotente por falar inglês e as produções audiovisuais que dominam toda a indústria da narrativa – e, inclusive, também provoca o espectador ao pensar sobre o limite entre a cultura e o entretenimento. A trilha sonora é composta por abertura de séries como Friends, Seinfeld e Breaking Bad, enquanto elas têm a árdua tarefa de, em menos de uma semana, escrever o pitching, a logline, o argumento, a descrição de personagens e o piloto de uma série de oito episódios de quarenta minutos cada. 

Essa costuma ser a vida do artista de teatro no Brasil. Fora dos palcos, há expressões colonizadas, prazos abusivamente curtos e poucas empresas gigantes que competem pelo monopólio de uma indústria. As Olívias é um grupo que se formou na Escola de Arte Dramática da USP, – como elas citam diversas vezes, em uma arrogância debochada – uma das escolas tradicionais que forma artistas de teatro de grupo que, ao se depararem com a cruel realidade depois da formatura, terão que dar conta de exigências de um mercado com moldes importados e de uma cultura que, apesar de ser pop, poucas vezes é popular. 

Depois de uma breve retrospectiva, em que contam sobre suas outras peças, sobre a série que fizeram no Multishow e sobre a saída abaladora de uma das integrantes, As Olívias se estabelecem frente ao público como grupo e até fazem um pedido apelativo para aumentar os seguidores do Instagram. Entra aí uma personagem masculina que incomoda as três roteiristas: o estagiário bem-educado e com boas ideias é transformado por elas, que escrevem também a história que acontece no palco, em um entregador de pizza fanático pelo grupo, que depois vira um narcotraficante. Todas se drogam e encenam “Hamlet”, que começa com uma interpretação que propositalmente exagera o drama e termina com um discurso de uma Ofélia empoderada que parece querer reafirmar de forma explícita a posição feminista do espetáculo, que já estava muito bem posicionada.

As mulheres terminam, finalmente, a tarefa, mas não têm a oportunidade de enviar seu trabalho à Netflix: estão sendo julgadas de “machistas” na internet após um resgate de um vídeo de seu primeiro espetáculo, estreado em 2005. Por sorte, aparece em seguida uma oportunidade da HBO, que também está interessada no “universo feminino”, e, assim, As Olívias podem explicar o que é Deus ex machina e outras expressões de “manuais de roteiro” que fazem parte da estrutura da peça, como ticking clock e flashback. “Mulher, Imagina!” leva aos palcos a realidade da indústria que o teatro fora da indústria costuma querer afastar, nomeando árduos e cansativos trabalhos como jobs. O mundo real, virando o clube da esquina, por trás das câmeras e das coxias, não soa como uma música do Milton Nascimento. 

Ficha técnica

“Mulher, Imagina!”, d’As Olívias. Dramaturgia e direção: Michelle Ferreira. Elenco: Marianna Armellini, Renata Augusto, Sheila Friedhofer e Victor Bittow. Produção: Gustavo Sanna. Assistente de direção: Maíra de Grandi. Cenário e adereços: Michelle Ferreira. Figurino: Theodoro Cochrane. Iluminação: Laiza Menegassi. Design de som: Eric Budney. Assistente de produção: Raphael Carvalho.

Lena Giuliano é dramaturga, argentino-brasileira e estudante de Artes Cênicas na Universidade de São Paulo. Faz pesquisas na área de dramaturgia. Gosta de assistir literatura e ler teatro.




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