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A ARTE DA ESCUTA

Publicado em: 20/12/2013 |

* por Marici Salomão, especial para o portal da SP Escola de Teatro

 

Sinto-me muito forte no propósito de contribuir para a formação de novos dramaturgos. Passei pelo aprendizado com dois grandes mestres (LUÍS ALBERTO DE ABREU e ANTUNES FILHO), por cerca de 10 anos, somando a passagem pelo NÚCLEO DOS DEZ e o CÍRCULO DE DRAMATURGIA DO CPT, quase toda a década de 90 e início dos anos 2000. Quando penso nisso, no tempo que tive de compartilhamento com os mestres, sinto-me ainda mais forte. Tenho uma responsabilidade, mais do que isso, a missão de auxiliar no despertar de mentes para a dramaturgia.

 

Curiosamente, neste momento relaciono a emoção da responsabilidade às duas semanas de AVALIAÇÕES INDIVIDUAIS, com os aprendizes da MANHÃ e da TARDE, do curso de DRAMATURGIA. Com meu ótimo parceiro ALESSANDRO TOLLER, conversamos com cada aprendiz, tanto os que estão se formando como os que continuam conosco no semestre que vem. Um grande aprendizado: a cada dia, tecemos juntos, de ambos os lados, formador e aprendiz, a arte da ESCUTA, para depois elaborarmos considerações sobre o que faltou, o que podia ser melhor, em que falhou-se, como deveria e/ou poderia ter sido, por que repetir um módulo, por que ter uma ressalva ou seguir em frente sem se preocupar. A escuta é um papel que exercemos a cada módulo, potencializando os encontros em sala de aula e fora dela, mas termos levado essa escuta de maneira ampliada às avaliações foi de uma potência incrível. 

 

Só depois de escutar é que devemos falar. Em uma AVALIAÇÃO INDIVIDUAL, em que questões relacionadas a DESEMPENHO vêm à tona, de ambos os lados, temos que saber diferenciar o papel do punidor – que não nos interessa –, do papel do ORIENTADOR, o que MUITO nos interessa. Avaliação que envolve punição – sob o pretexto de “fazer o aprendiz” refletir e se modificar – atribui mais importância ao punidor do que ao punido. As regras do jogo estão na mão de um só – o que se sente no direito de “atingir” o outro. Ou seja, todos os direitos a quem pune; os deveres a quem é punido. Mas quando queremos de fato o crescimento, estamos prontos à escuta. Assim também senti os aprendizes, como se ali no fundo de nossos caminhos iluminados estivéssemos prontos a esse tipo de encontro.

 

A mim não interessa “atingir” o outro, mas “atingirmos” um ao outro, para crescermos juntos, sermos responsáveis na totalidade e não na fração. A punição define as partes, retalia; a orientação constrói o todo, expande a consciência. E acredito que só por meio da verdadeira ESCUTA podemos auxiliar na ORIENTAÇÃO justa, aquela que auxilia na condução do MELHOR caminho – artístico, ético, profissional, social. Desta maneira, menos traumas, menos sustos, na percepção que o melhor caminho, por exemplo, poderia ser o REFAZIMENTO do módulo ou a APROVAÇÃO com algum tipo de ressalva.

 

Penso que só assim teremos uma safra de NOVOS DRAMATURGOS que façam a diferença nas artes do país. Penso alto, longe demais? Sim, acho que tudo isso e um pouco mais. Sempre entendi o trabalho como missão e vou continuar entendendo assim, até que alguém queira me convencer do contrário. Estarei aberta à ESCUTA.