
Ricardo Grandi, por Bob Sousa
Produtor cultural, cineasta e idealizador do TEATROIQUÈ, Ricardo Grandi inaugura um novo capítulo na cena artística paulistana ao transformar um estúdio de cinema em um espaço cultural múltiplo, pensado para experiências estéticas integradas. Localizado no Butantã, o TEATROIQUÈ nasce com vocação para a convivência, a imersão e a liberdade curatorial. Com estrutura versátil, bares, ambientação sonora e uma proposta de ocupação aberta a diferentes linguagens, o espaço se apresenta como um território para viver a arte em sua amplitude. A estreia do espetáculo Odisseia: Instalação para um retorno, de Caetano Vilela, marca o início da programação e sinaliza o tipo de encontro sensorial e expandido que o lugar pretende abrigar. Nesta entrevista, Ricardo Grandi fala sobre a concepção do espaço, suas escolhas curatoriais e os caminhos que vislumbra para o futuro do IQUÈ.
Bob Sousa – O TEATROIQUÈ surge como uma proposta que rompe com o modelo tradicional de teatro, integrando arte, convivência e gastronomia em um mesmo ambiente. Como surgiu essa ideia e de que maneira sua experiência com o audiovisual influenciou essa concepção?
Ricardo Grandi – Como o estúdio tem uma infraestrutura que abriga produções cinematográficas e “múltiplas montagens cênicas de cinema”, entendemos que o espaço poderia ser usado também, de forma diferenciada, como teatro. Nisso, a experiência com o audiovisual permitiu um olhar diversificado para a montagem do espetáculo, pensando não só a cena, mas outros momentos para o público, como socialização, acesso a outros espaços do estúdio, como o deck ao ar livre, o bar com drinks e até mesmo experiências gastronômicas. Tudo sem que haja dispersão para outro lugar, transformando o Teatroiquè em um ambiente para agregar pessoas. Assim se produz no cinema também. Isso, por si só, fortalece a ideia de que, para além da apresentação cênica, também existem espaços a serem utilizados para atividades e experiências de convivência.
Bob Sousa – A escolha de inaugurar o espaço com Odisseia: Instalação para um retorno aponta para uma curadoria atenta à experimentação estética e à fusão de linguagens. Que critérios orientam a seleção dos projetos artísticos que o teatro pretende receber?
Ricardo Grandi – Quando escolhemos uma obra criada coletivamente entre atores e direção, com uma produção atenta ao processo, o objetivo era realmente fazer com que o espaço pudesse receber uma montagem de espetáculo que se apropriasse de várias frentes artísticas, como o telão de led móvel, luz de show, música ao vivo, gerando uma apresentação bastante imagética, que transmitisse a ideia de que o cinema está no teatro, assim como o teatro no cinema, fundidos numa única obra. Todavia também vamos trabalhar com peças tradicionais, com projetos mais orgânicos. Tanto que o nosso próximo projeto é “A Máquina” do João Falcão, que reestreia, depois da temporada de sucesso nos anos 2000. Queremos esse tipo de ocupação, que resgate projetos interessantes, fortaleça novos grupos, atenda os produtores interessados em projetos alternativos, fazendo com que a curadoria do Teatroiquè seja a mais plural possível para agradar todos os públicos.
Bob Sousa – Você mencionou a intenção de criar um lugar onde as pessoas possam “viver a cultura” de forma mais ampla, sem a lógica de deslocamento urbano. Como essa proposta de permanência e convivência moldou a arquitetura e a programação do espaço?
Ricardo Grandi – Particularmente como cadeirante, sinto uma dificuldade muito maior de deslocamento pela cidade, óbvio que isso cria um olhar diferenciado sobre a dificuldade de sair de um lugar para o outro, e traz o interesse de estar em um só lugar para viver várias experiências. Mas acredito que isso se aplica para outros tipos de público, inclusive o público corriqueiro do teatro, aos horários, a vida na cidade. Se for possível que o entretenimento possa se concentrar em um único lugar, isso facilita muito e pode promover uma experiência mais intensa. No Teatroiquè é possível ter um espetáculo teatral num determinado andar e um músico tocando ao vivo, em outro, sem que isso seja conflitante e que as programações estejam dispostas juntas, ao longo de um período. É uma aposta e o tempo vai dizer se vai dar certo ou não. Temos o espaço programado para produções cinematográficas e isso permite que parte do público que frequenta o teatro esteja nesse lugar aproveitando o que o ambiente pode oferecer, ou o contrário. Cursos, cafés, monólogos, muita coisa pode acontecer.
Bob Sousa – O TEATROIQUÈ está preparado para acolher não só teatro, mas também música, performance, festas e outras formas de expressão. Como você imagina o diálogo entre esses diferentes públicos e artistas dentro da mesma casa?
Ricardo Grandi – O espaço tem que fazer nascer uma agenda. Desde que as agendas das peças não se confundam com as de eventos empresarias, festas, ou outras atividades, se acomodando assim em uma dinâmica de ocupação, não há motivo para se preocupar com o que vai acontecer. Preservando a necessidade de cada um, assim como as possibilidades, basta que haja modularidade, porque o espaço é pensado com essa característica modular. Não se perde a característica do estúdio, há uma adaptação para as peças teatrais, pode-se receber eventos de vários tipos. Não há conflitos desde que a dinâmica das agendas seja respeitada. É possível abraçar várias possibilidades de boas interações.
Bob Sousa – Pensando no futuro, quais são seus planos para a consolidação do TEATROIQUÈ como referência cultural na cidade? Há iniciativas previstas para formação, residências ou parcerias com artistas e instituições?
Ricardo Grandi – Sim, temos planos de fazer mais do que as atividades corriqueis do teatro: cursos, palestras, eventos. Os profissionais da classe teatral, os artistas, em geral, os produtores, todos estão carentes de lugares que possam reunir pessoas interessadas em fortalecer o mercado. Tudo isso está na nossa mira. O futuro dirá como isso será possível. Como produtor, acredito que há um planejamento, um percurso pela frente, mas acredito que tudo é possível dentro de um espaço de mais de 1200 m² de área construída, que comporta salas menores, teatro, recintos. O planejamento está sendo construído.