Marichilene Artisevskis construiu uma trajetória marcada pela versatilidade e pela profundidade criativa no universo do figurino. Formada pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo e em Modelagem pelo Senac, iniciou sua carreira na TV Cultura, em 1979, e desde então vem expandindo sua atuação no cinema e no teatro. Reconhecida com o prêmio de melhor figurino pelo longa De Passagem (2002), dirigido por Ricardo Elias, consolidou-se como uma das figurinistas mais relevantes da cena contemporânea. No teatro, soma colaborações com diretores como Clara Carvalho, Kiko Marques, Elias Andreato, Nelson Baskerville, entre outros, em montagens que vão de clássicos como Hedda Gabler a criações autorais recentes como Das Tripas – Sete Histórias, Cartas Libanesas e A Médica. Em sua trajetória, figurinos se tornam mais do que vestimentas, são camadas narrativas que dialogam com os corpos, os tempos e as atmosferas cênicas. Nesta entrevista, ela reflete sobre seu percurso, os desafios de criar para o palco e o lugar do figurino na construção de sentidos teatrais.
Bob Sousa – Sua trajetória passa pela televisão, pelo cinema e pelo teatro. O que a experiência em cada uma dessas linguagens trouxe de aprendizado específico para a criação de figurinos?
Iniciei minha carreira na TV Cultura, onde todo o meu aprendizado veio das assistências de figurino que fiz para os Teleteatros e programas infantis, até começar a assinar meus próprios figurinos. Foi uma escola. Saí da Cultura e comecei no teatro fazendo assistência, também para entender a dinâmica do teatro, até assinar meus próprios figurinos, e a mesma coisa no audiovisual. Os três têm linguagens bem diferentes, cada um no seu formato, e adaptar-me a essas linguagens me ensinou as várias possibilidades de se fazer figurino. Na TV, tive o contato inicial com a criação e desenvolvimento de personagens que mesclavam entre o fantasioso e o real. Já no teatro, a experiência foi mais impactante, por ser tão próximo do espectador, e com a construção da possível duração desse figurino para uma temporada, aprendi a importância do envelhecimento, truques com as costureiras para facilitar a troca, e também aprendi que o figurino precisa ser invisível, só assim ele estará correto. Já no audiovisual, a prática e a importância de saber fazer uma produção, ir nos lugares certos para cada figurino, faz toda a diferença. No cinema, a importância do detalhe e texturas me fez ter essa referência, mesmo que ninguém veja.
Bob Sousa – No teatro, muitas vezes o figurino é uma extensão dramatúrgica. Como você constrói essa relação entre roupa, corpo do ator e atmosfera cênica?
Sim, o texto é muito importante para o desenvolvimento da criação. Existem textos bons e textos ruins, e é preciso saber analisá-los e se aprofundar neles para que o entendimento entre a direção, figurino e personagens aconteça. Nos ensaios, sempre observo o corpo e a movimentação para que não haja erros e dificulte o trabalho do ator. Tudo precisa estar sincronizado: texto, direção, luz, cenário e figurino, para que o melhor aconteça no palco. O teatro é um trabalho coletivo.
Bob Sousa – Em espetáculos tão diversos como Hedda Gabler, A Médica e Cartas Libanesas, quais foram os principais desafios criativos para traduzir universos tão distintos em figurino?
Faço muita pesquisa, análise de texto e, durante os ensaios, procuro entender o que a direção solicita e o que o corpo do ator pede. Quando o texto é de época (Hedda e Cartas), sempre tento não caracterizar ou datar a época a que se refere, acho que o teatro não tem essa função (coisa que o audiovisual faz com excelência). Em vez disso, busco entender a natureza da personagem e como ela se constrói. Na Médica, um espetáculo completamente contemporâneo, tento também não datar, e acabo fazendo uma mistura de várias linguagens.
Bob Sousa – Você foi indicada ao Prêmio Shell em mais de uma ocasião. Como encara esse reconhecimento em relação ao seu processo artístico?
É legal ter esse reconhecimento, é importante, mas em relação ao meu processo artístico, não muda nada. Cada processo é uma nova história que começa, e isso é um desafio que me interessa.
Bob Sousa – O figurino dialoga com a memória, com a cultura e com o tempo histórico. De que maneira essas dimensões atravessam o seu trabalho e se refletem nas suas escolhas estéticas?
O figurinista precisa ter conhecimento e técnicas, ter afinidades com o bordado, o artesanal, procurar por texturas, transformar um tecido, ter noção de como construir uma roupa, entender a história, para assim construir uma personagem exercitando um novo olhar para ela.