
Márcia Marques, por Bob Sousa
Fundada em 1993, a Canal Aberto Eventos e Assessoria de Imprensa tornou-se uma referência nacional no campo da comunicação cultural, com um portfólio extenso que inclui a divulgação e promoção de artistas, grupos e eventos de grande relevância no cenário brasileiro. Sob a liderança da relações públicas Márcia Marques, a empresa construiu uma trajetória sólida e respeitada, contribuindo para o fortalecimento da presença da arte, da cultura e do pensamento crítico na mídia. Ao longo de mais de três décadas, a Canal Aberto participou da comunicação de festivais importantes como a MITsp, o Mirada, o Festival do Teatro Brasileiro, o CIRCOS, entre outros, além de colaborar com nomes expressivos da literatura, da música, das artes visuais, do circo, da dança e, especialmente, do teatro. Nesta entrevista, conversamos com Márcia Marques sobre os desafios, aprendizados e transformações que marcaram sua atuação no campo da assessoria de imprensa cultural.
Bob Sousa – Ao longo de mais de 30 anos de atuação, a Canal Aberto acompanhou transformações significativas no mercado cultural e na própria mídia. Quais foram os principais desafios enfrentados pela assessoria de imprensa cultural nesse período e como vocês se adaptaram a essas mudanças?
Márcia Marques – Tive meu primeiro contato com a imprensa na década de 1990, em um cenário muito diferente do que vemos hoje. Era uma época de fartura: havia muitos veículos, cadernos culturais, seções específicas e espaços generosos para a cobertura das artes. Grandes textos analíticos eram publicados com profundidade, e os assuntos culturais costumavam se concentrar em áreas clássicas como teatro, dança, literatura, música, cinema e artes visuais. Além disso, existia o interesse genuíno dos jornalistas setoristas em acompanhar a cena artística, acompanhando o percurso de companhias e artistas ao longo do tempo.
Hoje, esse cenário se transformou drasticamente. Os cadernos e pautas culturais são, em grande parte, ocupados por conteúdos que dialogam diretamente com o mercado, privilegiando produções com potencial de alcance imediato. Há menos espaço para o risco, para o processo criativo, para o experimental e o emergente. É como se o mundo tivesse multiplicado exponencialmente sua população e seus assuntos, enquanto os espaços disponíveis na mídia espontânea tivessem encolhido na mesma proporção.
Entre os anos 1990 e os atuais anos 2020, atravessamos diversas fases: o boom dos blogs, a bolha das redações digitais — que não se sustentaram como se previa —, o surgimento e a transformação das redes sociais, e agora, uma disputa aberta entre essas plataformas e o jornalismo tradicional. Hoje vemos as redes se apropriando do jornalismo, e o jornalismo, por sua vez, se pautando com frequência por conteúdos que já repercutiram nas redes. É uma amálgama de interesses, em que o mercado, em última instância, dita as prioridades.
As assessorias de imprensa também precisaram se adaptar continuamente. No início, o contato com jornalistas se dava por correio, fax ou visitas às redações. Com a chegada do e-mail, tudo mudou: o envio de releases e o follow-up passaram a ser os principais canais de comunicação. As redações encolheram, e os jornalistas passaram a acumular várias editorias e funções. Setoristas especializados em teatro ou dança praticamente desapareceram, assim como a crítica nos veículos impressos se tornou cada vez mais rara.
Na televisão aberta, os espaços culturais existem principalmente em agendas e coberturas mais voltadas ao que já é conhecido do público. Programas dedicados exclusivamente à cultura são raros. Por outro lado, as redes sociais ganharam relevância e hoje desempenham um papel essencial na formação de plateia, na mobilização de públicos e até na venda de ingressos, especialmente em perfis voltados para teatro, dança e circo.
Ainda assim, é inegável que a chancela da grande imprensa continua sendo estratégica. Ter um espetáculo publicado em um jornal, revista ou programa de TV reforça sua credibilidade, contribui para sua circulação em instituições culturais no Brasil e no exterior, e consolida o projeto diante de curadores e programadores. Claro que bons jornalistas ainda podem identificar uma pauta de forma autônoma, por interesse próprio — mas, na maioria dos casos, as grandes matérias passam, sim, pelo trabalho criterioso e persistente da assessoria de imprensa.
Bob Sousa – A Canal Aberto tem um histórico intenso de parceria com festivais como a MITsp e o Mirada, além de grupos de teatro e companhias de dança renomados. Como é o processo de construção de uma comunicação estratégica para o universo artístico e coletivos tão diversos, e quais aspectos você considera fundamentais para o sucesso dessas campanhas?
Márcia Marques – O grande divisor de águas na minha trajetória foi a MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo. Foi em 2014, com uma comunicação pensada estrategicamente desde o início, que passei a atuar diretamente na assessoria de festivais nacionais e internacionais. Em 2015, participei do Circos; em 2016, do Mirada e do Festival de Música de Câmara; e, em 2017, estive à frente da assessoria do FIT – Festival Internacional de Teatro. Todos esses eventos, realizados pelo Sesc SP, marcam um ponto de inflexão na minha atuação com grandes festivais de artes cênicas e música. Desde então, sigo com um trabalho contínuo com a MITsp e em outras edições desses festivais, além de projetos como a Farofa do Processo, da Corpo Rastreado, o Festival Risco, o TePI – Teatro e Povos Indígenas, o Língua Mãe e o Acessa BH.
Pensar a comunicação estratégica para um festival envolve, antes de tudo, compreender a programação. É ela que determina as possibilidades de pauta, os recortes temáticos que podem ser explorados na imprensa. Alguns festivais já trazem uma temática central, como o TePI ou o Risco, enquanto outros permitem múltiplos desdobramentos — seja pela relevância do artista convidado, pelo modo como a obra se constrói em cena (ou fora dela), por colaborações internacionais, interferências no espaço urbano ou pela urgência dos temas abordados.
Um exemplo disso foi em 2018, na MITsp, quando criamos um grupo de gerenciamento de crise antes mesmo da estreia, antecipando possíveis reações do público e da imprensa, já que algumas obras da programação tratavam de temas sensíveis. Esse tipo de ação preventiva é essencial, por exemplo quando há animais em cena ou quando os temas podem gerar controvérsia. A comunicação precisa estar atenta, não apenas reativa.
As estratégias para lançamentos em temporada, por outro lado, têm outra dinâmica. Muitas vezes, assessores de diferentes projetos se unem para construir pautas coletivas em torno de um mesmo eixo temático, mas com abordagens distintas. Já desenvolvemos ações assim para espetáculos que abordavam alimentação, saúde mental, literatura nos palcos — criando uma costura entre trabalhos diferentes, mas com pontos em comum. Essa articulação permite oferecer à imprensa um recorte mais amplo e atrativo, e aumenta as chances de inserção.
A assessoria precisa ser criativa e propositiva. Encontrar caminhos, criar conexões, articular espaços — seja numa grande matéria, numa agenda, numa entrevista ou numa pauta temática. É da somatória dessas aparições que um espetáculo vai construindo seu lugar na mídia e consolidando seu clipping.
Bob Sousa – Acredita-se que a assessoria de imprensa seja uma ponte entre artistas, projetos e a sociedade. Como você enxerga o papel da comunicação cultural hoje, especialmente em tempos de redes sociais e fluxos de informação acelerados? Quais caminhos você acredita que a assessoria deve trilhar para continuar relevante e ética nesse contexto?
Márcia Marques – Estamos em um tempo em que você pode pedir às plataformas de inteligência artificial para criar um release sobre sua pesquisa acadêmica aplicada a um espetáculo no qual você atua, dirige ou produz. Em tese, tudo pode parecer muito fácil. Mas, uma vez esse texto pronto, mesmo que minimamente coerente, ainda que excessivamente adjetivado, o que fazer com ele? A assessoria de imprensa não se resume à escrita. São as técnicas de distribuição, o relacionamento construído ao longo do tempo e a credibilidade da fonte que fazem com que esse conteúdo seja lido, publicado e considerado dentro do contexto do jornalismo cultural. Além disso, a assessoria garante a divulgação correta de informações fundamentais, como o número de sessões realizadas, a nomeação adequada da ficha técnica e outros dados determinantes para que o espetáculo possa, por exemplo, ser avaliado por júris ou incluído em premiações da área.
O jornalista, o crítico ou o jurado precisa confiar que o conceito da obra, a equipe envolvida e o serviço estejam corretos. É dessa confiança que nasce um bom relacionamento, inclusive com os perfis de redes sociais.
Como seria um mundo cultural sem as assessorias? Onde estaria a informação oficial? Hoje, muitos artistas e companhias deixaram de manter sites e apostam apenas em portfólios nas redes. Mas esses espaços são instáveis e podem sair do ar a qualquer momento. E, com isso, todo o histórico pode simplesmente desaparecer. Já vi isso acontecer com o fim do Orkut e com a exclusão de um canal meu no YouTube, em que tudo foi perdido. As redes sociais pertencem a quem as criou, não aos usuários que as alimentam.
A assessoria de imprensa cultural, esportiva, política ou voltada ao terceiro setor é parte fundamental de um ecossistema mais amplo, que é a Comunicação. Ela se articula com mídia paga, impulsionamentos, influenciadores, material gráfico e até campanhas em mobiliário urbano, como acontece no Festival Mirada, realizado pelo Sesc SP em Santos. Cada uma dessas frentes atua de forma complementar, com diferentes linguagens e meios. Há público consumindo conteúdo em todos os formatos, do TikTok ao rádio, do podcast à matéria impressa. Ainda existe quem leia o programa entregue na porta do teatro, assim como há quem publique resenhas nas redes logo após a peça. A internet amplia e democratiza a visibilidade das opiniões. Mas seria ideal que a grande mídia também mantivesse seus críticos, para que diferentes olhares continuassem circulando e enriquecendo o debate.
Se a grande mídia passou a acolher o que viraliza nas redes, o jornalismo sério segue exigindo apuração, escuta, checagem e fontes confiáveis. A assessoria de imprensa é esse ponto de partida para um fluxo consistente de informação. Se antes os temas eram mais restritos, hoje a multiplicidade de pautas e formatos exige das assessorias um perfil mais estratégico, atento e especializado. O jornalista, diante da velocidade e da sobrecarga de demandas, precisa cada vez mais de uma ponte sólida, profissional e ética.
Ter muita informação disponível pode parecer um privilégio, mas também é um desafio. É um oceano em constante movimento. E navegar bem por ele exige preparo, experiência e responsabilidade. Bons profissionais da comunicação continuam sendo fundamentais para garantir que as vozes artísticas sejam ouvidas com profundidade, precisão e relevância.