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VER O OUTRO: Bob Sousa entrevista Dib Carneiro Neto e Dane de Jade

Publicado em: 15/07/2025 |

Dib Carneiro Neto, por Bob Sousa

 

O FIT Rio Preto 2025 chega com fôlego renovado e uma programação marcada por amplitude, ousadia e articulação territorial. Ao todo, são 47 obras oriundas de nove estados brasileiros e cinco países, em 111 apresentações gratuitas espalhadas por dez regiões da cidade. O desafio de dar forma a esse mosaico vibrante coube aos curadores Dane de Jade e Dib Carneiro Neto, que assinam juntos uma edição comprometida com a pluralidade das linguagens e com o diálogo entre arte, território e formação de público.

Ela, artista, educadora e gestora cultural com longa trajetória na cena rio-pretense e no interior do Brasil, reforça o papel do festival como plataforma de inclusão, afeto e desenvolvimento local. Ele, crítico teatral e dramaturgo reconhecido nacionalmente, contribui com sua escuta apurada da cena contemporânea, equilibrando relevância estética e diversidade temática. Juntos, articulam uma curadoria que valoriza as potências do teatro como linguagem em movimento.

Nesta entrevista, Dane e Dib comentam as escolhas que nortearam a curadoria desta edição histórica: a descentralização radical das ações pela cidade, a presença marcante de obras premiadas e inéditas, a valorização da cena local e das infâncias, a aposta em experiências imersivas e a conexão com artistas e coletivos de diferentes contextos culturais. Um panorama técnico e sensível do que significa fazer curadoria de um dos maiores festivais de teatro do país — com olhar contemporâneo, compromisso público e paixão cênica.

Bob Sousa – A edição 2025 amplia o alcance territorial do festival, com apresentações em todas as dez regiões da cidade e a criação da plataforma de desenvolvimento da cena local. Como essa descentralização foi pensada dentro da curadoria e quais critérios definiram os locais e formatos mais adequados para cada obra?

Dane de Jade – A descentralização no FIT Rio Preto 2025 marca um esforço para envolver o território, um pilar fundamental, que tem um olhar atento para democratização do acesso à programação, além de fortalecer a relação do festival com a comunidade. Estruturar uma curadoria torna necessário pensar tanto na obra como nos espaços em que ela vai habitar, numa perspectiva maior, pensar como essa obra se estabelece no local, qual a função entre a cidade e a sociedade, para quem, quais os lugares… São questões nas quais se ancora uma curadoria. A escolha dos locais e estrutura para cada obra artística faz parte de um processo coletivo e cuidadoso, pautado pela busca de uma programação plural, diversificada e adaptada aos diferentes espaços para fruição dos espectadores. A equipe do FIT Rio Preto tem se dedicado a essa questão com muito zelo.

 

Bob Sousa – A curadoria deste ano dialoga com diferentes faixas etárias, estéticas e públicos, incorporando também ações formativas e imersivas. Como foi feita a articulação entre programação artística e as dimensões pedagógicas do festival, como oficinas, mediações e atividades para as infâncias?

Dane de Jade – Os festivais são, por si, espaços de trocas e encontros, mas, acima de tudo, espaços de natureza formativa, onde se aprende em todos os aspectos, desde a produção até a exibição da obra. Acredito na curadoria quando esta estabelece uma relação com a educação dos sentidos. Por isso, ela pressupõe pensar em todas essas ações — no sentido da arte —, em experiências transformadoras, de forma que essas escolhas são fundamentais para estruturar a ação pedagógica de um festival. Pensamos numa abordagem curatorial que transforma o festival em um laboratório de aprendizagem. Ao invés de ser apenas uma sequência de espetáculos exibidos, ele se torna um espaço dinâmico de interação, onde o público é convidado a desenvolver sua percepção crítica e estética, tanto por meio da fruição, como da formação. Esse pensamento não apenas apresenta a obra de arte, mas também estimula o diálogo entre públicos diversos, por isso a importância das atividades para infância, que são estímulos para o diálogo, a reflexão e o engajamento como extensão direta da programação. Isso significa que, muitas vezes, as atividades pedagógicas não são apenas complementos, mas sim desdobramentos das temáticas ou estéticas presentes nos espetáculos que compõem a programação. As oficinas trazem linguagens e pensamentos que podem facilitar a compreensão e o debate sobre os temas abordados, incluindo as atividades para o público infantil. A articulação entre a programação artística e as dimensões pedagógicas é de fundamental importância para complementar a experiência vivenciada durante o festival.

 

Bob Sousa – A Mostra Internacional de Teatro Lambe-Lambe e o “Rolezinho do FIT” são inovações desta edição que reforçam a valorização de linguagens populares e ações voltadas à infância. Como essas iniciativas se alinham à sua perspectiva de curadoria como prática afetiva, inclusiva e formadora?

Dane de Jade – Essas inovações se encaixam perfeitamente na nossa visão de curadoria. Acredito na sinergia que se formou entre Dib e eu, impulsionada por uma busca eficaz para construção da programação que fosse afetiva, inclusiva e formadora e que valoriza todas as linguagens artísticas. O Teatro Lambe-Lambe, por exemplo, com sua intimidade e acessibilidade, reflete o desejo de levar a arte diretamente às pessoas, o que traz uma singularidade na experiência, uma ação assinada por João Darte e Guilherme Hernandes, que alcança um público diverso. Isso é inclusivo por natureza, permitindo que a magia do teatro aconteça em qualquer canto. Já o “Rolezinho do FIT” é uma ação fundamentalmente formadora, pensada para a infância. Ao guiar as crianças pelo universo do festival, o FIT oferece a oportunidade de uma imersão lúdica que estimula a curiosidade, a percepção artística e a imaginação desde cedo. Essa iniciativa não só diverte, mas planta a semente de futuros apreciadores e criadores de arte. Quando a gente vê essas duas iniciativas valorizando a linguagem popular e dialogando diretamente com a infância, reforça uma curadoria que acredita no poder transformador e a sua capacidade de educar. Elas conseguem tocar o público de um jeito que não se esquece, consolidando uma prática artística e cultural que precisa de uma atenção especial no campo das políticas públicas. Afinal, é preciso dar conta desse universo intenso e potente que é um Festival!

 

Bob Sousa – A programação reúne 47 obras de nove estados brasileiros e cinco países, refletindo forte diversidade territorial e de linguagem. Quais foram os principais critérios e desafios no equilíbrio entre as produções locais, nacionais e internacionais durante o processo curatorial?

Dib Carneiro Neto – Desde o início do processo de escolha, fomos orientados pela coordenação artística do Festival, a cargo de Marcelo Damian Zamora, a procurar traduzir na programação o tema deste ano: “FIT é de todos.” Deveríamos perseguir a diversidade, a pluralidade, inclusive de faixas etárias, e não exagerar na quantidade de espetáculos vindos da mesma cidade, embora seja inevitável que, de alguns Estados, haja maior leque de ‘ofertas’. Também tivemos plena liberdade temática. Fomos avisados de que nenhum assunto seria interditado. Houve este ano o cuidado de garantir obrigatoriamente dez vagas para produções locais, ou seja, contemplando grupos teatrais sediados em São José do Rio Preto. Essa etapa não foi por indicação, mas por seleção dos curadores com base em inscrições prévias dos grupos. Foi muito prazeroso constatar, em mais de meia centena de inscrições, o quanto é plural o fazer teatral da cidade. Foi penoso peneirar apenas dez.

 

Bob Sousa – Muitos dos espetáculos da edição 2025 têm forte apelo visual e estético, além de propostas que tensionam a relação com o espectador, como experiências imersivas e teatro documental. Como a curadoria trabalhou a composição dramatúrgica e visual da grade para garantir uma narrativa coerente e impactante ao longo dos dez dias?

Dib Carneiro Neto – A verdade é que, com um tema tão amplo quanto “FIT é de todos”, fica mais fácil montar uma programação cuja principal meta é ser plural, ou seja, sem um conceito muito fechado e específico. Quanto mais o dia oferecer opções diversas mais a meta foi cumprida. Isso facilita a curadoria. Em um mesmo dia, várias linguagens, várias faixas etárias de público e assim por diante. O conceito fechado é ser um conceito aberto. Claro, não se trata de “jogar” aleatoriamente com as peças, mas a coerência e o impacto deste ano ficam marcados mesmo pela tentativa de ser um festival amplo e diverso. A ideia é ouvir do público: “Nossa, hoje vi três espetáculos, um completamente diferente do outro, e gostei dos três.”

 

Bob Sousa – A presença de obras premiadas nacionalmente e a estreia de produções inéditas revelam uma curadoria atenta ao que há de mais relevante na cena contemporânea. Como foi feito o mapeamento dessas criações e o diálogo com festivais, críticos e redes de circulação durante o processo de seleção?

Dib Carneiro Neto – Tanto eu como Dane de Jade, os curadores recrutados este ano, circulamos muito por festivais Brasil afora e, muitas vezes, no Exterior. Nosso diálogo com críticos, redes e outros curadores é uma constante em nossa vida profissional. A bagagem vai se acumulando e preenchendo nossas mentes de peças boas, vistas e aplaudidas por nós, ano após ano. Sermos convidados para cuidar da programação de um festival nos dá a chance de dar vazão a toda essa ‘lista de maravilhas’ que fica montada em nossa cabeça anualmente. Assim, cada curador sugeriu sua lista de espetáculos e a coordenação artística do FIT fez o mix, a mescla, o blend. Claro que nessa hora de montar a grade, a conversa é sempre entre produção do festival e produção da peça, ou seja, não entram só os critérios ditos artísticos, pois há que se levar em conta o interesse e as agendas dos grupos. Uma das frustrações da curadoria artística é querer incluir alguma peça e não conseguir por falta de disponibilidade da companhia e até de acerto de cachês. Mas isso faz parte do processo. No frigir dos ovos, o que fica de bom é constatar mais uma vez o quanto há de qualidade cênica espalhada por todos os cantos do Brasil. Isso jamais cabe nos limites de duração e orçamento de qualquer mostra. Escolher é cortar, não só incluir. Eis a fonte maior da angústia do curador.