
Denise Stoklos, por Bob Sousa
Referência incontornável do teatro brasileiro contemporâneo, Denise Stoklos retoma um dos solos mais emblemáticos de sua carreira internacional: Mary Stuart. O espetáculo, que estreou no lendário Café La MaMa, em Nova York, em 1987, marcou o nascimento do que a artista definiu como Teatro Essencial — uma proposta cênica radical baseada exclusivamente na presença do ator, sua voz e seu gestual. Trinta anos após sua última temporada regular em São Paulo, a montagem volta à cena no Teatro Estúdio, reafirmando a força inventiva de Stoklos e a atualidade de seu discurso. No palco, com apenas uma cadeira e um foco de luz, a atriz interpreta duas rainhas rivais, Mary Stuart e Elizabeth I, para discutir temas como opressão, liberdade e a luta pelo poder. Entre o trágico e o cômico, o espetáculo constrói uma linguagem própria, profundamente filosófica e política, que consagrou Denise como uma das grandes criadoras da cena teatral mundial. Aos 75 anos, com 57 de carreira, ela celebra esse reencontro com o público em um momento que reafirma não apenas sua trajetória, mas também a permanência de um teatro que se renova pela essência.
Bob Sousa – Mary Stuart marcou o nascimento do Teatro Essencial e teve impacto internacional imediato. O que mudou em sua relação com essa obra ao longo dos anos, e o que permanece absolutamente inalterado?
Denise Stoklos – Mudou foi minha perspectiva do que aparentemente era mais localizado mas que se mostrou universal. Desde então pouco foi alterado e agora na remontagem dei uma enxugada, mas não mudou o ritmo nem a coreografia nem o texto do espetáculo, em suma, é o mesmo.
Bob Sousa – O espetáculo propõe um discurso crítico sobre o poder, mas com um humor demolidor que desconstrói as expectativas. Como você articula esse equilíbrio entre riso e tragédia, sem comprometer a densidade da reflexão?
Denise Stoklos – Isso vem das bases do próprio teatro, a tragédia e a comédia convivendo com equilibrado compasso e acerto. Ou mesmo a impressão inicial de desacerto que cria uma nova síntese ao espectador. Conto com essa dialética.
Bob Sousa – O solo exige precisão técnica extrema e um domínio completo do gesto e da palavra. Como foi o processo de remontagem do espetáculo agora, tantos anos depois, e que desafios específicos essa recriação lhe impôs?
Denise Stoklos – Pois na revisitação a esta montagem me deparei com um nível de memória física e verbal que me surpreenderam. O mesmo aconteceu com a remontagem do espetáculo “Elis Regina”. Acredito que seja um fenômeno próprio do teatro, quanto mais se faz com inteireza mais permanece ao alcance de reconstrução.
Bob Sousa – O retorno da peça coincide com seus 75 anos de vida e 57 de carreira. Que reflexões esse momento desperta em você sobre sua trajetória, seus princípios artísticos e o teatro que ainda deseja fazer?
Denise Stoklos – Permaneço fiel aos princípios que regem o teatro essencial: o ator como fonte principal da comunicação dramatúrgica. Mas estou me abrindo para outras experiências como co-direção com Alessandra Maestrini e mesmo participar de peças que não sejam do gênero solo performance, como “Amanhã” que Miguel Falabella está escrevendo para nós duas.
Bob Sousa – O Teatro Essencial nasceu como uma ruptura, mas também como um manifesto de liberdade. Em um mundo contemporâneo saturado por imagens e distrações, que potência você enxerga hoje nessa proposta minimalista e profundamente humana?
Denise Stoklos – Talvez tome um aspecto de valorização, a simplicidade com o máximo de intensidade humanista, o que eu considero próprio das expectativas do momento quando muitas vezes há excessos dispensáveis.