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VER O OUTRO: Bob Sousa entrevista Bianca Lopresti

Publicado em: 06/09/2025 |

Bianca Lopresti, por Bob Sousa

 

O espetáculo A Rosa Mais Vermelha Desabrocha retorna aos palcos em setembro no Teatro Estúdio, em São Paulo, trazendo uma nova temporada da adaptação da HQ sueca de Liv Strömquist. Com dramaturgia de Bianca Lopresti e Ale Paschoalini, que também assina a direção, a montagem investiga os caminhos do amor na contemporaneidade, atravessados pelo impacto do capitalismo, pela expansão das possibilidades abertas pela internet e pelas mudanças de gênero nas relações afetivas. Em cena, quatro atrizes exploram personagens que revelam diferentes experiências e dilemas sobre o amor, a paixão e a permanência dos vínculos. Com humor, intensidade e forte apelo visual, a peça mescla crítica social, lirismo e experimentação sensorial, oferecendo ao público um convite à reflexão e ao reconhecimento de suas próprias vivências amorosas. Nesta entrevista, conversamos com Bianca Lopresti sobre o processo criativo, os desafios da adaptação e as questões que atravessam a obra.

 

Bob Sousa – A adaptação da HQ de Liv Strömquist parte de uma obra muito reconhecida e de linguagem própria. Como foi o processo de transpor esse material para a cena sem perder sua essência, mas trazendo uma nova dimensão teatral?
A mídia Quadrinhos possui a magia de pular de um universo para outro, ao virar de cada página. Essa troca de ambientes e situações narrativas, nos livros da Liv, encantam pela quantidade de exemplos que ela consegue usar para tratar de cada assunto sobre as relações amorosas. Na adaptação para o teatro, tínhamos a preocupação de preservar essa dinâmica característica das novelas gráficas, por isso criamos esquetes com as personagens mais emblemáticas. Para costurar essas cenas, criamos protagonistas que se amam e se relacionam de formas distintas, procurando dar voz à diversidade emocional. Essas quatro mulheres, dão conta dos textos que ficaram fora das esquetes e também trazem uma visão de suas próprias vidas, algo que foi fundamental para abrasileirar o texto sueco. O que mais me encanta nesse processo é perceber como o pensamento filosófico e a análise do comportamento humano podem ser apresentados de maneira simples e apaixonante. Isso não só amplia o alcance da obra, como também nos convida a transformar a forma como enxergamos a vida e o nosso modo de amar.

Bob Sousa – O espetáculo aborda o amor na era digital e sob o olhar do capitalismo. De que forma esses elementos influenciam a maneira como os personagens se relacionam e como o público se identifica com eles?
Criamos personagens que vivem situações em que o desejo e as escolhas acabam sendo moldados pelo modo operante do consumismo. Falamos sobre aplicativos de relacionamento, e de que forma eles influenciam nossa intuição afetiva, muitas vezes transformando encontros em produtos com data de validade. Um exemplo é a personagem Elizabeth, que participa de um reality de casamentos e é rejeitada simplesmente por não corresponder à expectativa do homem. Essa cena revela como o capitalismo também se faz presente nas relações íntimas, reduzindo o outro a uma mercadoria passível de troca. Assim como no livro, a peça não procura dar respostas prontas, mas sim dar luz às perguntas. O amor sempre foi um terreno complexo, mas, na era digital, a abundância de escolhas e a velocidade dos encontros trazem novos dilemas: será que essa liberdade nos aproxima ou nos distancia? Conhecendo mais pessoas, será que conseguimos nos aprofundar em alguém? O espetáculo convida o público a pensar sobre essas contradições, a resgatar a experiência do sentir e a buscar o que de fato nos conecta uns aos outros.

Bob Sousa – A peça traz quatro personagens femininas muito distintas, cada uma com sua visão de amor e de desejo. Como foi o trabalho de construir essa pluralidade sem cair em estereótipos?

As atrizes colocam muito de suas próprias histórias dentro da dramaturgia. As quatro protagonistas representam diferentes momentos do amor: a Apaixonada, que nunca consegue ficar mais de dois anos com a mesma pessoa; a Monogâmica, que está nessa relação por escolha; a Divorciada, que saiu de um casamento de 20 anos; e a Soltinha, que experimenta outras formas de amar. Durante a peça parece que revivemos todos os relacionamentos que tivemos, tanto os bons, quanto os ruins. Até porque, todos nós já passamos, ou ainda vamos passar, por alguma dessas fases. O amor e a paixão são universais. Na adaptação trouxemos para a cena, a diversidade de corpos, idades e experiências afetivas, ampliamos as possibilidades de identificação imediata do público. Sempre acreditamos que para falar de amor no Brasil, precisávamos dessa pluralidade, mesmo que ainda fosse um recorte. É nesse encontro que o público se transforma: quando se vê representado.

Bob Sousa – O perfume, o boneco de madeira e os recursos visuais ampliam a experiência do público. De que forma esses elementos sensoriais e cênicos contribuem para a dramaturgia e para a reflexão proposta?
O boneco de madeira, nasceu inspirado em um ator de Hollywood que, há 25anos, mantém o mesmo padrão: namorar apenas mulheres de até 25 anos. No palco, ele encarna esse comportamento repetitivo e também simboliza uma masculinidade contemporânea, muitas vezes blasé, que comunica pouco ou quase nada de seus sentimentos. Funciona como um dispositivo cênico e cômico poderoso: um verdadeiro homem-objeto. Já o perfume, criado especialmente para a peça pelo perfumista Cristian Alori, aparece em uma cena que representa a paixão arrebatadora. Nos quadrinhos, a autora traduz esse estado através de cores, os únicos
momentos coloridos de um livro todo em preto e branco. Na cena,escolhemos o cheiro como metáfora: o perfume invade o espaço,despertando no público a sensação de algo inexplicável e inesperado, talcomo o ato de se apaixonar. Ao contrário de uma decisão racional, o amor
fulminante é sempre atravessado pelo imponderável. O perfume nos ajuda a evocar essa experiência quase mística e também abre espaço para refletir sobre a dimensão biológica do amor: os hormônios liberados pelo cérebro quando somos atraídos por alguém.

Bob Sousa – Você mencionou que o espetáculo também tem um viés autobiográfico. Quais experiências pessoais mais atravessaram o processo criativo e como elas se transformaram em material artístico?

Esse foi um processo muito transformador, principalmente porque concebi o projeto junto com o Ale Paschoalini, que assina a dramaturgia comigo, dirige o espetáculo e também é meu companheiro de vida. Refletir sobre o amor e a paixão ao lado de quem compartilho o cotidiano foi algo muito especial, de certa forma, o próprio processo fortaleceu nossa relação. Acredito que o viés autobiográfico aparece aí: não falamos de amor a partir de um distanciamento teórico, mas de vivências reais, que
atravessam nossa história e também a de todas as pessoas envolvidas no projeto. Não temos conclusões prontas, porque não existe receita para se relacionar. O que existem são caminhos, possibilidades, encontros e desencontros que nos ensinam a amar e a nos deixar ser amados.
E é nesse espírito que a peça se encerra com a música “Gente Aberta”, que diz: “Gente certa é gente aberta! Se amor me chamar, eu vou!”.

Bob Sousa – O espetáculo foi selecionado para a Mostra Sesc Cariri, um dos eventos culturais mais relevantes do país. O que essa participação representa para você e para a equipe, tanto em termos de reconhecimento artístico quanto de diálogo com novos públicos?

Foi uma honra enorme. A realização de um sonho de participar da Mostra Cultural Sesc Cariri, no Ceará. Fomos para Juazeiro do Norte, uma cidade pulsante, que respira cultura, artesanato e manifestações artísticas. Estar lá foi muito especial, tanto pelo reconhecimento artístico quanto pela oportunidade de trocar com um público que vive numa região muito diferente de São Paulo. A equipe toda do Sesc nos recebeu com muito carinho. Vivemos intensas horas de teatro, música, reisado, exposições e claro, a estátua do Padre Cícero, que segundo muitos habitantes, era o homem que Lampião mais respeitava e fazia questão de sempre passar por lá atrás das bênçãos do seu padin. O teatro estava cheio, com pessoas de diferentes idades, muitos jovens, todos muito receptivos e criativos. Foi difícil se despedir, voltei com uma saudade enorme. Ao mesmo tempo, seguimos animados com o que vem pela frente: logo estaremos no Sesc Bertioga, e em setembro, dias 17, 18, 24 e 25, quartas e quintas, às 20h faremos uma curta temporada em São Paulo, no Teatro Estúdio.

 

Agradecemos ao TEATROIQUÈ, do produtor Rica Grandi, pela acolhida e cessão do ambiente onde realizamos o ensaio fotográfico que acompanha esta entrevista.