
André Grynwask, por Bob Sousa
André Grynwask é referência no desenvolvimento de projetos que unem artes cênicas, artes visuais e tecnologia digital. Sua pesquisa em videomapping vai além do efeito estético, buscando instaurar novos modos de presença da imagem no espaço e provocar deslocamentos perceptivos no espectador. No cenário atual, em que a cena contemporânea demanda experiências imersivas e diálogos entre linguagens, Grynwask atua como um criador capaz de articular recursos tecnológicos a processos artísticos complexos, explorando dramaturgias visuais, arquiteturas efêmeras e novas possibilidades de recepção. Nesta entrevista, ele reflete sobre o papel do videomapping na cena, as transformações do mercado e os rumos de seus próximos projetos.
Bob Sousa – No campo das artes cênicas e visuais, o videomapping deixou de ser apenas um recurso cenográfico e passou a constituir parte da dramaturgia. Como você compreende essa mudança de estatuto da imagem projetada na cena?
André Grynwask – O videomapping deixou de ser apenas um “ornamento tecnológico” e passou a ocupar um lugar central na narrativa. Para mim, essa mudança ocorre porque a imagem projetada não só ambienta a cena, mas também age como personagem: ela pode contradizer o corpo, dialogar com o texto, criar tensões temporais ou espaciais e até conduzir o olhar do espectador. Esse novo estatuto da projeção exige pensar a imagem como dramaturgia em si, e não como suporte. No Um Cafofo, buscamos sempre que a projeção seja tão essencial à narrativa quanto o ator ou o espaço físico.
Acrescento que essa transformação é também uma responsabilidade dos criadores de audiovisual para espetáculo. A mudança de estatuto da imagem projetada vem do olhar narrativo do profissional que cria para o palco, reconhecendo o poder narrativo da imagem e o quanto ele soma à cena. Assim como a trilha sonora e a iluminação são capazes de conduzir emoções e significados, a projeção passou a ocupar esse mesmo patamar, tornando-se elemento indispensável da dramaturgia contemporânea.
Bob Sousa – A criação de espaços imersivos exige não apenas domínio técnico, mas também uma concepção estética capaz de dialogar com o corpo, a arquitetura e a narrativa. Quais princípios você considera fundamentais para integrar essas camadas em seus trabalhos?
André Grynwask – A criação de espaços imersivos depende de três princípios que considero fundamentais:
1. Escuta do corpo
• Em instalações em museus ou galerias, o corpo é o público, que circula, habita e transforma o espaço com sua presença.
• Em palco, o corpo é o do ator, do bailarino, do dançarino, que estabelece um diálogo direto com a projeção e faz da imagem uma extensão da própria dramaturgia física.
2. Diálogo com a arquitetura/cenografia
• Na projeção arquitetônica, trata-se de respeitar e dialogar diretamente com a cidade e suas construções, reconhecendo sua história, sua textura e sua materialidade.
• No palco, esse diálogo ocorre com a cenografia, potencializando volumes, superfícies e atmosferas criados pelo espaço cênico.
3. Construção narrativa da imagem
• Cada camada projetada precisa estar a serviço de um percurso dramatúrgico/roteiro, seja na cena teatral, seja em uma instalação. A imagem não pode ser mero ornamento; deve integrar-se organicamente à narrativa, conduzindo a experiência sensível do espectador.
Assim, corpo, arquitetura/cenografia e narrativa se entrelaçam em qualquer contexto – museu, cidade ou palco – para que a imagem projetada deixe de ser acessório e passe a ser matéria viva da obra.
Bob Sousa – O mercado de videomapping se ampliou nos últimos anos, mas ainda enfrenta limitações estruturais e de financiamento no Brasil. Como você avalia esse cenário e que caminhos enxerga para sua consolidação nas artes?
André Grynwask – O mercado cresceu, mas ainda enfrenta entraves: falta de políticas públicas consistentes, altos custos de equipamentos e softwares, e uma estrutura de financiamento precária. Muitas vezes, o videomapping é visto como espetáculo “pontual” de grandes marcas, e não como linguagem artística contínua. Vejo caminhos possíveis na formação de redes colaborativas, no diálogo com editais de artes digitais e na criação de parcerias internacionais. Também acredito na expansão para cidades do interior e circuitos independentes, democratizando o acesso e mostrando que o videomapping pode ser uma linguagem potente dentro das artes cênicas e visuais, não apenas no entretenimento comercial.
Bob Sousa – A constante evolução das tecnologias de projeção, softwares de criação e sistemas de interatividade gera novas possibilidades para a cena. Quais inovações têm sido mais significativas em sua prática e como elas impactam o modo de conceber um espetáculo?
André Grynwask – Três inovações têm sido especialmente significativas na minha prática:
1. Inteligências artificiais generativas
As IAs de criação de imagem e vídeo não são, para mim, uma substituição do trabalho artístico, mas sim ferramentas criativas específicas. Elas ajudam a construir elementos que antes não existiam ou eram de difícil acesso — como imagens de época em períodos nos quais o registro visual era escasso. Nesse sentido, vejo a IA como ampliadora do repertório visual, um recurso que se soma a outros para criar universos estéticos singulares.
2. Softwares de tempo real
Ferramentas como o TouchDesigner e o Isadora permitem improvisar e responder ao vivo ao corpo, ao som e ao texto. São fundamentais quando se deseja que a projeção esteja intrinsecamente ligada à atuação, criando efeitos e atmosferas que só fazem sentido dentro da cena, no exato momento em que a palavra ou o gesto acontecem.
3. Integração entre sensores e sistemas interativos
O uso de câmeras de movimento, OSC, Kinect e outros dispositivos amplia as possibilidades de manipular imagens em tempo real, de forma que a cena seja construída em diálogo direto com o corpo e suas ações. Isso gera uma dramaturgia visual reativa, que nunca se repete da mesma maneira. Essas inovações me permitem conceber espetáculos menos fixos e mais abertos ao diálogo vivo entre corpo, texto e imagem, tornando cada apresentação uma experiência única.
Bob Sousa – Seus próximos projetos apontam para a expansão da pesquisa em artes digitais dentro de processos colaborativos. Pode nos contar de que forma essas criações atualizam a relação entre imagem, espaço e espectador?
André Grynwask – Nos próximos projetos, a proposta é a expansão do conceito de que a imagem não seja apenas projeção sobre a cena, mas sim território compartilhado, onde espectador, espaço e narrativa se entrelaçam.
Esta perspectiva tenta atualizar a relação da arte digital com o público: não se trata apenas de olhar para uma superfície projetada, mas de habitar a imagem, ser atravessado por ela e reconhecer nela ecos de sua própria experiência no espaço. Em outras palavras, a obra deixa de ser contemplada à distância e passa a ser vivida, numa experiência estética que integra corpo, arquitetura/cenografia e narrativa em um mesmo campo de presença.