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VER O OUTRO: Bob Sousa entrevista Abigail Tatit

Publicado em: 09/10/2025 |

Abigail Tatit, por Bob Sousa

Depois de temporadas bem-sucedidas no Teatro Paulo Eiró e no Teatro Alfredo Mesquita, o espetáculo Não se Esqueça de Mim, do grupo Na Companhia de Mulheres, chega ao Teatro Cacilda Becker para curta temporada entre 2 e 12 de outubro. A montagem, que tem dramaturgia de Abigail Tatit e direção de Fabiana Carlucci, foi contemplada pelo 20º Prêmio Zé Renato e mergulha em um tema cada vez mais urgente em nossa sociedade: o envelhecer e suas potências. Em cena, três amigas de longa data se encontram para revisitar lembranças, medos, afetos e desejos, mas, sobretudo, para reinventar-se diante do tempo. Com humor, afeto e lucidez, a peça quebra tabus em torno da velhice e afirma a vitalidade da experiência. Nesta entrevista, Abigail Tatit, atriz, dramaturga e integrante do grupo, fala sobre os bastidores da criação e o significado de trazer essas reflexões para o palco.

 

Bob Sousa – Ao criar Não se Esqueça de Mim, que memórias pessoais ou coletivas se tornaram faíscas para iluminar a cena e transformar o envelhecer em matéria poética?

Abigail Tatit – Bom começando um pouquinho antes, eu estou escrevendo um livro sobre minhas memórias faz mais ou menos uns 10 anos, então já havia muitas cenas, muitas lembranças escritas e isso ajudou muito na hora de escrever “Não se esqueça de mim”.

Nas primeiras reuniões lemos e discutimos vários assuntos para chegar a alguma ideia, e durante o intervalo, no nosso café com pão de queijo, o papo era sobre a experiência de estarmos envelhecendo. Estamos com idades entre 56 e 63 anos e a menopausa, calorão, noites mal dormidas e reposição hormonal eram assuntos cotidianos. Lembro que uma das nossas colegas nos disse: “nossa, esse papo tá chato, né? a gente só fala disso em todo lugar, é aqui é na mesa do bar” …foi então que ficou claro que era emergente falar desse assunto. Agora teríamos que achar uma forma de dizer tudo isso. Estava difícil achar um texto pronto para três atrizes e que dissesse de forma leve, cômica e profunda o que gostaríamos de falar.

 

Bob Sousa – As personagens parecem costurar seus medos, desejos e afetos com a mesma linha que sustenta a amizade. Como foi dar corpo e voz a essas mulheres que se reinventam diante do tempo?

Abigail Tatit –A nossa diretora, Fabiana Carlucci, propôs que trouxéssemos pequenas histórias do nosso passado para experimentar algumas cenas. Fizemos isso durante alguns encontros. Aí um dia ela me disse: “Abigail, porque você não escreve nossa peça!” Foi uma surpresa pra mim. Nunca havia escrito um texto dramatúrgico. No dia seguinte acordei fui ao computador e aquele assunto foi jorrando, não sabia onde ia acabar. Não tinha um roteiro, uma ideia com começo, meio e fim, simplesmente os diálogos iam surgindo e sendo divididos entre personagens 1, 2 e 3. Só mais tarde, descobri que elas eram da mesma classe social e que na chamada do Colégio seus nomes vinham na sequência. Selma, Silvia e Sônia. Tivemos a oportunidade de ir testando o texto conforme eu ia escrevendo. No texto há muitas histórias verídicas, minhas e das minhas companheiras de cena e também fora dela. Portanto, o que alinhava tudo isso é a história de ficção da vida dessas três colegas de escola que se encontram de tempos em tempos para pôr o assunto em dia, mas com alguma sugestão também do teatro auto ficcional.

Nesse encontro, em especial, a personagem Sônia chega com a notícia de que está namorando. A outra, Selma, levanta questões que gostaria de ter mais tempo na vida para fazer o que quisesse, mas ainda tem que cuidar muito dos outros e apesar de já poder se aposentar, não o faria por questões financeira. Já a terceira, Silvia, diz que não tem muitos planos nem sonhos para o futuro e que está bem vivendo o presente e se diz uma pessoa livre. As outras duas, no desenrolar da trama, ajudam-na a perceber que não é uma pessoa livre. A proposta deste encontro e mote da peça é que ainda temos tempo de nos reinventar.

 

Bob Sousa – O grupo Na Companhia de Mulheres tem construído, ao longo de duas décadas, um repertório de vozes femininas que atravessam gerações. De que maneira este espetáculo dialoga com a história do coletivo e com sua própria trajetória como artista?

Abigail Tatit –O Grupo “Na companhia de Mulheres” existe a 20 anos. Somos três atrizes: Zeza Mota , Edi Fonseca e eu, Abigail Tatit. Não tivemos dificuldades em transparecer essa amizade tão antiga que essas personagens têm. Os comentários de quem assiste a peça é justamente perceber essa sintonia que só grandes amigas conseguem. Há identificação com o público! Isso é evidente. Sempre alguém se vê em alguma personagem, ou em todas. Ou conhece alguém com essas características.

Em “Não se esqueça de mim”, o humor e a delicadeza nasceram do próprio olhar para a velhice não como um fim, mas como um território de humanidade, contradição e afeto. Desde o início do processo, buscamos escapar da visão estereotipada do envelhecer como algo apenas trágico ou frágil. O riso surgiu como modo de aproximação, uma forma de criar pontes entre palco e plateia, de revelar a beleza e o absurdo das pequenas situações cotidianas.

A delicadeza, por outro lado, veio do respeito pelas nossas histórias, assim como dessas personagens e pelas emoções que nos atravessam. Encontramos o equilíbrio ao entender que o humor não anula a dor, e que a dor não precisa excluir o riso. Muitas vezes, eles convivem e é justamente aí que mora nosso desejo de estarmos na cena.

 

Bob Sousa – O humor e a delicadeza surgem como gestos de resistência diante da dureza dos estigmas que cercam a velhice. Como vocês encontraram esse equilíbrio entre o riso e a profundidade?

Abigail Tatit –Essa peça é um convite a enxergar a velhice com mais ternura e menos temor. Ao final das apresentações, muitos dizem ter se divertido, mas também se emocionado. “Não se Esqueça de Mim” aborda o envelhecimento feminino, mas não se restringe a esse público — é uma obra voltada a todas as pessoas dispostas a refletir, com sensibilidade, sobre temas contemporâneos. Entre risadas e afeto, o espetáculo também provoca pausas de silêncio e reflexão.

 

Bob Sousa- Em um país que envelhece rapidamente, o palco se torna lugar de reflexão, mas também de futuro. Que novos olhares sobre a velhice você espera despertar no público que se encontra com

Abigail Tatit –Em um mundo onde a vida se prolonga e a velhice se torna parte cada vez mais presente da experiência humana, espero que o público saia do teatro com o coração mais aberto e um olhar mais generoso sobre a velhice. Que perceba que envelhecer não é sinônimo de perda, mas de continuidade, de novas possibilidades e de sabedoria acumulada. Temos experimentado a sensação do quanto a peça desperta empatia e curiosidade sobre essa fase da vida, não como algo distante, mas como parte natural da experiência humana. Que cada pessoa, independente da idade, gênero, classe social e afins, possa de alguma forma reconhecer-se em alguma fala, gesto ou emoção, entendendo que o tempo não nos retira a capacidade de sonhar, de amar e sobretudo, de rir de nós mesmos. Abraços, Abigail  Tatit.

 

Agradecemos ao TEATROIQUÈ, do produtor Rica Grandi, pela acolhida e cessão do ambiente onde realizamos o ensaio fotográfico que acompanha esta entrevista.