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Individualidade pressupõe solidão. Solidão não pressupõe individualidade

Publicado em: 26/08/2025 |

Mauri Paroni – Especial para a SP Escola de Teatro

Enquanto seres teatrais, partamos do antro mais escondido de nossa mente individual, seja ela simbólica, seja ela real, que é a linguagem com que manifestamos a consciência de vivermos, de estarmos dentro ou fora da existência. Do lugar, do tapetezinho de onde declaramos PARA ALGUÉM a atividade teatral: uma consciência que não pode ser solitária. Há outrem necessariamente. Citemos um exemplo tão presente na nossa Praça Roosevelt, na nossa Sede Brás…. Qual mesmo? o nosso experimento (!) – a nossa visão e o que segue à nossa presença física declarada abstrata pela linguagem nele empregado. Trazse uma história concreta, uma narração, uma performance, uma não-história. Mas o ato teatral na solidão é coisa impossível: pois, a menos que seja um suicídio real, de algum lugar ou por alguém somos conscientemente vistos, somos significados na recém citada mente individual. Estamos sós, também. Ou seja, estamos no supremo paradoxo teatral.

Viajemos, por especulação comum, da Praça a Albert Camus – filosofo franco-argelino morto tragicamente num acidente automobilístico aos 47 anos de idade, prêmio Nobel de literatura, dramaturgo, solitário futebolista – goleiro -, jornalista, resistente antinazista, ensaísta. Neste momento histórico, sensatamente fundamental a um arranjo politico e geográfico conturbado pela loucura do poder mal dirigido. É tão dificilmente irônico fala de solidão no teatro, templo da não solidão. Mas Camus, depois de ter sido isolado da intelectualidade da moda, só estava bem entre gente de teatro. [Desde a minha adolescência recorro a Camus para ir adiante.]

À atriz Maria Casares, escreveu sobre uma parte inatingível e insuperável da experiência humana, onde a alma se confronta com a ausência de um sentido último e com a separação inerente entre o indivíduo e o mundo. Essa solidão existencial, ligada à filosofia do absurdo, não é um refúgio, mas um espaço de confronto com a condição humana, que pode levar à revolta e à busca de autenticidade e liberdade no momento presente.

“Eu sei que em tudo há uma parte da solidão que ninguém pode alcançar. Essa é a parte que mais respeito e, quando se trata de ti, nunca tentei tocá-la ou anexá-la.” — Albert Camus em carta a Maria Casarès (1944), no livro “Correspondence [1944–1959]”. Paris: Gallimard, 2017. Essa reflexão convida-me à que aqui segue, pessoal, que compartilho. O luto passa, mas a falta não acaba. Não há dia em que não
entristeça ao ponto do pranto, silencioso, fugaz, sentido em profundidade. Sorriso, vida e amor continuam numa felicidade finitaEu quis a Lua … quase a tive. Quase.

Ela, de quem virei viúvo de forma inesperada – a lógica está invertida, mas que lógica existe neste mundo cotidiano? – e disse que éramos felizes e não sabíamos. Albert Camus diria, felizmente, a injustiça e a infelicidade de morrer em uma vida que era feliz. Tenho orgulho de como Albert era próximo a ela, pessoa comum, pessoa incomum. Essas pessoas sempre foram, são e serão as melhores na história da humanidade: as que têm consciência racional da morte certa antes que aconteça. “Os homens morrem e não são felizes”. “Respiro a única felicidade que sou capaz – (…) cada ser que encontro, cada cheiro dessa rua, tudo é pretexto para amar sem medida. (…) Tantos sinais de amor para quem é forçado a ser só.”

Por três anos, escrevi a quem fui apaixonado, uma carta por dia. Até as de Sábado e de Domingo chegavam na Segunda-feira sob a sua carteira na escola. “Se você sabe ler, deve compreender; se sabe escrever, deve saber alguma coisa; se acredita, deve compreender; se deseja, deve fazer; se exige, não alcançará; e se tem experiência, deve aproveitar.” – Goethe. Prossigo.

Há um jeito onde real e arte são uma coisa essencial. Vai além da pintura, e foi causa do fim do jeito chamado “realista” ou “naturalista” da teatralidade. Esse jeito teatral requer a edição do acontecimento em forma conferencial/convencional. A própria realidade edita o jeito em que a vemos. Quero dizer, a realidade. Ouso dizer que esse outro jeito é a edição feita por acoplamento de imagens, sons, narrações, enfim, sem a lógica convencional. Apenas o paralelismo estético. Exceções nascem. Como beijos. Ou este O Beijo da vida, prêmio Pulitzer de 67. Retratou um eletricista pendurado no alto de um poste. Levou, por acide-te, 4 mil volts no seu corpo. O coração parou. Seu colega, desesperado, aplica respiração boca a boca. A cena foi capturada por um fotógrafo, Rocco Morabito, que ganhou o Prêmio Pulitzer. Arte. Cena. Vida. Morte. Ate o próprio prêmio configura um outro paralelo. Não um prêmio póstumo, mas um prêmio jornalístico e literário criado após a morte de seu idealizador, o húngaro Joseph Pulitzer. A escola de jornalismo da Universidade de Columbia que leva seu nome foi fundada com o dinheiro que Pulitzer doou em seu testamento, real. Individualidade pressupõe solidão. Solidão não pressupõe individualidade.