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Reflexões irrelevantes para deleite da pátria!

Publicado em: 02/09/2012 |

1- Seção: Procon – reclamações justas sobre fatos injustos – coisas que você nunca gostou, mas não teve ninguém que o apoiasse ou defendesse…

(devido ao grande sucesso dessa seção em coluna anterior, voltamos com mais uma notícia/denúncia de máxima relevância).

Você chega, pega uma senha, senta (ou não) e aguarda. As lojas de operadoras de celular demoram tanto, tanto, tanto para nos atender que, numa dessas visitas forçadas, por conta de um problema no aparelho, enquanto esperava eu me pus a refletir sobre a vida, a morte, a vida depois da morte e a morte da bezerra. Escrevi meu testamento e uma autobiografia. Terminei meu “Orhan Pamuk” e depois comecei a amassar papel-bolha, brincando de adormecer e despertar a cada pequena explosão. Murmurei um mantra e me centrei. Encontrei meu eixo e meu eu. Passeei pelos chacras todos. Habitei meu corpo. Levitei. Fiz contato com a pedra filosofal, obtive o conhecimento, provei do néctar de que falam os budistas…

Você poderia filmar em tempo real um de seus fios de cabelo ficando branco. E ainda daria tempo de tingi-lo de acaju e vestir uma touca para fixar bem a cor. Da última vez, me ocorreu a ideia de combinar um piquenique com amigos num desses estabelecimentos, para tornar a espera mais agradável. Levaríamos ovo cozido e uma boa canja numa garrafa térmica. Pescaríamos moelas cozidas da garrafa. Beberíamos groselha e comeríamos brigadeiro de colher. Cantaríamos cantigas típicas brasileiras para celebrar os índios (e a liberdade).

Aliás, deveria haver um “personal otimizador de agenda” para resolver nossas vidas. Ele teria a função de fazer várias coisas acontecerem ao mesmo tempo. Você precisa de uma informação numa loja da operadora de seu celular; você precisa cortar o cabelo; você precisa autenticar um documento; você precisa de uma pequena cirurgia; você precisa tratar o canal do molar? O seu personal cuidaria de fazer acontecer tudo isso ao mesmo tempo. Enquanto você aguarda ser atendido na loja, uma equipe médica retira seus pés-de-galinha e um tabelião estaria ali para colher assinaturas daquela procuração pendente. Enquanto isso, um cabeleireiro jeitoso espirra laquê na sua juba e um dentista com o motorzinho obtura o seu canal. Otimizaríamos nosso tempo, renderíamos mais, não frustrar-nos-íamos! Uma nova profissão seria inventada (nem tão nova), o desemprego cairia a níveis inéditos, benefícios infinitos daí adviriam para a economia de toda a nação!… Por que nenhum candidato a prefeito propõe esse item fundamental em suas plataformas de governo?

2- A Língua Portuguesa…

a – além dos arrastões nos restaurantes, há uma inversão de ordem em curso, nas megalópoles, cujo alvo principal é a língua portuguesa, sobre a qual eu alerto o leitor agora mesmo.

Vi uma placa, dia desses: “comum rádio táxi”. Pergunto: não seria outra a ordem dos termos? Talvez “rádio táxi comum”? Ou então “táxi comum com rádio”? Ou será que se diz “material de construção loja”? Não seria “loja de material de construção”?

Concluindo: coluna escrevo olhos abrir leitor cometidos atentados portuguesa língua verifico de contra.

b – a propósito, para mudar a língua pátria, é preciso muito talento e sensibilidade, coisa que não nos falta aqui. Ancorado na lógica, depois de exaustivos estudos, sugiro quatro correções:

Se o líquido escorre, deveria se dizer “escorrimento”. Se o bicho é felpudo, deveria se dizer “afelpudado”. Se é aplauso, deveria se dizer “batam plaumas”. Se o bife é enrolado, deveria se dizer: “bife-enrolê”.

Atire a primeira pedra aquele que discorda!

c – ainda passeando pelas línguas, sugiro um outro novo ofício. Sabe-se que “continuista” é aquele cidadão responsável pela verossimilhança do enredo na cinematografia (e também na televisão). Que haja continuidade na sequência e em tudo que está envolvido com a narrativa imagética desse meio de expressão.

Sugiro que se crie a profissão de “interrompista”. Quando a narrativa flui demais, menosprezando a inteligência do espectador, o interrompista entraria em ação, interrompendo a fluidez da sequência. Esse gesto garantiria que as artes caminhassem sempre a certa distância do mero entretenimento. O interrompista cuidaria de arrancar o espectador de um lugar de eterno conforto. Impossível não deixar de ver nesta nova profissão uma herança da clínica lacaniana (escola de Jacques Lacan, psicanalista francês).

3 – Para refletir, da série “sabedorias incalculáveis saídas do nosso forno”:

Quem fala sobre a coisa, em geral, não faz bem a coisa. Mesmo aquele que fala da coisa, não faz tão bem a coisa, quanto aquele que simplesmente faz a coisa, sem nem pensar, nem falar.

(dedicado a Alberto Caeiro e a Ronald Laing, por motivos distintos e autoevidentes: Alberto Caeiro, considerado o Mestre Ingênuo, apesar de não instruído – ou por isso mesmo. Ronald Laing, autor do livro “Laços”, em que conduz o leitor por labirintos loucos da lógica seca…).

4 – A pedidos, solto um item daquela famosa seção “sou contra” (que poderia ser chamada “pessoas que me irritam”).

Sou contra pessoas que acham muito mais graça do que deveriam diante de algo que dizemos.

Moral: a toda graça dita corresponde uma intensidade de risada. Não perca o pé. Nem a mão. Nem a boca.

5- Secção da área da saúde: ensaio mínimo sobre a gripe!

a – O primeiro sintoma de gripe é ver uma pessoa com gripe.

b – O segundo sintoma é esquecer de que se viu alguém com gripe.

c – O terceiro sintoma é chorar ao assistir a um comercial qualquer.

d – O quarto sintoma é a gripe (em si, ela mesma, propriamente dita). e – aAgora, pijama, cama e canja.

(quem assistiu à peça “baleiazzzul”, apresentada no festival Satyrianas, em novembro do ano passado, na Praça Roosevelt, já conhecia este “ensaio mínimo sobre a gripe” – note-se o incalculável prejuízo para aqueles que perderam a grande performance da CPTZ, Cia de Pesquisas Teatrais Zzzlots, veiculando irrelevâncias Brasil afora, do Oiapoque ao Chuí…]

6 – Último item – hora de dizer “tchau”! (momento difícil pra você, leitor…).

Como suspeitávamos, o ombudsman desse espaço faleceu. Paciência e bola pra frente. Mas, com isso, você perde alguém que o defenda (e eu também). Na ausência dele (ou dela – nunca soubemos seu sexo), trato eu mesmo aqui de colocar limites com vistas ao bom convívio:

a) Gostaria de pedir que o pessoal parasse de encher minha caixa postal com mensagens de teor sexual, apesar das minhas fotos. Minha agenda está tomada até março de 2013. Eu me desagradei, principalmente, com a proposta de um casal sugerindo sexo a quatro, incluindo um tamanduá-bandeira. Pela foto, percebi que o tamanduá está acima do peso. Não insista. Não vai rolar.

b) Uma dica de etiqueta: A primavera chegou, época de acasalamentos. Evitem coitos públicos, pois intimidade é coisa preciosa em tempos de colapso de tudo aquilo que é privado!

c) E, para finalizar, bem a propósito do tema “estações do ano”, parodiando aquele famoso escritor que teria dito “o inverno mais frio que já passei na vida foi o verão em San Francisco”, digo eu: o verão mais quente que já passei na vida foi o inverno de 2012 em São Paulo. Calor da porra, como dizem em Salvador!

(e o início de primavera mais polar jamais visto: um sopro da Antártida nos atingiu em cheio – ainda há de nevar pingüins).

Cartas para [email protected]

Em tempo: como eu já dissera alhures, respondo a todos, mas sou um só.

PS1 – Perceba que a coluna aqui de setembro saiu só agora em outubro! Minha nova data de lançar reflexões pelo mundo, fertilizando vidas e pastos, passa a ser, a partir de hoje, no dia 30 de cada mês! Até já!

 

* por Sergio Zlotnic, especial para o portal da SP Escola de Teatro – [email protected]