EN | ES

A Planilha Orçamentária, nas Leis de Incentivo

Publicado em: 02/10/2017 |

“Quando dois meios se encontram
desaparece a fração
E se achamos a unidade
Está resolvida a questão”
(Tom Jobim)

 

Considerada por muitos como sendo aquela que representaria a maior dificuldade na elaboração de um projeto cultural, a construção correta de uma planilha orçamentária, de fato, exige algumas cautelas quando de sua formatação.

A primeira delas é que sejam observadas as diferenças havidas entre as diversas Leis de incentivo e de fomento, já que cada uma delas tem características e regras diferentes entre si, embora haja algumas coincidências legais. Mas as regras das Leis estaduais (a do ProAC, por exemplo) não alcançam e nem necessariamente interferem nas Leis municipais (como a do Fomento) ou federais (como a Rouanet).

Essas leis têm suas particularidades e exigências próprias que devem ser atendidas em cada uma de suas esferas, obedecidas às suas próprias normas, estabelecidas em seus respectivos programas.

O que ocorre é que muitas vezes proponentes pensam em seus projetos culturais de tal forma que possam tentar aproveitar todas as leis possíveis e todos os benefícios de cada uma delas concomitantemente. E muitas vezes, justamente por isso mesmo, acabam errando ou confundindo os preceitos específicos de cada Lei.

Assim, por exemplo, ao formatar o projeto de um espetáculo para o ProAC , o proponente prevê, naturalmente, o pagamento do cachê de um ator por R$ 10.000,00 para uma temporada.  Mas resolve inscrever o mesmo espetáculo também na Lei Rouanet, e, ao fazê-lo, acaba prevendo novamente o cachê do mesmo ator, pelo mesmo valor de R$ 10.000,00, também na planilha orçamentária desta Lei. Ora, agindo assim, para um mesmo trabalho, de um mesmo espetáculo, o proponente está cobrando duas vezes (R$ 20.000,00), em duas fontes diferentes, o pagamento de uma só prestação de serviço. O que não é correto, ainda que ele tenha o direito de inscrever seu projeto nas duas Leis (na estadual e na federal). Ao optar por inscrever em mais de uma Lei de Incentivo, o proponente deve formatar sua planilha orçamentária geral e, depois, desmembrá-la, e, ainda, pensar onde deve manejar ou remanejar cada rubrica para saber em qual fonte de recursos irá buscar a receita para o pagamento do ator do exemplo acima. Deste modo, o referido ator irá receber corretamente seus R$ 10.000,00 de uma só das Leis. E, da mesma maneira, deve agir assim o proponente em relação a todas as demais rubricas do projeto.

Vale lembrar, ainda, que as Leis de Incentivo  mais importantes têm em comum a exigência de que todas as fontes de receita de um projeto devem sempre ser informadas. Portanto, se um proponente inscreve um espetáculo em duas Leis (ProAC e Rouanet) e ainda contará com recursos próprios para produzi-lo, deverá informar, obrigatoriamente,  nos campos específicos para tal, que aquele projeto tem previsões dessas outras fontes, sejam públicas, sejam privadas, de patrocínios diretos, ou particulares. Mas todas as fontes de recursos eventualmente possíveis devem ser sempre previamente informadas.

Por outro lado, muitos acreditam que ao prever uma mesma rubrica no ProAC e na Rouanet, poderia o proponente, depois de realizada a despesa, “escolher” de qual planilha orçamentária cobrá-la e, em sede de prestação de contas, enviar a Nota Fiscal somente para a prestação de contas da Lei que “escolheu”, conforme seu sucesso ou fracasso na captação em cada uma das Leis. Essa conduta não nos parece exatamente ilegal, mas, certamente, está longe de ser a correta mesmo quando, efetivamente, o proponente conseguiu captar recursos tanto em âmbito federal quanto em estadual. O adequado é que o proponente sempre informe previamente de qual fonte de recursos pagará cada uma das rubricas, ainda que haja dois projetos distintos e desmembrados para um mesmo projeto.

Mas há custos que, em tese, podem ser cobrados duas vezes, pois só aparentemente se confundem. É o caso, por exemplo, da previsão de “captação de recursos”. Tanto na Rouanet, quanto no ProAC, o proponente pode prever e cobrar pelo serviço, já que se tratam de custos diferentes. A captação de recurso feita para o programa federal não se confunde com a captação para o programa estadual, eis que, de fato, são dois realmente trabalhos distintos (ao contrário do exemplo do ator referido nos parágrafos acima).

Aliás, muitas vezes também há confusão sobre as captações já que, por coincidência, o limite possível para estes serviços, nas duas Leis, é o mesmo, de 10% sobre o valor do projeto. Mas esse percentual se refere a cada uma das Leis separadamente.

Assim, por exemplo, imaginemos que um projeto completo esteja previsto em R$ 900.000,00, sendo R$ 300.000,00 do ProAC  e outros R$ 600.000,00 da Rouanet. Nesta hipótese poderá o proponente prever no ProAC R$ 30.000,00 (equivalentes a 10% sobre R$ 300.000,00) de captação de recursos; e, poderá prever ainda, na Rouanet, outros R$ 60.000,00 (equivalente a 10% sobre os R$ 600.000,00).  O que às vezes acontece é que, indevidamente, o proponente “desavisado” cobra R$ 90.000,00 no ProAC e outros R$ 90.000,00 na Rouanet!

E já que estamos falando de limites de captação vale aqui destacar que, na Lei Rouanet, o limite para a previsão de verba para captação de recursos é de 10% (dez por cento) sobre o valor do projeto desde que esse percentual não ultrapasse nunca o valor máximo de R$ 100.000,00. Com essa regra, se um projeto custar, por exemplo, R$ 300.000,00 poderá o proponente prever um pagamento de até R$ 30.000,00 ao captador de recursos;  se o projeto todo custar R$ 1.000.000,00 poderá prever até R$ 100.000,00 de captação; mas, se o projeto custar R$ 2.000.000,00 (ou seja, mais do que um milhão de reais!) o proponente só pode prever R$ 100.000,00 do mesmo jeito, eis que esse é o limite máximo para a rubrica independentemente do percentual do valor total do projeto.

Outra diferença é que na Lei Rouanet é expressamente proibida a previsão com pagamento de “elaboração do projeto”, enquanto que no ProAC esse custo é até possível, desde que, somado ao custo do “agenciamento” (captação de recursos), não ultrapasse os 10% do projeto. Essas pequenas diferenças geram grandes confusões!

Em outras rubricas também existem várias semelhanças ou diferenças pontuais, como, por outro exemplo, aquelas previsões relativas aos custos de divulgação, que também trazem regras específicas em cada Lei. E, da mesma forma, tantas outras peculiaridades (como na previsão de taxas, de recolhimentos tributários ou previdenciários, de viagens, de direitos autorais). Por entre as mais diversas Leis, que fique claro, existem afinidades e disparidades em suas respectivas regulamentações. As planilhas orçamentárias dessas Leis são independentes entre si. Há limites, nos dois programas, para despesas administrativas. Há possibilidades de alterações supervenientes de custos em cada planilha, e, há meios de remanejamentos de despesas nas respectivas Leis, mas todas essas permissões e restrições, com suas próprias regras e formas legais.

Por isso que é sempre prudente, antes de da elaboração das planilhas orçamentárias de um projeto cultural, que o proponente estude e compreenda claramente como é o funcionamento de cada Lei para que ele possa identificar aquela que é a mais adequada para sua proposta. Pode ser, é claro, que mais de uma Lei possa ser utilizada para ajudar a financiar um mesmo projeto. Mas o entendimento de cada Lei é indispensável para que não ocorram confusões orçamentárias que podem, depois, ser tidas como fraudulentas ou que podem prejudicar toda a idéia do projeto e o todo o trabalho nele empenhado. E as conseqüências, em sede de prestação de contas, podem ser ainda mais prejudiciais tanto ao projeto em si, quanto para o proponente. E, talvez, por isso mesmo, para que esses problemas sejam evitados, é sempre prudente que esteja prevista na planilha orçamentária uma rubrica para o advogado…

* Evaristo Martins de Azevedo é advogado especialista em Leis de Incentivo à Cultura.