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No teatro paulistano, mais uma porta prestes a fechar

Publicado em: 02/10/2017 |

Há pouco mais de um mês, voltei de uma viagem de férias. Passei, pela primeira vez, por Frankfurt, onde fui recebido por uma amiga alemã que vive na cidade há cerca de dez anos. Enquanto caminhávamos, ela me mostrava seus lugares preferidos de lá. Katja foge àquele perfil que Frankfurt pode evocar por ser o grande centro financeiro europeu. Formada em História da Arte, ela começou a contar sobre o desaparecimento de seus cantinhos na cidade.

 

“Os alugueis vão ficando caros e esses lugares alternativos que eu frequento vão fechando”, dizia. Tudo a ver com a cobertura jornalística de teatro que eu vinha fazendo até então, muito focada nos espaços que lutavam para resistir à especulação imobiliária. E um belo balde de água fria aos que pensam que esse tipo de coisa que rola aqui não rola por lá — e eu me incluo nessa lista.

 

De volta a São Paulo, a questão continua, e a bola da vez é o Espaço Cenográfico. Localizado na teatral rua Teodoro Baima — estão ali o Teatro de Arena, a Companhia do Feijão, o Pequeno Ato e, por pouco, o Teatro Hilton não volta a funcionar por ali — o local, um dos únicos a dar visibilidade à cenografia e à arquitetura cênica, está prestes a fechar suas portas.

 

O problema, agora, não é tanto o custo do aluguel, mas a falta de reconhecimento da importância do local. “Abri o Espaço Cenográfico em 1997, com investimento próprio”, diz o arquiteto e cenógrafo J. C. Serroni. “No segundo ano, consegui apoios e patrocínios, mas, de seis anos para cá, a coisa mudou.” Segundo ele, assim como no primeiro ano do projeto, é ele quem banca o local, tirando do bolso até R$ 14 mil mensais. “Não é justo eu levar, de forma privada, um espaço que tem uso público.”

 

 

O Espaço Cenográfico funciona como uma instituição sem fins lucrativos. Tendo uma parte reservada ao escritório de Serroni, a porção maior é destinada a duas exposições permanentes (história da cenografia e história da arquitetura cênica), a uma biblioteca que reúne publicações sobre o assunto e a uma área na qual o arquiteto ministra cursos. Foi de lá, inclusive, que ele ajudou a montar a Quadrienal de Praga, em duas ocasiões, quando atuou como curador. O Espaço também levou workshops a cidades como Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte.

 

A boa notícia é que Serroni vislumbra patrocínios para 2016, ainda incertos. Enquanto isso, influenciado por outros nomes do teatro, ele abriu uma campanha de crowdfunding para manter o Espaço Cenográfico pelo menos até o fim do ano. “Vi que o Noir, o Brincante e o Bortolotto conseguiram, vamos ver conseguimos essa ajuda pública”, diz. Ele se refere ao projeto de resistência à especulação dos teatros Club Noir (de Roberto Alvim) e Brincante (de Antonio Nóbrega) que arrecadaram, respectivamente R$ 52.151 e R$ 107.711. Também cita Mário Bortolotto, que conseguiu R$ 52.476 para reformar o seu Cemitério de Automóveis.

 

Serroni busca R$ 60 mil para fazer obras no Espaço Cenográfico e, assim, dar continuidade às atividades do local. Dependendo do valor doado, as contrapartidas variam entre receber um jornal sobre cenografia, livros e até a inclusão de marcas como apoiadoras oficiais. Esta é a primeira etapa de um projeto de crowdfunding que deve continuar no ano que vem. “Agora, a contrapartida é mais solidária. Na próxima pode ser um curso, um workshop.”

 

Murilo Bomfim é jornalista, sempre teve uma queda pelo teatro, mas acabou se afastando durante a faculdade. Não deu muito certo: logo depois de formado, caiu, sem querer e novamente, no mundo das Artes Cênicas. Trabalhou como repórter de teatro e dança do semanal Divirta-se e, posteriormente, do diário Caderno 2, ambos do jornal O Estado de São Paulo. Hoje coordena o setor de Comunicação da SP Escola de Teatro e perambula pelas plateias da capital paulista. É crítico de teatro da Associação Paulista dos Críticos de Arte.