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Coluna zzzlot de maio de 2012 – nove seções!

Publicado em: 02/05/2012 |

Coluna zzzlot de maio de 2012 – [email protected] – nove seções!

Como já comentei alhures, maio é o melhor mês na cidade de São Paulo. Já começo a ficar triste em pensar que logo mais vai acabar. Mas antes de deprimir, deixem que eu entre de sola em questões polêmicas. Sou um homem e não um rato. E paciência tem limite. Lá vai:

1- Sexualidade humana. Se fosse animal, não seria humana. Quando se fala de desejo, o território é estrangeiro à ideia de instinto. Nesse assunto, argumentos estranhos vêm à luz de diversos recantos, entre eles o do discurso religioso. Existe a miragem de que haveria algo como uma ‘sexualidade natural’. Sinto muito, não existe.

O sujeito é atravessado pela linguagem e pela cultura, de cabo a rabo, antes mesmo de nascer. Submetido à ordem simbólica – que  perverte os esquemas biológicos – quanto mais humano, mais perverso é o homem em relação a um suposto natural ¹. Freud disse isso há mais de cem anos. Alguém escutou?

O beijo. Leão beija leoa? Dever-se-ia banir o beijo de todo casal. Não é natural. Noutros termos, as pessoas deveriam observar atentamente a cópula entre animais. Depois repetir em casa fielmente com os parceiros. Assim se evitariam os conflitos causados por essa gente que só quer inventar moda e aparecer [ainda assim, se a espécie animal observada fosse a dos bonobos, a vida humana seria bem divertida, polimorfa, lúdica e colorida; ou senão estou enganado e esses macacos sem classe vão para o inferno queimar no mármore eterno, expiar o castigo divino…].

Saiu no jornal esses dias a notícia de que pesquisas confirmam que a homofobia revela desejo homossexual do sujeito preconceituoso. Ele odeia a ideia de que haja quem faça aquilo que ele mesmo sempre quis fazer, mas nunca se autorizou ou teve coragem. Reprimir a sexualidade alheia dá bandeira! Entrega o cidadão. Equivale a desmunhecar. Se os pit-bull-guys soubessem disso, casavam-se entre si. Um alce de vestido longo seria a madrinha.

2- O corpo – Quem faz muito esporte tem algum problema. Seguir a moda à risca não é saudável. Agora a moda é fazer academia. Os rapazes querem hipertrofia. Incham seus músculos até o limite. Usam bombas que detonam seus fígados, para a felicidade financeira dos hepatologistas. Garotos que, até ontem, eram magricelas, orgulham-se de exibir seus músculos aumentados. Entretanto, não habitam seus novos corpos. Bem no fundo, continuam a ser os mesmos meninos esquálidos e urinados de outrora. Não bastasse, padronizam seus corpos. São todos parecidos, de plástico, aprisionados num uniforme físico, cristalizado. As moças dos colégios de freira também usam uniformes. Mas, podem desvesti-los. Elas têm a chance de despir-se do hábito quando bem lhes aprouver. Porém, quando o uniforme está grudado na pele, impossível livrar-se dele. Assim são os rapazes das academias. Prisioneiros de um uniforme que engoliram. Coitados!

O que eles parecem? A fêmea de um gorila. ‘Por que não o macho do gorila?’, alguém perguntará. Porque isto seria impossível: está além do limite humano. Ser fêmea de gorila é o máximo que um halterofilista alcança, o ponto final de seu trem, a última parada.

Eis a ironia: rapazes inseguros buscam virilidade, querem parecer masculinos, e treinam para adestrar e moldar seus corpos, ortopedicamente. Ao final do processo, tornam-se fêmeas inchadas.

Seria demais a esperança de ver surgir uma nova geração carregando um corpo imperfeito e [por isso] humano que se contraponha ao batalhão plastificado?…

3- Cinco Haicais – verdades incontestes, mas invisíveis a olho nu.

a- O mundo anda tão cheio de gente desaforada, que eu gostaria de estar sempre escoltado por uma equipe que se comporia de: um leão de chácara, um advogado, um psicanalista, um contador, um despachante, um clínico geral e um fisioterapeuta. Desta forma, qualquer problema que surgisse, me sentiria seguro, moveria ações, mandaria prender, mandaria bater, xingaria a mãe. E, se ainda assim me estressasse, ganharia massagem relaxante.

b- Hijita, no me irrita [ode aos portenhos no dia das mães].

c- No inverno, todo dia, fica tarde cedo.

d- Feira livre é extrovertida. Museu é tímido.

e- Meu peso não muda há décadas. É uma constante. Desde os 14 anos, minha calça é a mesma, quase puída por tantas lavagens. Eu poderia ser usado como medida para aferir balança. Se não der certo como colunista, abraço esse outro ofício e fico rico.

4- Cinco coisas que a maioria parece ser a favor, mas que eu sou contra:

a- sou contra quem quer liderar um grupo, mais parece, na melhor hipótese, chefe dos escoteiros-mirins.

b- sou contra quem põe apelido em coisas e lugares. Por exemplo, veja o torpedo que chegou ontem à minha vizinha: ‘saí da facu e fui de bici no ibira, daí te liguei do celu da vagaba que você sabe quem é’.

c- também sou contra quem faz condensações de palavras querendo resultar em duplo-sentido, mas não sai do lugar-comum. Clichês são sempre brochantes: ‘moro num apertamento com meu filho aborrescente e o que nos salva é que tenho paitrocínio’. Tomara essa gente não se sinta Guimarães Rosa.

d- sou contra exercícios estilísticos de escritores que exibem sua boa escrita sem ter nenhuma história para contar. Assim se atinge o clímax da performance narcísica.

e- sou contra quem conversa conosco retirando com os dedos pequenos fiapos e tufinhos de algodão da roupa da gente. Deveriam trabalhar em lavanderias e deixar os outros em paz.

Um pequeno aviso: as próximas três seções também se referem a comportamentos e ações, fenômenos sociais e antropológicos, contextos e ambientes, usos e costumes, em relação aos quais sou contra. Talvez eu seja um sujeito de um assunto só! E com uma lista interminável de itens para discordar e me opor. Mas, para me confortar, quero lembrar que um homem bem adaptado talvez não tenha muito o que dizer…

5- rs!-
Discordo da claque. É uma coisa forçada que quer nos obrigar a achar graça em algo, antes de podermos decidir se esse algo é engraçado ou não. Havia aquelas risadas nos seriados americanos. Eu era muito pequeno e não entendia porque riam. Perguntei aos adultos se havia um público ao vivo assistindo e rindo. Eles me disseram que não. Quando compreendi a estratégia, não me entrava na cabeça como podia dar certo. Alguém acha tanta graça em alguma coisa só porque é hora de achar graça? Ou somente porque os outros estão rindo? Bem, é claro, existe a identificação histérica, mas isso se aplica aqui??

Finalmente, a contragosto e de má-vontade, me acostumei. Era assim e pronto.

Depois, tive que me acostumar também com indicações da reação a ser adotada ao se ler um texto escrito ou mensagem.
Um dia, há muito tempo, recebi de um amigo um email com a palavra ‘risos’ intercalada, em certos momentos específicos do texto.

Eu não sabia se aquilo queria dizer que ele estava rindo, ou se eu é que tinha de rir.

Uma espécie de ordem em avisos. Mais ou menos assim:

‘Vou ao cinema somente se a patroa deixar (risos)’.

‘Está chovendo tanto aqui em São Paulo que acho que vou ao trabalho de barco (risos)’.

‘Tanto trânsito que vou à pé! (risos)’.

Pergunto: qual a graça?
E, se tiver graça, não tenho a liberdade de rir mesmo sem a placa? Ou será que alguém, ao achar um texto divertido, vai conter o riso a todo custo por não estar escrito ‘risos’? (risos!).

É uma ordem ou uma permissão?
Mais tarde, ‘risos’ abreviou-se e se transformou em ‘rs’. E se alastrou, contaminando tudo, epidemia.

Uma observação: isso é necessário evidentemente em texto de teatro. Ali, o autor tem de dar as indicações para que o diretor dirija a peça e para que o ator componha a personagem. Então encontramos ‘risos’, ‘choro’, ‘desespero’, ‘indiferença’, ‘desprezo’, etc.

Mas, fora da dramaturgia, que cabimento tem?
Pior é a extensão de ‘rs’ em ‘rárárás…’, ‘hehehes’, ‘hahahahs’ e afins.
Tentativa de a língua escrita aproximar-se ao máximo da linguagem oral.

Mas para quê?!

6- Piadas [este item mantém fortes vínculos com o anterior…].

Por favor, não me contem piadas!
Não concordo com a ideia de que haja uma certa hora para rir [que deve ser quando a piada acaba]. Quando o rabino disse alguma coisa ao padre, ou quando o papagaio disse alguma coisa ao pirata, ou quando o macaco disse alguma coisa ao crocodilo.
Isso não quer dizer que eu seja mal-humorado. De modo algum. Mas eu acho graça das graças inventadas na hora, especialmente das minhas. São piadas que nunca existiram antes, e que muito provavelmente vão continuar não existindo depois [pois somente eu mesmo as acho divertidas].

‘Witz’ é a palavra em alemão para ‘piada’. É o dito espirituoso. Freud escreve sobre a relação do ‘witz’ com o inconsciente. Trata-se da dissolução temporária do recalque. A ponta do iceberg de algo proibido que se dá a ver, num instantâneo. É sempre afirmação de criatividade, além de libertário em sua concepção e consequência. Obriga-nos a engolir uma verdade, goela abaixo, da qual nos escondíamos, num conluio pessoal e social. Quase uma denúncia, sempre uma revelação. É muito difícil que isto ocorra com uma piada pré-pronta. Mesmo quando um especialista talentoso se propõe a contar um caso. E, aliás, os bons comediantes contam ‘casos’ mesmo, raramente piadas, o que já é uma vantagem. Eles se aproveitam da relação viva com a plateia pra dizer algo que eventualmente não estava no script. Essas são as situações mais preciosas, quando o humorista se surpreende a si, derrapando pra fora dos trilhos pré-dados.

7- Tia-
Discordo radicalmente da mania das crianças chamarem os adultos de ‘tio’ ou ‘tia’. A não ser que esses adultos sejam mesmo seus tios e tias, não há motivo para assim proceder. Difícil saber quem inventou isto. Parece feito para que a criança se sinta ‘em família’. Que a criança se sinta ‘em casa’. Que, em qualquer lugar e em qualquer situação, a criança não se constranja.

Mas, repare:
É bom que a criança se constranja. Não é para que a criança se sinta ‘em casa’ na escola. Na escola, a criança deveria se sentir ‘na escola’. ‘Tio’ e ‘tia’ foram feitos pra dar uma falsa ideia de intimidade. Incentivo à hipocrisia. Pedagogia que despreza o fato de que intimidade é algo que se constrói. Intimidade começa com silêncio e timidez… Constrangimento é um excelente início numa relação.

[será essa mania de ‘tio’ e ‘tia’ vingança dos jovens pelos adultos que tratam crianças como idiotas? Vingança pela tortura do tatibitate, só pode ser…]

8- Revival! Uma história singela do passado. Pra quem ninguém diga que sou ranheta…

Houve um tempo em que todas as senhoras de mais de 60 anos tinham o cabelo roxo e um pequinês no colo. Nessa época, a pessoa com bem menos de 60 anos já era considerada idosa. Havia também pardais em todos os lugares de São Paulo. Eram numerosos e ariscos. Como vira-latas, fugiam ao menor movimento. Sumiram do mapa. Só me dei conta disso há dois anos, quando os vi de novo. Há meia dúzia deles na cidade, hoje em dia. Três ficam na Dulca, na esquina da Rua Itacolomy com Rua Pará. Os outros três, na padaria Benjamin Abrahão, da Rua Maranhão. Eles não são mais ariscos. Confiados, mudaram completamente de personalidade, não se sabe por quê. Vêm às mesas, quase em cima da gente, pedindo farelos e restos. Não tem cerimônia, nem educação.

Os cães da raça pequinês sumiram do mapa também. E não são mais encontráveis, nem na Dulca, nem no Benjamin Abrahão, nem em lugar nenhum.

Os tempos mudaram. As senhoras de cabelo roxo têm agora cabelo vermelho. Elas estão nas academias de ginástica com collants pretos muito justos, malhando junto com as fêmeas de gorila.

Alento: as antigas e legítimas senhoras de cabelo roxo podem ainda, muito raramente, ser encontradas. Apenas uma vez por ano, justamente em maio, na quarta terça-feira do mês, entre 16h e 16h30 horas, elas estão na Dulca, junto com os três pardais e sem nenhum pequinês no colo, tomando chá e comendo sonho.

9- Ombudsman. Recebi inúmeras mensagens de leitores, do Brasil e do exterior, revoltados pelo fato de eu ter dito, da última vez, que pretendia diminuir o tamanho do texto. Inconformados, alguns ameaçaram suicídio. Mesmo os menos radicais, em suas mensagens, fizeram com que eu entendesse que não conseguiriam sobreviver sem minhas palavras doces e robustas. Disseram que minha letra é sopa aletria, sopa de letrinhas pedaçuda. E disseram ainda que, sem mim, minguariam subnutridos. Seis casos:

a- Uma famosa advogada, figura notável da mídia, cujo nome não vou mencionar, escreveu contando que, ao terminar, tanto a primeira coluna [de março], quanto a segunda [de abril], deu-se conta de que não tinha sequer respirado: havia lido de um fôlego só. Fico evidentemente preocupado de matar o leitor asfixiado. E note que o ajuste é sutil: não reduzir demais o tamanho das reflexões, para que as pessoas não se matem de desgosto; não aumentar demais o texto, para não sufocar ninguém. A coisa não é fácil. Veja minha situação, meu senhor.

b- Outro leitor, um famoso artista plástico, cujo nome também me reservo o direito de não revelar, mandou um email para minha caixa postal dizendo: ‘depois de ler fiquei deprimido, não sei se porque ri muito ou porque acabou, mas já passou’. Pobrezinho! Que bom que já passou! [Esse mesmo leitor pergunta se estou vesgo na foto que saiu na coluna. Infelizmente, sim! Alguém de cima quer me prejudicar…]

c- Uma talentosa atriz, monstro sagrado dos palcos, me diz que quer que eu discorra sobre os quadros alérgicos e a psicossomática – já que, da última vez, houve a promessa de que eu dedicasse uma palavra a esse tema em alguma ocasião. Não foi desta vez.

d- Um famosíssimo ator, que pede para não ser identificado, porque foge da mídia, manifestou desejo de que o ‘consultório sentimental’ da primeira coluna voltasse aqui. Respondo: eu sou um só. E que não pedi pra nascer. Deus não fez o mundo em um dia. Toda cautela é pouca. Nos próximos meses, palavra de honra, com afinco e perseverança hei de satisfazer a gregos e troianos.

e- Finalmente, alguns cidadãos me encontraram na rua, me reconheceram pela foto no site em que estou vesgo, e reclamaram do fato de eu não ser tão vesgo quanto na foto. Reclamaram também da ausência de um endereço eletrônico para que haja canal de contato comigo, razão pela qual meu email aparece logo no início deste texto.

f- os ‘do contra’. Nem tudo é azul no céu de brigadeiro. Outras pessoas [muitas] me insultaram em praça pública. Detestaram as reflexões aqui apresentadas. Acusaram-me de ser irônico, ranheta e sarcástico. Usaram também outras palavras que a decência me impede de registrar aqui. Com minha escolta de proteção que, como afirmei acima, inclui advogado, estou movendo ação judicial por calúnia, difamação e latrocínio contra todos eles. Moral da história: fiz limonada com os limões. Viva eu!

Com esta linda lição me despeço. Felicidades aos geminianos que estão chegando. Vejo vocês em junho! E vice-versa! Escolheremos melhor a foto do Portal! Ciao!

 

¹ Veja-se a propósito o livro de Luiz Alfredo Garcia-Roza, Acaso e repetição em psicanálise – uma introdução à teoria das pulsões. Rio de Janeiro, Zahar, 1996, p. 113-114, de onde retirei esta ideia de uma ‘desnaturalização’ que a sexualidade promove no homem, em sintonia com o pensamento de Freud. Essa discussão está também presente em minha tese de doutorado, defendida em 2002, no Instituto de Psicologia da USP, intitulada A metapsicologia da atenção flutuante, ver p. 62.

 

* por Sergio Zlotnic, especial para o portal da SP Escola de Teatro – [email protected]