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Cinco apontamentos para um teatro crítico

Publicado em: 02/10/2017 |

Tempo de renascer

 

Vou começar minha reflexão de hoje com duas ideias que revelam um grande contraste.

 

Primeiro: demos início, ontem, à maior edição da Satyrianas, que segue até as 23h59 de domingo, com mais de 500 atrações. Como todos já sabem, o evento é, em sua essência, uma saudação à primavera, a mais bela das estações.

Porém, como nem tudo nesta vida são flores, não consigo fingir não saber que a Satyrianas acontece em uma cidade que tem, em média, 2,6 m² de área verde pública de lazer por pessoa. É pouco. É muito pouco.

Tenho pensado muito, mas muito mesmo, em acessibilidade. A preocupação com este tema, que motivou minha recente ida ao Reino Unido, permeia meus pensamentos já há algum tempo. Como também já disse por aqui, acessibilidade, para mim, significa criar mecanismos de acesso que assegurem, primeiramente, a preservação de identidades e gêneros, sejam eles quais forem.

Isso quer dizer que posso utilizar essa palavra tanto para me referir à criação de acessos para um deficiente visual, por exemplo, como para o povo indígena. Hoje, no entanto, vou mais além: precisamos pensar, mais do que nunca, em criar mecanismos de acessos para a vida.

Juntando esse raciocínio aos dois fatos que apresentei no início, percebo o poder que temos em nossas mãos. Criar, estimular a vida, alimentar sonhos! Existe algo mais prazeroso que isso?

Bem, aqui na SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, julgamos impossível desvincular o processo pedagógico e a criação artística da preocupação ambiental. Como poderia? Criar é dar vida a novas ideias. Ensinar e aprender é trocar conhecimentos. Como seria possível fazer tudo isso se, ao mesmo tempo, contribuirmos – ou não ajudarmos a reparar, o que não é tão diferente – o que existe ao nosso redor?

Aí cruzamos com outra questão, que é a sustentabilidade.

No momento em que escrevo este texto, estou trabalhando da varanda que temos no terceiro andar da Sede Roosevelt, com vista para as árvores da Praça. Temos, neste nosso cantinho, vários vasos com diferentes espécies de plantas e, recentemente, colocamos ali bebedouros para pássaros. Agora há pouco, recebi a visita de um belo beija-flor azul. Quem também gosta muito daqui são os bem-te-vis. Que boa companhia! E que bom é saber que no meio de uma região árida como o centro de São Paulo é possível existir vida. Basta acreditar. E agir.

Pelo menos por aqui, estamos buscando novas possibilidades. E continuaremos lutando para que iniciativas como essa não sejam mais que nossa responsabilidade; obrigação, até. Este mundo é nosso. E, lembremos: não estamos sozinhos.

Nem preciso falar muito sobre animais. Todos que já passaram pela Escola ao menos uma vez conhecem nossa mascote, Cacilda, ex-moradora de rua e mãe solteira, que chegou em 2010 e já faz parte da nossa família. Vira-lata, foi encontrada grávida pelas ruas do Brás. Logo se tornou mãe de seis filhotes, que ganharam novos donos. Ela estava largada por aí. Hoje, juro, recebe carinho de absolutamente todos que vejo entrar por estas portas. Criação de acesso. A busca de uma retomada do equilíbrio entre homem e animal.

Desde seu lançamento, em 2009, a SP Escola de Teatro adota uma série de outras medidas e coloca em prática ações que dialogam com as necessidades do nosso planeta e contribuem para aumentar a sustentabilidade da cidade. Agora, posso citar, rapidamente, algumas delas, que se concretizam em nosso dia a dia: reutilização de papel sulfite; distribuição de ecobags, squeezes e lápis feitos com madeira de reflorestamento, que pretende desencorajar aprendizes e funcionários a utilizarem sacolas e copos plásticos descartáveis e lápis convencionais; realização de coleta seletiva, com lixeiras localizadas em pontos estratégicos das sedes da Escola, entre várias outras.

Criar acessos é, justamente, a ideia principal da Satyrianas. Ao menos por 78 horas. Acessos para a cultura. Acessos para a arte. Acessos para a diversão e o prazer. Acessos para que as pessoas possam voltar a sonhar – sim, milhares de pessoas por aí desejam apenas isso: sonhos.

É primavera, é tempo de reinventar a vida! Como na Grécia Antiga, quando a primavera – o tempo da colheita, da festa, da poesia e da celebração – surgia para ressignificar a vida.

Renasçamos, então! Que Dioniso esteja conosco e o espírito da Satyrianas nos inspire. É primavera!