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Amazônica Antígona

Publicado em: 21/06/2022 |

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Mauri Paroni

Como boa parte das pessoas de teatro, estou certo de que a tragédia que chegou ao Ocidente nasceu nas margens do Nilo, quase no centro da África. Sua origem perde-se no tempo e se ramifica diversamente por geografias particulares. Mas hoje, talvez a mais factualmente próxima a nós fale sobre o duplo crime duplo de Creonte e Antígona: esta comete o “crime” da desobediência e aquele o crime de condená-la. Tal proximidade está na banalização de que líderes, a nós contemporâneos, que querem destruir a pouca democracia existente, estejam ali perfeitamente descritos na tragédia de Sófocles. É uma ficção crível e narrativa de maus políticos – que representam a desigualdade social ao produzir uma realidade incrível e factual. Nem mais sepultam corpos – mas sepultam a ausência do estado diante do descontrole da Amazônia, da temperatura, do país que fingem governar.


Essa é uma alegoria que soa como a maçã do Andrea Galileu de Brecht. Bertolt foi além: fez uma versão de Antígona com dois irmãos em luta comum, no prologo depois, a versão do poeta alemão Friedrich Hölderlin (1770-1843).


Para maior evidência sobre o operato de Brecht, aqui está reduzido um excelente resumo da Antígona original, escrito por Daniela Cabral Coelho:

[ Antígona (…) fala sobre a cidade de Tebas, uma cidade estado grega aliada de Esparta. Diversos Reis mitológicos a governaram: Édipo, Polinice, Etéocles e Creonte. (…) Com sua partida para o exílio [edipiano], os filhos lutaram pelo poder e chegaram a um acordo de revezamento no comando a cada ano. No entanto, Etéocles, que foi o primeiro a governar, ao fim do mandato, não quis ceder o lugar de poder ao irmão Polinice, que, revoltado foi para a cidade vizinha e rival. (…) Ali, reunindo um exército aliado, Polinice enfrentou o irmão visando ao trono de Tebas. O conflito acabou com os dois se matando e, então, assumiu o poder o tio Creonte. Usando de seu poder, Creonte estabeleceu que o corpo de Polinice não receberia as honrarias tradicionais dos funerais, pois este tinha lutado contra a pátria. Já ao irmão, Etéocles, o rei determinou que fossem dadas tais honrarias fúnebres. Além disso, determinou pena de morte a quem desobedecesse às suas ordens.(…) Era crença antiga que os rituais de passagem eram importantes para que a alma não ficasse vagando eternamente sem destino. Com essa preocupação, Antígona preferiu correr o risco da morte para enterrar seu irmão despojado Não adiantando nem os apelos de Hemon, filho de Creonte e noivo de Antígona, que clama ao pai pelo bom senso e pela vida de Antígona, pois ela apenas queria dar um enterro justo ao irmão, Hemon briga com Creonte e então Antígona é levada viva à uma tumba (…). Mais tarde aparece Eurídice e conta que, ao abrir a tumba onde Antígona estava presa, encontram-na enforcada e Hemon se mata, após tentar acertar o pai, Creonte. Esposa de Creonte e mãe de Hemon, desiludida pela morte do filho, também se mata. (..) ]
(De https://danicoelho1987.jusbrasil.com.br/ )

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Da Antígona de Brecht: “Não pensem que são poupados, ó infelizes/Mais cadáveres mutilados /Você verá em montões não enterrados; sobre o não enterrado”.

Era o ano 1948 – logo depois da derrota alemã na Segunda Guerra Mundial, e dos começos da guerra fria. Ele seguiu a linguagem original, mas acrescenta um prólogo estabelecido em Berlim em 1945. No original, Etéocles morre e Polinice, culpado de deserção, é punido com a morte. Antígona o sepulta e desafia o regime – uma luta política – não a individual do texto grego originário. Para Brecht, o cadáver sepultado é a alegoria da luta contra qualquer tirania dos Hitler, Trump, Putin, Bannons tropicais e afora .


Acrescida da figura de Antígona condenada à morte, regida por mulheres de corpo velado, emerge a condenação histórica de uma falsa livre expressão do poder de ditadores – factuais ou em progressão de – entrincheirados em suas guerras de mentiras – sem assumir qualquer responsabilidade. Sempre lembrando que Sófocles criou este texto em uma sociedade em que sequer se dirigiam às mulheres senão para assuntos quotidianos, vistas como instrumentos para a procriação da espécie. Os afetos giravam em torno de uma alegoria sinistra onde Creonte enterra viva a mulher que ousou desafiar o seu poder. Enterrou viva quem se opôs a enterrar o assassínio da vida.

Qualquer semelhança com a Amazônia será teatro de verdade.

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Fontes consultadas
https://comozed.com/qual-%C3%A9-o-significado-da-cena-de-abertura-em-antigone

Inconvencional – Antígona de Brecht
Datas: 14 de maio de 2015 em: Leitura, Não Convencional

E, para quem tem a curiosidade de ver o que fez o Living Theatre, retomando a meio hippie – do grupo – versão de Brecht em 1979 por Beck e Malina e , em italiano e inglês: https://www.youtube.com/watch?v=v91pfmkvK4Q&t=6s . Este não é o desempenho da década de 1960. “Foi durante uma viagem a Atenas em 1961 que Julian Beck e Judith Malina se depararam com o Antigonemodell de Bertolt Brecht em 1948. Estreia seis anos depois, em 18 de fevereiro de 1967, em Krefeld, Alemanha. A peça foi remontada pelo Living Theatre em 1979 e este filme é retirado de uma apresentação em fevereiro de 1980, Bari/Itália.

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figuras

Antígona negra. Escultura de Ana Gennard

Franz Carl Hiemer
Portrait of Friedrich Hölderlin (1770-1843)

Paulo Autran e Cacilda Becker Como Creonte e Antígona, de Sófocles e drama homônimo de Jean Anouilh. Direção: Adolfo Celi, 1952. Foto: Fredi Kleemann.

Reproduções de Antigonemodellen. Brecht/Neher/Weigel