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Fulvio Stefanini por Nilu Lebert

Publicado em: 11/10/2012 |

Amanhã, 12 de outubro, o ator Fulvio Stefanini chega aos 73 anos de vida. Para homenageá-lo, a seção Bravíssimo de hoje reproduz o texto de introdução da biografia do autor, “Abrindo as Gavetas”, que a jornalista Nilu Lebert escreveu para a Coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Para ler o livro, na íntegra, clique aqui.

“Um grande prazer. Não há outra forma de definir o sentimento que me acompanhou durante o período da elaboração desta biografia. Até que ela ficasse pronta tivemos doze encontros, todos na casa de Fulvio que, ao lado da mulher Vera, me recebeu de braços (e gavetas!) abertos.

Já nos conhecíamos há muitos anos. Trocávamos algumas palavras, sorrisos e cumprimentos, mas ficava por aí. Dessa relação cordial eu podia intuir que se tratava de um casal afinado, simpático, afável. Cheguei a entrevistar Fulvio nos anos 1990, mas só agora, depois de um contato mais intenso e profundo, posso dizer que aquela impressão inicial se consolidou e foi acrescida de uma consistente admiração e de um carinho sempre crescente.

Rimos muito, durante nossas conversas. Fulvio tem um senso de humor apurado, é craque em imitações e sabe rir de si próprio e das adversidades do cotidiano com uma elegância impar. Sinal de maturidade? Talvez sim, talvez uma qualidade inata, talvez resultado do profundo respeito que ele demonstra pelos colegas e pelo ser humano em geral. Um cavalheiro, sem dúvida. Porém um cavalheiro que vai além do politicamente correto, da chamada boa educação, porque permeia seus atos com afetividade.

Em nossos encontros na casa dos Stefanini, era ele quem preparava o café que tomávamos durante o trabalho. Vera chegava depois, trazendo tortas e docinhos, momento certo de fazermos uma pausa enquanto outro café era servido. E ali na cozinha, longe do computador, eles contavam casos, relatavam lembranças e emoções vividas a dois, como o encontro e a posterior amizade com Zélia e Jorge Amado – fato que incluímos neste livro.

Foi também na cozinha que vi Fulvio chorar. Sem nenhum pudor, ele chorou a morte do amigo Tchibuco, cachorro querido que os acompanhava há mais de uma década e que falecera subitamente na noite anterior. Ouvi comovida aquela história de companheirismo, de fidelidade, do exercício permanente de amor entre um homem e seu amigão de quatro patas. Aquela cena me fez pensar, e concluí que é preciso ser muito forte para conseguir explicitar a fragilidade diante de uma perda afetiva. Choramos juntos. Fulvio estava de luto.

No coração dos Stefanini os animais fazem parte da família, e, de tal forma, que eles já salvaram do abandono mais de duzentos cachorros, colocando-os em lares onde encontraram abrigo e afeto. Me parece que isso basta para dar ao leitor a dimensão da generosidade, responsabilidade e humanidade que são a marca registrada do casal. Ainda que este livro seja a biografia de Fulvio, é difícil deixar de falar sobre Vera, já que a vida dos dois se fundiu de tal forma que é impossível desassociá-los.

Muito já foi dito sobre a arte do ator Fulvio Stefanini, que tem seu talento constantemente elogiado pelos críticos mais severos. No entanto, decidi transcrever aqui um trecho do artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo em maio de 2010, e assinado por Mariângela Alves Lima. Ao comentar a peça “A Grande Volta”, ela evidencia nuances da arte de Fulvio ressaltando sua forma personalíssima de representar: “Não é fácil contabilizar, entre nossos atores profissionais, outros intérpretes com o mesmo preparo de Fulvio Stefanini para as sutilezas do verismo. Além do talento – que muita gente também tem e desperdiça –, esse ator veterano conservou um instrumental técnico que as escolas aos poucos vão abandonando, mas que é utilíssimo para um tipo de peça que vive da credibilidade das personagens. Todas as suas falas são inteligíveis graças à dicção precisa, perfeitamente ajustada ao volume da voz que soa exatamente como se fosse adequada à situação, e não endereçada à plateia”.

Comentando com Fulvio essa alquimia de aliar a técnica com a veracidade do personagem, sem comprometer nem uma e nem outra, ele me disse que essa aptidão foi desenvolvida ao longo dos anos e é fruto de muita observação.

“Sempre me pergunto qual pausa dar, para onde olhar, e qual seria a linguagem corporal desse ou daquele personagem diante de determinada situação. Eu acabo dando um toque de autor nos meus personagens, e isso tem funcionado!”, disse ele. Não me parece uma receita simples, mas com certeza o resultado é surpreendente. E de tal forma que Jorge Amado, ao conhecer Fulvio pessoalmente depois do sucesso do personagem amadiano, na novela Gabriela, lhe disse: “O seu Tonico Bastos é melhor do que o meu!”.