Chris, a Menina Linda dos Olhos Mais Lindos
Eu e a Chris tivemos, embora breve, uma relação bastante intensa. Antes de conhecê-la pessoalmente, criamos na Internet uma história, digamos assim, conturbada. Primeiro foram as trocas de e-mails, depois através do Twitter e, por fim, no Facebook. Fomos nos conhecer pessoalmente há pouco tempo – dois anos, no máximo. Mas, quando nos encontramos, já tínhamos desenvolvido uma intimidade curiosa. Com brigas, inclusive.
Christiane Riera (Foto: Acervo pessoal)
A primeira mensagem da Chris veio há algum tempo, em 2005. Ela queria conhecer o texto de “A Vida na Praça Roosevelt”, de Dea Loher, que estávamos montando. Isso ocorreu antes da estreia da peça, que aconteceu em agosto daquele ano. Depois disso, fomos ficando próximos. Quando a Chris entrou no Twitter, começou a me seguir e foi aí que a gente se estranhou.
Mas foi bonita também a maneira que isso aconteceu. Depois de ter me dado um unfollow, escreveu um longo e-mail me explicando suas razões. E antes de acertamos os ponteiros, porém, brigamos mais um pouco, sempre através de mensagens. A paz foi selada quando ela voltou a me seguir no Twitter.
Há uns meses, no entanto, ficamos muito próximos. Primeiro quando começamos a discutir o papel do dramaturgista na cena brasileira. Não sei por que, há uma inversão nas funções da categoria, aqui no Brasil.
O que é bem claro no teatro alemão – onde surgiu a função “dramaturg”, com Lessing, no século XVIII – acaba se confundindo aqui no nosso teatro. Assim, o dramaturgista, profissional responsável pela pesquisa e, segundo Patrice Pavis, “o conselheiro literário e teatral agregado a uma companhia teatral”, aqui é tomado por “dramaturgo em processo”, aquele que é convidado por um grupo para organizar a dramaturgia de um espetáculo.
Eu e Chris falamos muito sobre isso. E ela me ensinava: “enquanto o dramaturgo compõe o drama, o dramaturgista o auxilia na organização de seus caminhos, através de pesquisas”.
Sua voz era de respeito. Afinal, Chris tinha formação em dramaturgia na Yale University/Yale School of Drama e estava, neste momento, fazendo pós-doutoramento na ECA/USP.
Mas o lindo da Chris era sua generosidade. Quando soube, em março, que estávamos organizando aqui, no portal da SP Escola de Teatro, uma série de homenagens a grandes nomes do teatro brasileiro, prontamente se ofereceu para escrever seu depoimento para a Maria Luisa Mendonça, sua amiga de anos. Ficou tão, mas tão entusiasmada com a ação que se propôs a escrever sobre mais duas pessoas: Cleide Yáconis e Walderez de Barros.
Mas não deu tempo. Chris se foi numa sexta-feira de sol. Um dia lindo, esplendoroso – veja só que ironia. Apesar de sabermos de sua doença, sempre pensamos que a menina linda dos olhos mais lindos venceria a armadilha do destino. Mas destino é destino e sempre tão incerto…
Ontem, falando com o Pedro, um de seus sobrinhos, descobri algo que me emocionou demais. Ele me contou, vejam só, que a Chris, no hospital, havia falado para a irmã dela que era para eu cuidar de seu legado dramatúrgico. Agora, há pouco, recebo um e-mail do Pedro, que me revela ter encontrado no apartamento da Chris um bilhete:
Toda minha biblioteca (livros de dramaturgia/teatro)
Doada para a SP Escola Teatro, aos cuidados do Ivam Cabral
O mais louco desta história: na sexta, quando pensamos nesta homenagem, nem sequer imaginávamos que o destino da Chris e o da SP Escola de Teatro estavam tão ligados.
Vai com Deus, Chris. E com a certeza de que estaremos cuidando de seu legado.
Acesse os verbetes de Christiane Riera e Ivam Cabral na Teatropédia.
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