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VER O OUTRO: Bob Sousa entrevista Marcelo Drummond

Publicado em: 07/07/2025 |

Marcelo Drummond, por Bob Sousa

Ator, encenador e herdeiro direto da pulsação criativa do Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, Marcelo Drummond protagoniza Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues, em montagem dirigida por Monique Gardenberg. No papel de Misael, ele dá corpo a um homem dilacerado entre a culpa, o desejo e os fantasmas de uma família em colapso. A montagem marca também um momento delicado e potente na história do grupo: é uma das primeiras grandes criações do Oficina após a morte de José Celso Martinez Corrêa, figura central do teatro brasileiro e parceiro de vida e arte de Marcelo. Com mais de quatro décadas de trabalho junto ao Oficina, Marcelo Drummond hoje carrega não só a cena, mas a missão de manter vivo um dos projetos mais ousados e utópicos da cultura brasileira. Nesta conversa, ele fala sobre o processo de criação do espetáculo, o encontro com o texto de Nelson Rodrigues e os caminhos para dar continuidade a um legado que transcende o teatro.

Bob Sousa – Senhora dos Afogados é uma obra atravessada por silêncios, fantasmas e desejos reprimidos. Como foi, para você, construir a fisicalidade e a densidade emocional de Misael em um momento tão pessoal de transição e luto dentro do Oficina?

Marcelo Drummond – Eu sou um ator que, no teatro, só tinha sido dirigido pelo Zé Celso – minhas outras incursões no teatro foram dirigindo – e com Monique encontrei a parceria que permitiu montar a peça que era o desejo do Zé há muitos anos (não senti que pudesse dirigir e protagonizar). Senhora dos Afogados é a peça do Nelson Rodrigues que Zé sempre se interessou em montar (ele queria, no caso, filmar e eu que quis montar no teatro). O Boca de ouro aconteceu por acaso, não estava nos planos, mas na montagem aprendi como fazer. O Zé adorava as peças do Nelson, achava perfeitas e que tinha que seguir as direções do próprio texto – não via muito onde poderia interferir.

Com Misael, primeiro, para o Zé tinha a piada de um Drummond fazer um Drummond, achávamos engraçado, mas tomou forma e é muito mais que uma piada. É um tipo de personagem que quem me acompanha nas montagens do Oficina (entre atuação e direção são mais de 40) não estão acostumados a me ver fazendo. Um “homem de bem”, pai de família, com um feminicídio nas costas (um tipo que infelizmente sempre esteve presente na nossa sociedade), hipócrita, que se faz de vítima. Ótima personagem!

Durante os ensaios eu lembrava as direções do Zé no Boca de Ouro, uma das principais direções era seguir as rubricas do Nelson, e ao mesmo tempo seguia as visões da direção da Monique.

 

Bob Sousa – O espetáculo traz elementos muito marcantes do Oficina — o coro, a presença ritualística do corpo, o delírio dionisíaco — e ao mesmo tempo inaugura uma nova fase sob a direção de Monique Gardenberg. Como tem sido equilibrar essas heranças e abrir espaço para novas linguagens no grupo?

Marcelo Drummond – O Oficina são muitos Oficinas, é assim há algum tempo – cresceu muito pra chamar de um grupo. São muitos artistas, de várias áreas e gerações que passam pelo Oficina, vão e voltam, e com isso somos vários grupos. Muitos desses artistas, como eu, trabalharam muitos anos com o Zé Celso e também partiram para direção com projetos próprios, então são várias produções que são realizadas e apresentadas no teatro.

A Monique começou a dirigir teatro porque o Zé a dirigiu para fazê-lo. Nossa primeira aproximação foi quando ela produziu o Hamlet no Rio, depois teve o Esperando Godot no CCBB do RJ em 2001 e, mais recentemente, ela dirigiu com Zé o filme de Esperando Godot. Monique é uma diretora incrível, que conhece a obra do Zé, e quis nessa montagem de Senhora dos Afogados antropofagizar Zé Celso e o Oficina – sei que vai levar muito dessa influência para suas futuras obras, filmes e peças.

 

Bob Sousa – Zé Celso sempre falou sobre a continuidade do Oficina como uma utopia viva. Hoje, você ocupa o centro dessa travessia. Quais têm sido os principais desafios — práticos, afetivos e artísticos — para manter esse legado em movimento e não transformá-lo em monumento?

Marcelo Drummond – Continuando o trabalho de teatro que sempre guiou a trajetória do Oficina e passar os fundamentos adiante do mesmo jeito que nos foi passado. Tratando-se de teatro, as  dificuldades passam a ser da cena e com a prática do teatro elas se resolvem. E a grande dificuldade é ainda manter o teatro que é um monumento, não somos uma companhia de artistas fixos, não temos patrocínio, muitos de nós, eu inclusive, temos que nos virar pra viver, sempre foi assim, mesmo quando temos algum patrocínio não é o suficiente para manter cerca de 50 – que é mais ou menos o número de pessoas envolvidas em cada produção. Sempre dependemos do nosso movimento como artista. Apesar do Teatro ser o que é, não vivemos numa zona de conforto.

Leia a crítica de “Senhora dos Afogados”, por Bob Sousa