
Marcio Abreu, por Bob Sousa
Com uma trajetória marcada pela inquietação poética e pelo compromisso ético com a cena contemporânea, Marcio Abreu volta aos palcos paulistanos com Sonho Elétrico, nova criação da companhia brasileira de teatro. Inspirado na obra do neurocientista Sidarta Ribeiro, o espetáculo propõe uma imersão sensível no universo dos sonhos como potência política e caminho de reinvenção coletiva. Diretor, dramaturgo e idealizador do projeto, Abreu conduz o público por uma jornada entre a vida e a morte, a memória e o desejo, costurando linguagens diversas em uma visualidade sofisticada e afetiva. Nesta entrevista, ele comenta o processo criativo da obra, a relação com o pensamento de Sidarta e os desafios de sonhar em tempos de crise.
Bob Sousa – Sonho Elétrico parte de uma situação-limite — um artista em coma — para construir uma dramaturgia do inconsciente. Como foi o processo de traduzir os temas propostos por Sidarta Ribeiro para a linguagem da cena?
Marcio Abreu – Desde a experiência com a plataforma de criação VOO LIVRE, que comecei em 2023 com a companhia e diversos artistas e pensadores que se juntaram a esse movimento, que envolve as dimensões de pedagogia, troca, criação e compartilhamento, ao mesmo tempo em que se afirma como experiência autônoma gerando também insumos para criações futuras. Foi um momento de reação às pressões sofridas nos muitos anos desde a chegada do fascismo ao poder no Brasil simultaneamente à pandemia e todos os ataques e impedimentos que nós artistas sofremos nesse período. O VOO LIVRE foi uma reação estética e política a isso tudo. Uma ação afirmativa que segue tendo muitos desdobramentos. Foi nesse contexto que, com mais determinação, começamos a pesquisar as relações entre memória íntima e memória coletiva, as dimensões do sonho como parte da vida e as perspectivas do imaginário como construção coletiva. Foram vários referentes e um deles o pensamento do Sidarta Ribeiro. O Sonho Elétrico dialoga com as questões presentes nas falas e articulações que o Sidarta propõe. Mas não é uma adaptação de sua obra. É um texto que escrevi a partir desse diálogo e de uma campo maior de perquisition teóricas, mas também no campo da performance que tivemos a chance de realizar durante todo o trajeto do Voo Livre. Dessa mesma experiência, saiu o AO VIVO (dentro da cabeça de alguém). São peças que fazem parte de um mesmo campo de interesses e de tentativas de criar conexão com o público por vias sensíveis e lidando com lógicas ligadas a percepções mais expandidas da realidade. Tudo isso está, de muitas maneiras, materializado nas linguagens das peças.
Bob Sousa – A visualidade do espetáculo tem um papel fundamental na construção da narrativa. De que forma a colaboração com artistas como Nadja Naira, Key Sawao e Felipe Storino influenciou a criação da atmosfera onírica da peça?
Marcio Abreu – O trabalho de criação tem a colaboração desses artistas incríveis, todas e todos com trajetórias admiráveis. A dimensão dramatúrgica transborda o texto e todos os elementos se articulam para gerar a dimensão do acontecimento vivo e real da cena. Imagem sonora, movimento, composição em múltiplas camadas, com elementos de linguagem plurais são a tônica dessas peças. Especialmente em SONHO ELÉTRICO, as relações entre texto, imagem tridimensional em cena, espaço, sonoridades, luz e movimento propõem uma lógica de composição. Artistas como Nadja Naira, José Maria, Cássia Damasceno, Key Sawao, Felipe Storino, Fábio Osório, Juliana Linhares, são parcerias fundamentais pra que tudo aconteça. Além, claro, do elenco brilhante, com quem criamos a peça. E uma equipe numerosa de criadores, técnicos e profissionais de áreas diversas. Isso é o melhor de tudo.
Bob Sousa – O espetáculo é resultado de um processo amplo, que envolveu residências artísticas e o diálogo com artistas de diferentes áreas e gerações. Que tipo de transformação esse processo coletivo provocou em você enquanto criador?
Marcio Abreu – Tenho tentado, sempre que posso, abrir os processos para outras pessoas, em residências que tenham também dimensão formativa. Foi assim no VOO LIVRE – Sonho Manifesto no Sesc Pompeia em 2024 e também na residência de criação do SONHO ELÉTRICO, no CPT, em Abril de 2025. Em ambas as experiências, realizamos ações com jovens artistas aprendizes ou já profissionais inseridos no mercado de trabalho. Sempre com a perspectiva da troca. Venho fazendo isso há muito tempo. Peças como PRETO E PROJETO BRASIL foram criadas também em residências e em interlocução com o público. Eu me interesso pela dimensão pública da arte.