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VER O OUTRO: Bob Sousa entrevista Luiz Antônio Rocha

Publicado em: 22/06/2025 |

Luiz Antônio Rocha, por Bob Sousa

 

Com quase quatro décadas dedicadas à cena artística, Luiz Antônio Rocha construiu uma carreira que transita com excelência entre teatro, cinema e televisão, sempre atento à potência das narrativas que dialogam com questões humanas profundas. Após o sucesso de Helena Blavatsky, a voz do silêncio, Rocha retoma a parceria com a filósofa Lúcia Helena Galvão e a atriz Beth Zalcman no espetáculo ÂNIMA, em cartaz no Teatro B32, em São Paulo. A montagem celebra a força ancestral feminina e homenageia mulheres que transformaram o mundo com coragem, sabedoria e resistência. Unindo palavra, corpo e tecnologia, o diretor propõe ao público uma experiência sensorial e filosófica, onde luz, som e movimento se entrelaçam em um tecido cênico de rara beleza. Nesta entrevista, Luiz Antônio Rocha compartilha os bastidores da criação e fala sobre as escolhas poéticas que atravessam seu processo artístico.

 

Bob Sousa – ÂNIMA traz ao palco mulheres históricas que desafiaram padrões e deixaram marcas profundas na humanidade. Como foi o seu processo de construção cênica para unir essas personagens tão distintas em um único fio narrativo, e qual foi o maior desafio nessa costura?

Luiz Antônio Rocha – Talvez o maior desafio tenha sido o ponto de partida, como contar a história de mulheres de séculos diferentes e que fosse compreensível para o público.
“ÂNIMA” é uma peça de teatro inspirada na frase de Delia Steinberg Guzmán: “Desde sempre e para sempre toda mulher tem parentesco com a primeira estrela brilhante que levou luz ao azul profundo do céu”. A peça entrelaça a existência e a história de mulheres idealistas que sacrificaram suas próprias vidas em prol de um ideal. Emissárias heroínas que deixaram suas marcas indeléveis nas linhas da história: Hipátia de Alexandria, Marguerite Porrete, Joana Darc, Helena Blavatsky, Harriet Tubman e Simone Weil. Mulheres que mudaram o curso da história e que desde sempre e para sempre levaram luz ao azul profundo do céu.
A autora abre a peça com o Céu de Uranos: “Um universo de possibilidades… No início era o caos, o vazio absoluto: espírito puro e a matéria pura. O encontro acontece: partículas de matéria e de espírito se entrelaçam num estreito abraço e começam a dançar seu drama em espirais pelos quatro cantos do espaço…”
Optei por trazer um palco nu, vazio, a ideia é mostrar um universo de possibilidades que o Teatro oferece, assim como o céu de Uranos, o vazio absoluto, o início da vida. Apenas a atriz sozinha no palco vai revelando, traçando um paralelo com o céu de uranos que também é um universo de possibilidades.
A encenação transita por vários séculos, cada mulher escolhida é de um século diferente, também falamos do futuro, das mulheres que virão e do momento presente do século XXI, por essa razão trazemos uma montagem “extratemporal”, transitando por vários momentos do tempo: passado, presente e futuro. Acabei misturando elementos de todos os séculos, inclusive do momento atual e do futuro, como o raio-laser e até um drone que contracena com a atriz. No fundo, o espetáculo quer retratar o poder transformador das mulheres, cada vez mais importante no mundo atual. A coragem e a resistência daquelas seis mulheres ainda estão, felizmente, presentes em tantas outras do nosso dia a dia, seja por meio de mulheres famosas ou não.

 

Bob Sousa – Você já declarou se sentir um diretor de “alma feminina” e, neste espetáculo, trabalha novamente com duas grandes artistas mulheres. Como essa troca criativa com a Lúcia Helena Galvão e a Beth Zalcman influência e expande o seu olhar como diretor e como homem?

Luiz Antônio Rocha – Trabalhar com a Lúcia e com a Beth é sempre um mergulho profundo — e muito generoso — no universo feminino, na sensibilidade, na escuta e na inteligência emocional. A Lúcia traz um olhar filosófico que transborda sabedoria e espiritualidade; a Beth, uma entrega corporal, criativa e emocional que transforma a cena em matéria viva. Essas parcerias me desafiam e me lapidam como artista e como ser humano. A “alma feminina” que trago como diretor não é apenas uma metáfora: é um compromisso com a delicadeza, a intuição e a escuta sensível. Esse diálogo com mulheres potentes amplia meu repertório estético, mas, acima de tudo, aprofunda meu olhar sobre o mundo.

 

Bob Sousa – A tecnologia, representada pela interação da atriz com um drone em cena, ocupa um papel simbólico e inovador na montagem. Como surgiu essa ideia e de que forma você acredita que a tecnologia pode ampliar as possibilidades de sensibilidade e poesia no teatro contemporâneo?

Luiz Antônio Rocha – A ideia do drone surgiu como uma extensão do olhar divino, do mistério, daquilo que nos observa de cima — uma presença que transcende o tempo. Em ÂNIMA, falamos das mulheres que foram, das que estão entre nós e daquelas que ainda virão. É uma peça atemporal, que se move entre o passado, o presente e o futuro. Por isso, quis trazer elementos futuristas para a montagem, não como fetiche tecnológico, mas como símbolo poético das mulheres do porvir — as que ainda nascerão, as que continuarão rompendo limites e escrevendo a história com coragem. O drone em cena representa essa consciência ampliada, esse espírito do tempo que nos atravessa. Ele não está ali apenas como efeito visual, mas como metáfora: é o olhar da ancestralidade e da posteridade ao mesmo tempo. Acredito que a tecnologia, quando usada com sensibilidade, pode abrir novos caminhos para o teatro. Ela não substitui a emoção nem a presença, mas pode ampliar a poesia da cena, provocar outras camadas de leitura, nos convidar a imaginar mundos possíveis — inclusive os que ainda não existem, mas onde essas mulheres do futuro já caminham.

 

Leia a critica de “ÂNIMA”, por Bob Sousa