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“Água Fresca: uma comédia de Virginia Woolf” traz egressos, estudante e artistas docentes da SP Escola de Teatro

Escrito em 1923 e revisitado em 1935, Freshwater: a Comedy, único texto teatral de Virginia Woolf, ganha tradução e encenação inéditas no Brasil. Idealizado por Gabriel Saito e Victor Santiago, que assina a tradução, adaptação e dramaturgismo, ÁGUA FRESCA: UMA COMÉDIA DE VIRGINIA WOOLF, com direção de Sol Faganello, estreou no dia 7 de fevereiro no Teatro do Sesc Ipiranga e segue em cartaz até dia 30 de março.

Sol Faganello é egressa do curso de Direção da SP Escola de Teatro, além de ter sido artista docente convidada em diferentes semestres na Escola. O elenco conta com Dante Preto, estudante do curso de Atuação da SPET, e Diego Pallardó, egresso do curso de Técnicas de Palco e artista docente convidado da Escola em diversos semestres.

ÁGUA FRESCA satiriza figuras históricas como Julia Margaret Cameron, tia-avó de Virginia Woolf, e a atriz Ellen Terry, além de abordar questões como colonialismo e gênero na era vitoriana. A peça contém uma crítica afiada e sofisticada à intelectualidade modernista de Bloomsbury, grupo do qual a autora inglesa fazia parte, e visa conectar o riso daquela sociedade inglesa com questões atuais e caras para o público brasileiro, tais como os debates de raça, classe e gênero.

Com sete atores em cena – Ana Paula Lopez, Camilla Flores, Danila Gonçalves, Dante Preto, Diego Pallardó, Gabriel Saito e Joana Santos – ÁGUA FRESCA: UMA COMÉDIA DE VIRGINIA WOOLF atualiza o conceito “valor do riso” (1905), que para Woolf é uma forma de desestabilizar noções do status quo, a partir da estética caricatural e exagerada.

Escrita durante um período em que Woolf estava trabalhando em Mrs. Dalloway e O Leitor Comum, a peça foi considerada pela própria autora como um descanso, uma pausa criativa. O texto – presente de aniversário de Woolf para sua sobrinha Angelica Bell – desconstroi a pompa da elite britânica com diálogos ágeis e situações inusitadas.

Política e feminista

Victor Santiago, que assina a tradução, adaptação e dramaturgismo do espetáculo, explica que Virginia Woolf é frequentemente lembrada como uma autora melancólica e hermética, marcada por uma vida de desafios emocionais que culminaram em seu suicídio. Para ele, essa narrativa, embora válida, obscurece outras facetas de sua personalidade e de sua obra, como o humor, a ironia e a subversão. 

“Embora seja pouco estudada nos círculos acadêmicos, a peça oferece uma estética marcadamente política e feminista. Por meio da comédia, Woolf subverte ideias de seriedade artística, desafiando os padrões que marginalizam o feminino e a comédia em favor do masculino e da tragédia. Revisitar essa obra é também revisitar uma estética feminista que critica o lugar de subordinação imposto a grupos marginalizados”, esclarece Santiago.

Como Virginia Woolf já abordava gênero, sexualidade e raça de forma transgressora, a encenação de ÁGUA FRESCA: UMA COMÉDIA DE VIRGINIA WOOLF atualiza os debates propostos pela autora, de maneira que dialogassem com as questões brasileiras contemporâneas. “Enquanto Woolf fazia críticas importantes em relação ao colonialismo e às normas de gênero de sua época, nosso desafio foi expandir essas reflexões, incorporando um elenco diverso, com atores negros, amarelos, LGBTQIA+ e corpos que rompem com padrões tradicionais”, pontua o tradutor.

Idealizador da montagem ao lado de Victor Santiago, o ator Gabriel Saito acredita que o texto consegue apresentar debates políticos e personagens complexos, mas com humor. “O riso é uma ferramenta forte de conexão com a plateia e traz uma identificação com nossas próprias sombras, mas de maneira leve subvertendo a dor. Ao trazermos essa obra ao Brasil, queremos mostrar uma Virginia Woolf multifacetada, cuja complexidade vai além dos rótulos tradicionais”.

Tom cômico

A dinâmica de um elenco composto por sete atores, em uma obra que mescla comédia de costumes e debates sociais, requer um equilíbrio cuidadoso entre o humor e a profundidade dos temas. Tendo isso em vista, a diretora Sol Faganello optou por flertar, em sua encenação, com a palhaçaria para aprofundar os traços cômicos e caricaturais presentes no texto da autora inglesa.

Woolf brinca com memórias sob personagens que conheceu na infância e relatos de acontecimentos vividos por ela e seu círculo de artistas e familiares. Assim, revela-se uma autora que, além de contemplar sua obra com profundidade, tem a rara capacidade de rir de si mesma. “Na peça é a memória que surge como fio condutor. Não qualquer memória, mas a memória da criança, um universo de potência onde tudo é visto pela primeira vez. É um resgate da ludicidade, dessa potência nativa da criança que inventa o mundo e, brincando, acredita nele. Essa linguagem simbólica, repleta de imaginação, se torna um portal para a criação”, esclarece a diretora.

As investigações corporais, vocais e cômicas foram fundamentais para dar vida às figuras e ressaltar o tom cômico da obra. Nesse percurso, ÁGUA FRESCA: UMA COMÉDIA DE VIRGINIA WOOLF contou com contribuições essenciais: de Ana Paula Lopez que, além de estar em cena, trabalha na direção de movimento e preparação corporal para o cômico, e de Bete Dorgam que conduziu workshops de palhaçaria que contribuíram para a linguagem do humor no elenco.

O processo de encenação também incluiu workshops focados na pesquisa das personagens, no contexto da peça e no pensamento de Virginia Woolf. Os atores e atrizes mergulharam profundamente na construção das figuras, investigando quem eram essas pessoas, suas motivações e as conexões com o mundo contemporâneo. Cada descoberta foi compartilhada e debatida, enriquecendo não apenas o entendimento individual, mas também a pesquisa geral do espetáculo.

“Esse processo coletivo não só trouxe consciência sobre os debates sociais abordados por Virginia Woolf – especialmente a crítica às estruturas patriarcais e sociais de sua época –, mas também permitiu que nossa encenação estabelecesse um diálogo contemporâneo. A diversidade do elenco, tanto por sua representatividade quanto por suas experiências artísticas, contribuiu para que o espetáculo não apenas refletisse, mas praticasse a pluralidade em sua criação. Acredito que essa união de talentos, criatividade e colaboração resulta em uma experiência artística que diverte, emociona e provoca reflexão”, revela a diretora.

Dessa forma, ÁGUA FRESCA: UMA COMÉDIA DE VIRGINIA WOOLF não apenas celebra a estética transgressora de Woolf, mas a amplia, conectando-a ao Brasil pós-pandêmico e pós-governo autoritário. Foi um processo desafiador, mas necessário, para que a peça pudesse encontrar novas camadas de significação e continuar relevante na contemporaneidade brasileira.

Bloomsbury

A direção de arte de ÁGUA FRESCA: UMA COMÉDIA DE VIRGINIA WOOLF, assinada por Pedro Paulo de Souza, busca referenciais na estética do movimento de Bloomsbury (reunião de artistas e intelectuais ingleses no bairro de Bloomsbury, em Londres, para debater questões filosóficas aliadas à criatividade artística e social). No palco, mobiliários e objetos específicos para cada personagem são pintados e envelopados com traços listrados e/ou angulosos e formam um conjunto que remete a uma casa estilo Bloomsbury.

Já a luz de Sueli Matsuzaki traz à cena momentos bem expressionistas contrapondo com momentos mais suaves. A ideia é trazer um lado lúdico como se fosse um sonho, por meio do olhar da criança. 

A trilha sonora de Camila Couto mergulha nas ideias de paisagem e arquitetura sonora, definindo o espaço-tempo das personagens e refletindo suas dimensões internas, ao mesmo tempo em que explora elementos sonoros que interagem com a comicidade da peça.

Serviço

ÁGUA FRESCA: UMA COMÉDIA DE VIRGINIA WOOLF

De 7 de fevereiro a 30 de março, sexta-feira e sábado às 20h e domingo às 18h (não haverá sessão nos dias 28 de fevereiro e 1 e 2 de março).

Sesc Ipiranga [Teatro] – Rua Bom Pastor, 822 – Ipiranga, São Paulo.

90 minutos | 12 anos | De R$18,00 a R$ 60,00 (site e bilheterias da Rede Sesc).

Ficha técnica

Direção – Sol Faganello. Tradução, Adaptação e Dramaturgismo – Victor Santiago. Elenco – Ana Paula Lopez, Camilla Flores, Danila Gonçalves, Dante Preto, Diego Pallardó, Gabriel Saito e Joana Santos. Direção de Movimento e Corpo Cômico – Ana Paula Lopez. Interlocução Cômica – Bete Dorgam. Desenho de Luz – Sueli Matsuzaki. Trilha Sonora – Camila Couto. Direção de Arte – Pedro Paulo de Souza. Produção de Arte – Du Piran. Visagismo – Amanda Mantovani. Próteses e assistente de maquiagem – Isabela Pinguel. Costureira – Patrícia Campos. Assistente de Arte – Davi Alejandro. Assistente de Cenografia – Leon Ruy. Assessoria de Imprensa – Nossa Senhora da Pauta. Fotografia – Camila Picolo. Direção de Produção – Gabriel Saito. Produção Executiva – Vanessa Curci. Idealização – Gabriel Saito e Victor Santiago.




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