
João Pedro Mariano em “Baby” | Foto: Divulgação
“Baby” é o segundo filme de Marcelo Caetano. Sua estreia como diretor de cinema foi com “Corpo Elétrico” (2017). Em cartaz nos cinemas, “Baby” conta a história de Wellington, que, ao sair da Fundação Casa, percebe que foi abandonado pela família. Perdido no centro da maior metrópole da América Latina, o jovem conhece Ronaldo, um garoto de programa que o protege e lhe ensina sobre as formas de sobreviver em meio a uma realidade crua e marginal. Ronaldo e Wellington, que agora se apresenta como Baby, desenvolvem uma relação conturbada e complexa, que envolve posse, parceria, acolhimento e rupturas. “Baby” é, principalmente, sobre recomeço e as relações humanas que possibilitam e colorem esse reinício.
João Pedro Mariano tem 21 anos, é natural de Guaxupé (MG) e tem sua estreia no cinema interpretando o protagonista de “Baby”. Egresso do curso de Atuação da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, João foi premiado por sua interpretação no Festival do Rio 2024, no Fest Aruanda e no Mix Brasil. Até agora, o filme reúne 27 prêmios ao redor do mundo, incluindo o de Melhor Ator Revelação, em Cannes, para Ricardo Teodoro, que interpreta Ronaldo no longa.
Além de João Pedro Mariano, “Baby” conta com mais artistas que passaram pela SP Escola de Teatro. Maurício Sasí, estudante do curso de Atuação, Breno da Matta, egresso do curso de Atuação, e Mawusi Tulani, ex-artista docente convidada da Escola, também estão no elenco do filme.
+ Estude na SP Escola de Teatro!
Confira nossa entrevista com João Pedro Mariano:
“Baby” é sua estreia no cinema. Antes você se dedicava exclusivamente ao teatro. O cinema sempre foi algo que você tinha no seu horizonte ou foi uma vontade que surgiu posteriormente?
É engraçado, porque eu sinto que surgiu posteriormente, mesmo que eu fosse ao cinema com frequência. Sempre fui muito cinéfilo, assistia a muitos filmes, mas nunca me imaginava fazendo um filme. Quando eu era pequeno, falava para todo mundo “Não quero cinema, não quero televisão, quero somente o teatro”. Agora, com o “Baby”, me virou essa chavinha. São lugares diferentes, mas que se complementam. Sou muito feliz de ter começado no teatro e ter migrado para o cinema, mas sempre falo que o teatro é realmente minha grande paixão de vida. Amo estar no palco, amo construir um personagem para ir pro teatro, então fico nesse meio entre cinema e teatro.
Você se formou no curso de atuação da SP Escola de Teatro em 2023. Pode nos contar um pouco sobre a sua passagem por aqui?
Nossa, teve tanta coisa boa… Quando eu tinha 15 anos, uma amiga minha estudou Atuação aqui na Escola. Eu morava em Guaxupé, vi ela fazendo o curso e falei: “Quando eu fizer 18 anos, vou entrar naquela escola”. E foi o que fiz, mas entrei com 17 anos. Sempre tive muito amor pela Escola, pela localização, pelo público. Lembro de vir assistir a um espetáculo aqui também, o “O Voo das Andorinhas”. Sempre tive muita vontade de estudar aqui, acho que pela metodologia, que é uma coisa que me encanta muito, essa troca com outras pessoas. Conheci muita gente aqui, fiz muitos amigos.
Sempre tive essas memórias meio marcadas em mim, de como a SP Escola de Teatro me preparou, tanto em questão de atuação, mas também em localização na própria São Paulo. Me mudei para cá para estudar na Escola, então eu sinto que estar aqui me fez, de certa forma, virar um cria de São Paulo. Tanto que eu falo muito que “Baby” foi uma construção para mim, porque eu já conhecia muito esse lugar: a Praça da República, a Praça Roosevelt… Então já era algo que eu tinha muito em mim e foi graças à SP Escola de Teatro.
O filme se passa principal e quase exclusivamente no centro da cidade de São Paulo. Quais vivências você levou da SP para seu trabalho em “Baby”?
Quando a gente começou a preparar “Baby”, eles me colocaram ali na Praça Duque de Caxias, próximo à Praça Princesa Isabel, que é realmente onde pulsa mais a periferia de São Paulo, onde estão as pessoas em situação de rua. A minha vivência com o público queer, e eu sendo uma pessoa queer, se deu muito aqui. Eu sinto que aqui, esse lugar, a Rua Augusta, a Praça Roosevelt, a República, são o centro, o coração do público gay. Então, para mim, a SP Escola de Teatro estar localizada nesse lugar, na Praça Roosevelt, é importante. Eu já chego em “Baby” num lugar de “eu conheço essa galera, é o meu lugar, onde eu estou há dois anos, indo e voltando todos os dias”. Quando eu chego em “Baby”, é muito legal, porque a gente gravou em alguns lugares que eu ficava: “Gente! Eu passei tanto aqui!”
Excelentes atores que temos no nosso cinema são artistas que vieram do palco: Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, Laura Cardoso, Matheus Nachtergaele e tantos outros. Para você, qual a importância de uma vivência no palco para quem quer se desenvolver também no cinema?
Acho que é uma das coisas mais importantes para mim. Sou o que eu sou e estou fazendo o que eu faço muito pelo o que vi no teatro. A gente tem um desejo muito grande de construir, amamos uma sala de ensaio. No processo de “Baby”, somos eu e Ricardo do teatro. Então a gente se juntou com o Marcelo e ensaiamos muito, pesquisamos muito. É muito no corpo que nascem as coisas. Em questão de técnica, é nesse contexto de estar disponível para tudo. Somos pessoas disponíveis, essa galera do teatro. A gente está sempre querendo tocar, querendo entender. Além disso, é um lugar de respeito com as outras áreas. Sendo um ator de teatro, já tive que montar cenário, construir um roteiro, atuar, limpar o palco e dar ingresso na recepção para quem tá entrando. Há uma dimensão do tátil e do sensível da galera do teatro, porque a gente sabe como é difícil viver de arte no Brasil. Então, quando a gente recebe uma oportunidade para fazer um filme, um longa, uma série, uma novela, sabemos que tem muita gente envolvida para fazer aquilo.
Como foi a sua preparação para interpretar o Baby?
Fiz muita pesquisa de campo para poder viver o Baby. Fui para muitos lugares, principalmente no centro. O universo do boxe era um lugar do acesso à raiva, porque o Baby é um personagem que tem essa raiva, e o boxe me ligou a isso. Eu realmente fiz aulas de boxe para poder construir o Baby. No universo do Vogue, fui para aulas no Anhangabaú, às quartas-feiras. Era um monte de gente, numa grande batalha. São universos que se complementam – o boxe e o Vogue. O boxe é essa batalha em que a gente é visto como mais masculino e o Vogue é mais ligado ao feminino.
Teve a questão da sauna, também. Eu fui em muitas saunas de São Paulo, para poder conhecer como era, porque são lugares diferentes, são códigos diferentes quando estamos lá dentro. Baby foi difícil porque é um personagem que não entrega muito em nenhum momento. Ele não está o tempo todo sorrindo, ele está sempre implodido. Esse lugar da implosão eu encontrei visitando a Fundação Casa. Tenho muito respeito com a SP Escola de Teatro porque eu fazia parte do Programa Oportunidades e tinham as aulas de teatro que eles davam na Fundação Casa. É muito legal conversar com os meninos, porque eles falam muito sobre essas aulas que tiveram lá dentro. Então eu senti que era uma troca. Eles me viram como aluno de teatro porque já tinha dado aula na unidade em que eu estava fazendo a pesquisa, eles já me conheciam e eu consegui ter uma abertura maior.

João Pedro Mariano em “Baby” | Foto: Divulgação
O que “Baby” apresenta de inovador para o cinema queer brasileiro?
O que acho mais bonito, principalmente de início, que é muito diferente na nossa temática queer, falando sobre técnica, é a fotografia de “Baby”. Acho aquilo lindo. Como é bem filmado, bonito, vibrante… Em relação ao roteiro, acho interessante como se constrói um personagem que é queer, gay, mas que tem muito em volta, muito diferente do que vemos nos blockbusters. Eu acho que “Baby” se desenvolve melhor, porque é um personagem gay, é um filme queer, mas que mostra que nós temos mais do que somente ser gay.
Eu acho que o Marcelo Caetano tem essa habilidade de dar zoom em um personagem invisibilizado, muitas vezes a gente passa ali na Praça da República e há vários babies. Acho que deu um zoom numa história que é um micro e o Marcelo construiu um universo do macro, que trata sobre garotos de programa, sobre pessoas envolvidas em tráfico de drogas, sobre Vogue, e no final é tudo sobre amor. Acho que faltava um pouco disso no cinema brasileiro queer, tratar seus corpos como “sim, nós sofremos, mas, sim, a gente não deixa que o mundo engula a gente e a gente vai atrás dos nossos objetivos. Temos o direito de fazer tudo”.
Que conselho você daria para os estudantes atuais da Escola e para todos que têm vontade de serem atores e artistas?
É tão difícil o que a gente faz… a gente batalha muito, muito mesmo. Eu tenho propriedade para falar isso, porque, não querendo me martirizar, mas eu morava em São Bernardo do Campo, ficava duas horas para vir e duas horas para voltar para minha cidade. É muita batalha, mas é muito gostoso o que a gente faz. Com “Baby”, sinto como é bonito, como a gente muda a vida das pessoas de formas que nem fazemos ideia. Eu recebo tanta mensagem no meu Instagram agora, ou sendo reconhecido na rua, de pessoas que realmente já foram Baby, já viveram Baby. A nossa arte toca as pessoas, a arte brasileira é potente. A gente vê, agora, dando o exemplo que todo mundo sabe, da Fernanda Torres sendo indicada ao Oscar. Isso é muito grande e tenho certeza de que pode ser a gente daqui um tempo. Tenho 21 anos, vejo ela lá e falo: “Cara, é um objetivo da minha vida chegar lá nesse lugar também.” E ser uma pessoa gay chegando nesse lugar…
Entrando aqui na Escola, fiquei super emocionado porque vejo essa galera que tá batalhando pelo que gosta e eu tenho certeza de que em algum momento isso vai ser reconhecido, vai ser aclamado. Acho que esse é um recado que eu tenho, para a gente não desistir, porque sei que tudo leva a gente a desistir. É só ter calma, paciência, luta e uma boa rede de apoio. Isso é muito importante, ter as nossas famílias escolhidas para que a gente possa fazer dos nossos e fazer os nossos.