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VER O OUTRO: Bob Sousa entrevista Rudifran Pompeu

Publicado em: 10/06/2025 |

Rudifran Pompeu, por Bob Sousa

Celebrando duas décadas de resistência e pesquisa no teatro, o Grupo Redimunho de Investigação Teatral estreia Couro Duro: A Saga do Fim do Mundo, espetáculo que reafirma a força do coletivo na construção de uma dramaturgia autoral e crítica. Com texto e direção de Rudifran Pompeu, a montagem transita entre o cinema e o teatro para dar vida a um sertão simbólico, onde personagens ficcionais de Guimarães Rosa e figuras históricas como Lampião e Maria Bonita se encontram. Mais do que revisitar o universo roseano, o Redimunho estabelece conexões diretas com as tensões sociais, culturais e políticas do Brasil contemporâneo. Nesta entrevista, Rudifran Pompeu compartilha detalhes sobre o processo criativo, o papel do teatro de grupo hoje e os desafios de manter uma pesquisa artística continuada em tempos tão instáveis.


Bob Sousa – Couro Duro: A Saga do Fim do Mundo propõe um encontro inusitado entre personagens da literatura, da história e do teatro. Como surgiu a ideia de articular esse “Esperando Godot do sertão” com a linguagem cinematográfica e teatral ao mesmo tempo?

Rudifran Pompeu – A ideia veio com a dinamica da pesquisa, que em algum momento diante de certa complexidade na dramaturgia, precisei encontrar uma espécie de “arcabouço”, que pudesse dar um suporte estrutural e ao mesmo tempo firmasse a nossa linguagem em contraponto com a própria realidade que nos atravessa o tempo todo.

Então construimos um set de filmagem, onde se pode em certo aspecto colocar tudo como cena e ao mesmo tempo como um espelho de nós mesmos e de nosso ofício. Criei uma equipe de cinema fictícia filmando um filme sobre “Grande sertão: veredas”. E nisso se construiu como a linha central, essa espécie de metateatro.

No enredo, a trama trabalha a ideia que o bando de jagunços espera esse “godot do sertão” que na real representa uma esperança que nossa utopia alimenta, mesmo diante de tanta tragédia que estamos vivendo no mundo, e isso também é atravessado pela realidade quando personagens da nossa história real se apresentam na trama. Enfim, é teatro falando de cinema, de política, de visão de mundo e certamente de nosso próprio umbigo.

 

B.S. – Ao longo desses 20 anos de Redimunho, o grupo tem aprofundado uma relação intensa com o universo roseano. O que ainda surpreende ou provoca na obra de Guimarães Rosa e como ela serve de chave para pensar o Brasil de hoje?

R.P. – Acho que na verdade se você apartar o avanço tecnológico da última década eu diria que a gente saiu da roça outro dia e toda estrutura do nosso trabalho fica alocada nesse universo mais campeiro e consequentemente se contrasta com nossa urbanidade e nossas referências simbólicas desse mundo que habitamos entre o campo e uma das maiores metrópoles do mundo. Guimarães Rosa e toda sua obra às vezes pode ser contradita pelo tempo, mas não pode ser negada por ele, pois trata das profundezas da alma de um povo. Pra nós tudo ali é material que pode ser debatido dentro da disputa do imaginário e do pensamento do país. É infinito como o símbolo do oito deitado.

 

B.S. – O espetáculo faz uma metáfora potente sobre os desafios da produção artística no país, especialmente no teatro. Como você enxerga o papel do teatro de grupo hoje diante de um cenário político e econômico tão instável?

R.P. – Tenho sofrido com isso e acho que estamos no limite, a pejotização tem nos tirado muitas coisas, mas continuamos…

Nosso papel é imenso na disputa simbólica e num possível projeto de nação. O teatro de grupo ainda desempenha um papel importante nessa seara que envolve a arte e a cultura, e a proposta de puxar (a partir da dialética), uma reflexão e a consciência crítica do momento que estamos atravessando. Na minha opinião ainda é papel do artista e do teatro de grupo proporcionar um caminho para o debate simbólico do que somos e do que queremos viver adiante… O discurso político e poético se desenvole muito potente nesse modo de produção que se estabelece na contramão das regras de mercado. Também estamos num momento de nos entendermos como coletividades, uma vez que a natureza do nosso trabalho nos arrasta para a precarização do ofício, e portanto muitos coletivos se isolam em caminhos relacionados ao empreendorismo e precisamos encontrar meios para esse enfrentamento. Estamos vivendo uma espécie de “mercado da editalização” e isso parece bom, mas não é…

Acabamos nos adaptando aos interesses de cada especificidade e em alguma instância perdemos nosso coração transgressor e nosso frescor criativo para respeitar uma determinada demanda e possível regramento desse modelo atual de financiamento.

No entanto, o modo de produção de grupo ainda tem imensa representatividade e segue trabalhando em todos os territórios da cidade. Ainda é uma opção para a rebeldia necessária nas artes da cena.

A farta produção dos grupos se fortalece ainda que arranhada pela conjuntura política do momento.